Os pequenos europeus que estão a desafiar os gigantes asiáticos

Após a Nokia, há marcas europeias em ascensão. A bq e Wiko estão a conquistar presença no mercado de smartphones. Pensam na Europa, mas fabricam na China.

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A bq e Wiko querem continuar a expandir-se Filipe Arruda

A BQ faz questão de o dizer, logo no topo do site: “Empresa 100% espanhola”. Os telemóveis são montados na China, mas as ideias e o desenvolvimento acontecem em Espanha. Foi neste país que a empresa arrancou, há seis anos, na altura com outro nome e voltada para outros produtos. A incursão nos smartphones é recente.

Em Portugal, a marca começou a vender telemóveis em Abril do ano passado, pouco depois de ter criado o primeiro modelo. Os aparelhos chegaram, até Dezembro, às mãos de quase 20 mil consumidores portugueses. É uma fatia muito pequena do mercado, correspondente a um pouco menos de 1% dos 2,1 milhões de smartphones que a empresa de análise IDC estima terem sido vendidos ao longo de 2013.

Em Junho, a bq colocou nas lojas quatro novos aparelhos. “A nova gama foi concebida na íntegra pela bq. Este é o caminho que queremos seguir com todos os nossos dispositivos. Apesar de tudo, e porque é aí que estão concentrados os fabricantes e fornecedores de componentes, a montagem é feita na China”, explica o director geral adjunto, Rodrigo del Prado.

O negócio da bq não se faz apenas de telemóveis. Começou por desenvolver leitores de livros electrónicos, seguiu para os tablets e só depois decidiu avançar para os smartphones, um sector que tem sido dominado por grandes marcas internacionais, quase todas da Ásia.

Em termos globais, das cinco maiores fabricantes de smartphones, quatro são asiáticas: as sul-coreanas Samsung e LG e as chinesas Huawey e Lenovo. A excepção – em segundo lugar, atrás da Samsung – é a americana Apple. Juntas, estas cinco empresas tiveram no ano passado um pouco mais de 60% do mercado, de acordo com números da IDC.

Em Portugal, a realidade não é muito diferente. Dois terços dos smartphones vendidos em 2013 eram de quatro marcas: Samsung, LG, Apple e ainda a japonesa Sony, de acordo com a IDC. Já no primeiro trimestre deste ano, período durante o qual foram postos 532 mil smartphones no mercado português (mais 32% do que nos meses homólogos), a Samsung manteve uma liderança destacada, com 34% de quota. Seguiram-se a LG (15%) e a Apple (12%). A bq tinha um pouco mais de 2%.

Marcas emergentes
Para além da marca espanhola, uma outra empresa europeia tem vindo a tornar-se popular nos últimos meses: a francesa Wiko. Neste caso, porém, há uma empresa asiática por trás. O fabricante chinês Tinno Mobile comprou praticamente todo o capital da Wiko. Em França, são criadas as especificações para os telemóveis. Na China, são fabricados.

O gestor da marca para Portugal, Manuel Ferreira, cita dados da consultora GfK para dizer que a empresa tinha, em Maio, 11% do mercado de smartphones, um valor que é ainda mais elevado quando se limita a análise aos aparelhos livres de operador, os únicos que a Wiko vende.

“A empresa entrou no mercado português em Setembro do ano passado. As vendas têm vindo a crescer bastante. Neste momento já somos a segunda marca mais vendida em Portugal, tendo mais de 15% da quota de mercado [dos smartphones livres de operador]”, afirma Manuel Ferreira (nas contas da IDC, a Wiko teve um pouco mais de 2% de todos os smartphones no primeiro trimestre, uma estimativa que o responsável em Portugal diz estranhar).

A Wiko foi destacada como uma fabricante emergente e de crescimento acelerado num relatório recente da consultora Kantar, que se debruçava sobre os cinco principais mercados europeus: Reino Unido, França, Alemanha, Itália e Espanha. Segundo a Kantar, a presença da Wiko naqueles países tem registado taxas de crescimento de três digitos e a marca tem já uma fatia de 8% do mercado francês.

“Na Europa, está a acelerar-se a tendência para a fragmentação no mercado dos telemóveis, à medida que as marcas pequenas ganham força a sério”, escrevia no relatório o analista Dominic Sunnebo, notando que os fabricantes dominantes estão a enfrentar tanto empresas conhecidas, mas com quotas de mercado reduzidas, como novos concorrentes: “Marcas estabelecidas como a Motorola [americana e detida pelo Google] e a Sony estão a mostrar um ressurgimento, e os recém-chegados ao mercado europeu, como a Huawei [chinesa] e a Wiko estão a desafiar os nomes estabelecidos”. A Wiko está em fase de expansão para África e alguns territórios asiáticos.

Concorrentes
A bq e a Wiko têm modelos que cobrem aproximadamente os mesmos patamares de preço. Os mais baratos da Wiko andam em torno dos 80 euros, os da BQ começam nos 100. As respectivas gamas estendem-se até telemóveis de 300 euros. São vendidos livres de operador e ambas apostam na possibilidade de usar dois cartões SIM. Os telemóveis são equipados com o popular sistema Android.

É habitual a classificação da bq e da Wiko como marcas de baixo custo. Afinal, os topos de gama de marcas como a Samsung, a Apple e a Nokia (outrora a estrela europeia, que acabou comprada pela Microsoft) andam em torno dos 700 euros, quando comprados sem contrato com um operador.

Do lado da bq, Rodrigo del Prado, defende que está é uma não uma classificação justa. “É frequente e injusta a classificação da bq apenas como um fabricante de dispositivos low cost. No entanto, é inevitável a comparação com outras marcas cujo posicionamento assenta exclusivamente no factor preço”. Del Prado reconhece, contudo, que uma das apostas é a “acessibilidade do preço”.

No ano passado, a bq facturou 115 milhões de euros, 10,8 milhões dos quais em Portugal, onde vendeu mais tablets do que telemóveis. Este ano, espera que esta divisão de receitas se inverta e está a apontar para uma facturação de 12 milhões no mercado português, com a venda total de 100 mil aparelhos.

Já pela Wiko, Manuel Ferreira afirma que “a gama é muito abrangente, tem modelos específicos para quem procura telemóveis simples, coloridos, até [modelos para] os clientes mais exigentes”. A marca estabeleceu como como objectivo a venda de 200 mil telemóveis em Portugal ao longo deste ano e está a estudar a hipótese uma nova estratégia, com a entrada no mercado dos telemóveis de operador.

Marcas made in Europa
A Wiko foi fundada em Marselha, em França, no início de 2011. No final do Verão de 2012, lançou o primeiro smartphone Android, com o objectivo de explorar o segmento dos equipamentos de baixo preço, a que as grandes marcas não prestavam então muita atenção.

A empresa conseguiu ser rapidamente bem sucedida em França, em parte pela estratégia de preços, mas também por se apresentar como uma marca local. A empresa e a marca são de facto francesas, mas o capital é essencialmente chinês. Através de uma holding com sede em Hong Kong, o fabricante Tinno Mobile é dono de 95% da empresa. O restante está nas mãos do presidente, o empresário francês Laurent Dahan, que já trabalhava no sector das telecomunicações.

Já a bq tem as suas raízes num projecto bem diferente do que é hoje. Em 2006, um grupo de estudantes da Universidade Politécnica de Madrid criou uma spin off, chamada Star TIC Innovación, para desenvolver e comercializar pens USB. Em 2008, numa parceria com a livraria digital Luarna, surge a Mundo Reader, inteiramente de capitais espanhóis e que é hoje a dona da bq. Em 2009, lançam o primeiro leitor de livros electrónicos, concorrente de aparelhos como o Kindle, com a marca booq, que no ano seguinte foi encurtada para a designação actual.

Para além da marca própria, a empresa passou a desenvolver leitores electrónicos para a Fnac e para a operadora Movistar. Decidiu também entrar no mercado dos tablets. No ano passado, estreou-se não apenas nos smartphones: passou a vender também impressoras 3D (aparelhos que são capazes de construir pequenos objectos de plástico) e kits de robótica educativos. São um negócio de nicho, que representou 1% da facturação do primeiro trimestre.

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