Os gestos que traíram os protagonistas do caso BES

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O que disseram os intervenientes na Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso BES está registado nas actas, foi visto na televisão, lido nos jornais. Mas as citações dos seus testemunhos talvez fiquem aquém de toda a mensagem que na verdade passaram. Dizem os especialistas em liguagem corporal que 93% do que comunicamos não é por palavras, mas por gestos e pequenas expressões do rosto. A Revista 2 pediu ao especialista Rui Mergulhão Mendes que observasse os depoimentos dos principais actores do caso mais mediático da banca portuguesa e tirasse as suas conclusões. O método não é isento de cepticismo, mas é usado por respeitados media norte-americanos, por exemplo, na análise de grandes temas.

Ricardo Salgado
Presidente do BES e do GES entre 1991  e Julho de 2014

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Interpretação
“Ao proferir a afirmação, Salgado muda completamente de postura corporal que, no início, era de amplitude e de alguma confiança, para um ‘desaparecimento corporal’ abrupto e notório: apoia-se apenas num lado do corpo. Se nos falta a confiança no que dizemos ou sentimos, a tendência é para nos fazermos pequenos.”

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Interpretação
“Salgado bloqueia a boca com as mãos, um gesto característico de quem sabe mais do que está disposto a dizer, o que pode indiciar uma mentira. É como se o cérebro desse instruções às mãos para tapar a boca na tentativa de bloquear afirmações menos sinceras. O movimento é acompanhado pelo fecho corporal, motivado pela insegurança que sente.”

“Bloqueamos os olhos quando não gostamos do que dizemos, vimos ou ouvimos. Mais uma vez é o nosso cérebro límbico (emotivo) no comando das operações do corpo. O movimento pode ser muito fugaz, com um pequeno toque no olho, ou mais comprometedor e evidente, como no presente caso, em que Salgado faz um bloqueio total, o que é um bom indicador de que sabe mais em relação ao tema ou, então, de que não gosta da afirmação que proferiu.”

“Pequenas comichões ou toques faciais, causados por micropruridos, são instruções cerebrais enviadas para o corpo na tentativa de nos acalmarmos. Quando ocorre um pico de comichão e nós coçamos, geramos uma sensação de acalmia, é uma forma micro de nos pacificarmos, em resposta ao stress e a emoções conflituosas. Normalmente, os toques do lado direito da face são comandados pelo lado esquerdo do cérebro, o lado lógico, matemático, mais analítico — este pode ser o tipo de pensamento de Ricardo Salgado naquele momento.”

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Interpretação
“Novo bloqueio da boca, e mais um forte indício de que Salgado sabe muito mais do que aquilo que quer dizer. Neste caso em concreto, está mais seguro, pela forma como expõe o corpo, sem ter grande preocupação de fecho e com amplitude e exposição lateral do corpo.”

José Maria Ricciardi 
Presidente do BESI e primo direito  de Ricardo Salgado

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Discurso feito antes de começar a ser interrogado na CPI

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“Ricciardi usou uma estratégia de afastamento dos casos mais complicados, desvinculando-se de alguns elementos da família. E vincou de forma imperativa, como as fotos o demonstram — de dedo em riste, indicando autoridade em relação às suas afirmações — que a família tem de ser analisada caso a caso, penalizando quem prevaricou. Quase se coloca do mesmo lado dos deputados, chegando mesmo a afirmar: ‘Não estou aqui para julgar ninguém’.”

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Resposta a perguntas sobre em que momento foi informado que as contas da ESI [com um passivo oculto de 1300 milhões de euros] não correspondiam à verdade

Interpretação
“Começa por referir ‘pelo menos eu…’ e aponta para si mesmo, vinculando a afirmação, sendo coerente entre o tempo, os gestos e a afirmação. O que indicia verdade nas declarações. Na segunda afirmação diz que ‘nessa altura tudo isso foi transmitido ao Banco de Portugal…’ e torna a apontar para si mesmo, não referindo ter sido ele, mas dando de forma inconsciente e não verbal essa indicação.”

Álvaro Sobrinho 
Ex-presidente do BES Angola  e ex-accionista da ESFG, dona do BES

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Os deputados pedem explicações sobre os financiamentos de 5700 milhões do BES ao BES Angola

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“As assimetrias nas sobrancelhas indicam-nos possíveis omissões. As sobrancelhas estão associadas a muitos dos nossos processos emocionais e comunicamos através delas mesmo antes de falarmos. O nosso hemisfério direito é a sede da nossa consciência, que está fortemente relacionada com o movimento da sobrancelha do lado esquerdo. Os hemisférios reflectem-se de forma inversa no nosso corpo. Sobrinho espelha esta assimetria várias vezes ao longo da sua intervenção, dando um forte sinal de não se querer expor, dado que os temas em questão o deixam pouco à vontade. Sente-se inseguro em relação a eles e pode não revelar tudo o que sabe. Este movimento é muitas das vezes criado pelo pudor, pela necessidade de ser discreto.”

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O banqueiro é interrogado sobre o “desaparecimento” dos cerca de 3 mil milhões de euros de créditos do BES ao BESA

Interpretação
“Álvaro Sobrinho exibe uma microexpressão de desprezo, com um movimento assimétrico na face, visível com o levantar de apenas um dos cantos da boca. O desprezo aparece quando nos sentimos superiores em relação a alguém ou a algum assunto, não nos sentimos superiores em relação a coisas ou objectos. O desprezo também está muito ligado ao processo da mentira. Em muito casos, após a mentira, quem falta à verdade tem tendência a manifestar desprezo, pois acha que a sua mentira ‘passou’, o que dá uma sensação de superioridade. Na grande maioria dos casos, a sensação de desprezo é vivida com agrado: o facto de nos sentimos superiores produz reac-ções químicas no nosso organismo que nos dão a sensação de bem-estar.”

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Interpretação
“A afirmação é acompanhada por um gesto de imperatividade. Não dou mais espaço para este tema, não falo mais sobre isto, é desagradável ou deixa-me inseguro.”

Zeinal Bava
Presidente executivo da PT entre 2008 e Junho de 2013, altura em que assumiu a liderança da brasileira Oi (em processo de fusão com a PT). Em Agosto de 2014, deixou a OI e a PT Portugal.

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“O acto de ventilar é normalmente uma forte reacção ao stress, é um indicador muito poderoso de que a pessoa está numa situação de visível desconforto. Bava não foge à regra.”

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“Eu, por acaso, está-me agora a falar disso, tenho que corrigir um aspecto…”

Interpretação
“Bava bloqueia os olhos dando indicação de que não gosta daquilo que está a comunicar. Se ao discursar fazemos este bloqueio, certamente sabemos mais do que estamos a dizer. Inconscientemente fazemos este bloqueio com as mãos, através de pequenos toques, ou com o fechar mais prolongado dos olhos, o que nos diz que não gostamos do que se está a passar. Em Bava, detectam-se estes dois movimentos.”

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“Novo bloqueio que, desta vez, ocorre ao nível da ocultação da boca pela mão. Um gesto completamente involuntário e um indicador de que aquilo que está a comunicar não corresponde à verdade ou que sabe mais do que está a dizer.”

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Dirigindo-se à deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua

“Desculpe…?”

Mariana Mortágua: “Eu não disse nada…”

Zeinal Bava: “Ah, hummm!”

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“Expiramos o ar de forma acentuada para nos pacificarmos, o que permite, sobretudo, aliviar a pressão existente. Normalmente, estes comportamentos surgem em resposta a um episódio de stress ou a uma situação desagradável e desconfortável.”

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Os deputados voltam a confrontar Bava com a aplicação de 90% da tesouraria da PT no GES-BES

“É onde o dinheiro estava investido.”

Interpretação
“O desaparecimento dos lábios está associado a stress e ansiedade. A emoção é desencadeada depois de um período de silêncio.”

Henrique Granadeiro
Ex-presidente da Portugal Telecom  em funções até Agosto de 2014.

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Granadeiro é confrontado com o relatório da PwC realizado depois de o Expresso ter tornado público o investimento de cerca de 900 milhões de euros da PT na Rio Forte (GES). As conclusões apontam para uma gestão ruinosa e eventuais crimes de mercado

“Porque é que tenho alguma, enfim…, pouca confiança no relatório da Price...”

Interpretação
“Granadeiro evidencia uma microexpressão de aversão, que está espelhada na face com o levantar do lábio superior e o aparecimento de rugas na zona do nariz. O movimento é acompanhado de uma outra microexpressão de desprezo que se manifesta pelo levantamento assimétrico de um dos cantos da boca. A conjugação das duas microexpressões constituem um forte indicador do afastamento em relação ao facto discutido, com repulsa incluída, acompanhada com o abanar da mão vincando a sensação do desprezo face ao tema.”

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Interpretação
“Granadeiro utiliza a expressão ‘sinceramente’ para vincular a sua posição face ao tema. Contudo cobre a boca com a mão, indicando que sabe muito mais sobre o tema, ou que não quer falar sobre ele. A acompanhar estes indícios corporais surgem as hesitações, as pausas e as inflexões verbais, numa notória demonstração de que não revela tudo o que sabe.”

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Quando o BES deixou de dar crédito ao GES, a PT acentuou os financiamentos às sociedades do universo familiar comprando papel comercial da ESI e Rio Forte (holding não financeira do GES)

“Nunca me passou pela cabeça que estivéssemos numa situação dessas…”

Interpretação
“Procura ganhar tempo para processar uma resposta adequada. Nestas situações, surgem as pausas e as muletas verbais típicas dos estados emocionais de insegurança. E o corpo dá também a devida resposta, pois o que Granadeiro quer é levantar-se e ir-se embora. É o nosso cérebro inconsciente a comandar as operações e a querer tirar-nos dos lugares de desconforto.”

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Pergunta sobre se teve conhecimento da imposição do BdP de separar o BES das empresas não financeiras do GES (ring fencing)

“Soube pelos jornais…”

Interpretação
“Declara assim que não dispôs de informações privilegiadas. Granadeiro ‘esconde’ as mãos debaixo da mesa, num sinal de insegurança face ao que acaba de proferir, que acompanha a posteriori por movimentos pacificadores: massaja as mãos e brinca com a aliança. Há uma tentativa de se acalmar face ao stress causado pela situação.”

Carlos Costa 
Governador do Banco de Portugal  desde 2010

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“Carlos Costa ao afirmar ‘com toda a clareza’ expressa uma linguagem corporal completamente em desacordo com ‘clareza’, exibindo assim uma forte incongruência, sendo uma excelente revelação de que não existe clareza nenhuma na afirmação que proferiu. Acompanha a afirmação com um sorriso a mascarar desprezo, emoção revelada pela expressão facial assimétrica que exibe na face. Esta microexpressão está muito associada ao processo da mentira, pois a pessoa que não diz a verdade sente-se superior ao pensar que a sua mentira passou sem ser descoberta.”

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Interpretação
“Enquanto o deputado fala, Carlos Costa revela uma microexpressão de medo visível na face com o aparecimento de rugas na testa causadas pelo levantamento das pálpebras e das sobrancelhas. A afirmação é muito interessante. Revela que noutros pontos não foi claro e tem consciência de que certamente omitiu informação. Costa acompanha a frase deixando cair completamente os ombros, a querer desaparecer, dando conta de uma nítida falta de confiança no que diz.”

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“Costa coloca a mão em frente da boca numa tentativa de bloquear o que está a dizer, pois, provavelmente, não gosta ou não acredita no que afirma. Utiliza de seguida um pacificador para se acalmar ‘massajando’ os lábios com a língua, movimento típico em resposta a uma situação de stress ou desconforto emocional.”

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Costa diz ter telefonado a Carlos Tavares preocupado com a queda da cotação do BES. O presidente da CMVM afirma por seu lado que Costa lhe telefonou a falar numa eventual fuga de informação sobre uma intervenção no banco (que ocorreu dois dias depois)

“Nós não voltámos a falar nesse dia, suponho eu, tanto quanto eu sei.”

Interpretação
“Carlos Costa bloqueia os olhos ao proferir a informação, dando um sinal claro de que não gosta do que acabou de dizer. Faz a afirmação ‘nós não voltámos a falar nesse dia’, mas é traído pela questão linguística ao ‘aligeirar’ a afirmação principal, ao não querer vincular-se, com o ‘suponho eu’ e ‘tanto quanto eu sei’. É o cérebro límbico [zona responsável pelas emoções e comportamentos sociais] no comando das operações!”

Carlos Tavares 
Presidente da CMVM

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“Ao afirmar isto, Tavares, em simultâneo, bloqueia a boca. O cérebro envia instruções à mão para tapar a boca, procurando bloquear as palavras comprometedoras e não deixar proferir aquelas que deveriam ser ditas sobre o tema. Tavares muda de assunto para “acalmar” a situação de desconforto emocional bem visível nos toques pacificadores na zona do pescoço. Em resposta ao stress emocional, o nosso cérebro entra no controlo das operações e dá indicações ao corpo para que este se acalme.”

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“Ao declarar que a carteira do fundo estava diversificada em termos de sectores e, por isso, não corria riscos especiais, Carlos Tavares expressa uma microexpressão de aversão, que se reflecte no aparecimento de rugas na zona do nariz e, em simultâneo, num leve levantamento do lábio superior e de um movimento de sobrancelhas para baixo. Como reacção automática ao processo emocional, a microexpressão aparece em resposta a algo que repugnamos, de que não gostamos, bloqueando assim de forma inconsciente a entrada da informação.”

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“Na face de Tavares transparece uma microexpressão, associada a questões negativas e de preocupação que se manifestam através do pressionar e do desaparecimento dos lábios, com perda de tónus muscular e do foco do olhar. De seguida, Tavares pousa a cara sobre a mão, numa tentativa inconsciente de se ‘esconder’, como forma de protecção de algum ataque. A acompanhar todo este cenário, surgem outros gestos pacificadores, traduzindo de forma muito clara o desconforto, o embaraço emocional a que está exposto.”

Maria Luís Albuquerque 
Ministra de Estado e das Finanças

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“No seguimento da afirmação, a ministra das Finanças pacifica-se com um toque na zona jugular, revelando insegurança ou desconforto emocional, no que também pode ser uma indicação de medo ou de inquietação sobre o tema. Esta zona do corpo é rica em extremidades nervosas e a existência de toques ocorre sempre que nos desejamos acalmar em relação a algum acontecimento mais stressante. O cérebro diz ao corpo que necessita de se acalmar, e este reage, tocando, acalmando ou massajando o corpo, com toques muito subtis.”

Semanas antes do colapso, a ministra considerou a situação do banco sem risco para a estabilidade financeira. E notou que o aumento de capital do BES (Maio/Junho), que decorreu já com alertas de problemas, tinha tido sucesso. Pressionada pelos deputados a responder sobre a sua actuação, a ministra afirma:

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“É uma pergunta semelhante que o sr. deputado me está a fazer...”

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“Responde com uma ironia a uma pergunta e simultaneamente levanta as mãos com as palmas viradas para o seu interlocutor, um sinal não verbal: ‘Pare! Não vou deixar o tema avançar mais.’ O que significa que se sente desconfortável a falar do assunto.”

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“Maria Luís Albuquerque usou uma linguagem corporal muito contida e de defesa, visível nos movimentos que efectuava com as mãos. Ao contrário de outras situações, em que gesticula com grande à vontade, na CPI à gestão do BES as suas mãos eram muito mais contidas, curvadas e viradas para si, de pouco à-vontade e de alguma insegurança. Usou em muitos casos uma sobreposição das mãos, mostrando os dedos entrelaçados, e confirmando a insegurança e a incerteza face aos comentários ou pouco à vontade com os temas discutidos.”

Paulo Portas
Vice-primeiro-ministro

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“Paulo Portas profere a informação e simultaneamente bloqueia o ouvido, num sinal de que não gosta do que está a ouvir, por não ser verdade ou por conter associada informação sensível. E, acto contínuo, valida o gesto anterior ao bloquear a boca, a que se segue um ligeiro toque no nariz. Estes microtoques acontecem sempre em situações embaraçosas, provenientes de contradições anteriores, quando censuramos as nossas palavras, as nossas atitudes, servindo também o propósito de nos acalmarmos.”

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“Paulo Portas explica a necessidade da realização do conselho de ministros electrónico a pedido do Banco de Portugal e evidencia uma expressão facial de desprezo, dando indicação de que controla a situação e se sente superior face ao tema discutido. A superioridade e a sobranceria demonstrada em relação ao deputado [socialista] José Magalhães foi uma constante desta sessão da CPI ao BES, em contraponto com o que acontecera noutra comissão de inquérito [à compra de equipamento militar] em que Portas esteve também a depor.”

“Paulo Portas assume uma postura agressiva e de confronto relativamente ao caso dos submarinos e, embora peça respeito ao deputado que o questiona, o que realmente quer é que ele se cale em relação ao assunto, e dá-lhe essa ordem de forma não verbal. A boca diz uma coisa e o corpo diz outra.”

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“O vice-primeiro-ministro demonstra muita insegurança face ao tema, com muitas hesitações, muitas pausas e acompanha a intervenção com microtoques reveladores de insegurança. Estes microtoques dão-nos a indicação de um potencial conflito interior e procuramos soluções para ultrapassar as dificuldades. Usualmente, estes movimentos também funcionam como pacificadores.”    

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