Os países do “Façam algo” ou “DU Something Countries

Na realidade, o acrónimo DU tenta responder não a uma pergunta mas sim a duas. A primeira pergunta é o que caracteriza hoje a relação entre estados na Europa no pós-Tratado de Lisboa? E a segunda é qual é hoje a característica comum entre as populações dos estados europeus? As respostas são, respectivamente, o medo de um estado se tornar devedor e o medo dos cidadãos de perder o emprego e não mais o recuperar.

O “D” do DU representa “Debtor”(Devedores) e  o “U“ representa “Unemployment” (Desempregados) pelo que “DU Something Countries” é uma actualização do acrónimo PIIGS para retratar a actual fase histórica que atravessam vários países da Europa no pós-2008. 

Os países “Façam algo/DU Something” são aqueles em que quase nada do que se faça internamente poderá assegurar a resolução total dos seus problemas. Pois, os problemas apenas podem ser minorados e não resolvidos. A resolução está fora desses países, está nos países credores, seus pares formais mas não de facto na União Europeia. 

Há efectivamente um medo no ar que atravessa todas as chancelarias e gabinetes ministeriais do Atlântico às fronteiras da União a leste e do Báltico ao Mediterrâneo. Esse é o medo de perder o poder que se tem e isso é o equivalente ao medo de deixar de ter créditos sobre outros países da União e passar a fazer parte dos “Países Devedores” e assim perder o assento entre os “Países Credores” – os que comandam a União. 

De algum modo, é esta mesma ideia que presidiu à intervenção pública realizada por George Soros, especulador e filantropo, na passada semana no Global Economic Symposium, realizado em Kiel, na Alemanha. 

Soros discutiu nesse encontro o futuro da Europa e o seu argumento é pertinente e mostra-nos uma outra visão, bem menos benevolente, da actualização do ideário europeu. Uma actualização que não foi procurada, nem arquitectada, mas que resultou dos erros, das omissões e das decisões tomadas nos últimos anos. 

Soros argumenta que, embora a UE tenha sido pensada e concretizada enquanto uma associação voluntária de Estados iguais, que cediam parte da sua soberania para o bem comum, na realidade a actual Europa transformou-se em algo diferente do previsto. A relação projectada de associação de iguais transformou-se numa relação entre credores e devedores, a qual é, por natureza, compulsória e desigual. Quando um país entra em dificuldades, o país credor fica na mó de cima. E as novas regras, entretanto, estabelecidas no quadro da Comissão, BCE e do Eurogrupo apenas perpetuam este estado de coisas. Algo que é politicamente inaceitável e tem o potencial de destruir a União Europeia. 

O poder dos Estados europeus neste momento mede-se em função não da sua diplomacia, da sua  proximidade e benevolência, de visões comuns de futuro ou do conquistar das opiniões públicas dos outros países, mas sim no poder do seu portfolio de dívida ou do seu poder de influência na gestão de futuros empréstimos e taxas aos restantes países. 

Podemos argumentar que esta é uma evolução positiva do exercício do poder associado ao “Hard Power” das armas e das balas enquanto material de influência das opiniões e acções de outrem, e é-o sem dúvida. No entanto, também não é o desejável “Soft Power” subjacente a uma relação entre iguais. 

Este poder é tanto mais perigoso quanto fomenta a arrogância, pois só os próprios credores estão hoje em posição de mudar o curso da União e, não estando nisso interessados, apenas há a esperar a prevalência de posições que tenderão a ser tanto mais extremadas quanto mais tempo passar na institucionalização desta forma de exercício do poder na relação entre estados. 

Ainda seguindo o raciocínio de Soros a solução só existirá, obviamente, se de entre os “Estados Credores” se gerar a percepção de que, enquanto há tempo, há que reconhecer os erros e os preconceitos que criaram a actual situação e, depois, trabalhar na sua correcção. Neste momento os “Estados Credores” têm duas hipóteses: ou deixar continuar a actual estrutura de poder institucionalizar-se e corromper as instituições europeias ou buscar, nas palavras de Soros, “a gratidão eterna” dos restantes países europeus. 

Por agora, a crise do euro parece ter terminado enquanto assunto político e jornalístico, mas a crise continua por quase toda a Europa. E a solução não pode passar por apenas um país, embora apenas dois ou três possam iniciar esse processo de cura que pare a destruição em curso. 

Os países europeus, independentemente de hoje serem credores ou devedores, não possuem culpa individual em se terem transformado em semelhantes próximos dos países que durante as décadas anteriores às generalizações de perdões de dívidas, ao denominado terceiro mundo, se endividaram em moeda estrangeira – a este propósito e enquanto manual sobre como lidar com a Europa endividada vale a pena consultar o documento de 2012 do FMI intitulado “Sovereign Debt Restructurings 1950–2010: Concepts, Literature Survey, and Stylized Facts”.

Como relembra Soros num recente artigo publicado pelo Project Syndicate, os países do euro ao terem cedido a sua capacidade de criar moeda ao BCE colocaram-se no papel dos países em desenvolvimento que pediam emprestado em moeda estrangeira – e nem os mercados nem os estados anteciparam esta falha, ou mais directamente um disparate agora totalmente evidente. 

Os maiores países da União, os grandes credores, detentores dos ratings mais elevados e das maiores capacidades financeiras, industrial e de serviços terão de dar o primeiros passo e seria importante lembrarem-se que na Europa todos os que o pretenderam usufruíram de um Plano Marshall e que, por exemplo, a Alemanha obteve três perdões de dívida, um em 1924, outro em 1929 e outro também ao abrigo do Plano Marshall. 

E em nota de rodapé, importa lembrar que foi a capacidade de perdoar e incentivar a retoma europeia no pós-guerra que estabeleceu a solidariedade entre os dois lados do Atlântico. Talvez copiar essa ideia fosse uma boa estratégia para uma Europa que não queira morrer. 

P.S: e se neste momento o leitor atento perguntar: e quanto ao “U” do DU? Esse é o ponto a desenvolver numa continuação deste artigo, pois parece que (para nosso mal) estamos às portas de uma “Era do Crescimento sem Emprego”, um momento histórico em que as sociedades mais desenvolvidas deixaram de conseguir manter em equilíbrio os dois lados da equação do desenvolvimento.     

Gustavo Cardoso é docente do ISCTE-IUL em Lisboa e Investigador do Centre d'Analyse et Intervention Sociologiques (CADIS) em Paris.

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