OE para 2015 mantém medidas temporárias no valor de dois mil milhões de euros

Tribunal Constitucional obrigou o Governo a encolher medidas apresentadas como provisórias em 1000 milhões de euros, mas ainda se mantém uma parte significativa desta estratégia para angariar receitas.

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No Orçamento do Estado (OE) para 2015, o primeiro após o programa negociado com a troika e que irá ser aplicado em ano de eleições, o Governo ainda vai manter uma parte das medidas apresentadas como temporárias nos últimos anos, embora com um alcance orçamental mais reduzido, devido ao travão imposto pelo Tribunal Constitucional (TC).

No OE para 2014, o Governo esperava arrecadar mais de 3000 milhões de euros com diversas medidas extraordinárias na área dos impostos, função pública e pensões, conforme noticiou o PÚBLICO há um ano. Mas as decisões do TC, que obrigaram o executivo a recuar no corte permanente das pensões, no novo desenho dos cortes salariais e nas taxas aplicadas aos subsídios de desemprego e de doença, fizeram encolher este valor em mais de 1000 milhões de euros.

Ainda assim, o próximo ano continuará marcado por medidas excepcionais que permitirão arrecadar à volta de 2000 milhões de euros, com o corte nos salários dos funcionários do Estado e a sobretaxa de 3,5% sobre o IRS a causar o maior impacto.

Estes 2000 milhões de euros são valores aproximados, até porque há medidas que se mantêm desde 2011 e cujo impacto exacto se desconhece.

No futuro, o TC continuará a ser determinante na definição dos limites das reformas estruturais. É pelo menos esse o alerta que a Comissão Europeia deixa no último relatório de avaliação ao programa português.

No documento, Bruxelas critica a forma como o TC tem interpretado a Constituição e alerta que tanto o actual como o futuro governo, que terão de garantir a manutenção da consolidação orçamental e do ajustamento estrutural, “continuarão a ser confrontados com as incertezas relacionadas com a forma como o TC irá interpretar estas margens e os princípios constitucionais que lhes estão subjacentes”.

Salários com redução menor
É a medida temporária com maior impacto orçamental no próximo ano. Os cortes salariais já vêm de 2011, embora agora assumam contornos diferentes, uma vez que será reposto 20% dessa redução.

No OE para 2014, o Governo decidiu alargar a base de incidência dos cortes de 2,5% a 10% que passaram a afectar os trabalhadores do Estado com salários acima de 600 euros (na versão final passaram a figurar 675 euros). Mas a medida não passou no crivo do Tribunal Constitucional, que a chumbou em Maio, pondo em causa 1125 milhões de euros (valor calculado com base nos dados do Documento de Estratégia Orçamental que apontavam para uma perda de receita de 225 milhões de euros com a reversão de 20% dos cortes salariais em 2015).

Em 2015 os salários acima de 1500 euros brutos continuam a ser cortados, mas no OE prevê-se a reversão de 20% das taxas de redução. Esta medida representa uma receita de 796 milhões de euros para o Estado no próximo ano.

Cortes nas pensões mais altas
Em 2014, o Governo contava encaixar 702 milhões de euros com a contribuição extraordinária de solidariedade (CES) sobre as pensões pagas pela Segurança Social e pela Caixa Geral de Aposentações.

A medida, entendida como temporária, deveria ser extinta no próximo ano e substituída por uma outra, a contribuição de sustentabilidade (CS), que pressupunha um corte permanente entre 2% e 3,5% de todas as pensões superiores a 1000 euros e mantinha as reduções adicionais nas pensões acima de 4611 euros. O Tribunal Constitucional chumbou a CS e o Governo abandonou a ideia de fazer o que chamava uma reforma dos sistemas de pensões.

Em 2015, a CES desaparece e o Estado perde 660 milhões de euros. Apenas se manterão os cortes nas pensões acima de 4611 euros, mas com taxas mais reduzidas do que as que estão a ser aplicadas este ano. A medida permitirá arrecadar 42 milhões de euros.

Taxas sobre subsídios desaparecem
Em 2014, o Governo decidiu manter as taxas de 5% e 6% sobre os subsídios de desemprego e de doença. A medida valia 95 milhões de euros, um montante que já tinha em conta os alertas do TC que em 2013 chumbou estas contribuições por não se salvaguardarem os limites mínimos das prestações afectadas. O TC voltou a pronunciar-se sobre a medida já no corrente ano e o Governo acabou por eliminá-la. Aqui, o temporário chegou ao fim, pela mão dos juízes do Palácio Ratton.

Sobretaxa em vigor
Esta é a medida de reforço de receita do Estado que mais polémica alimentou nas últimas semanas, já que o CDS sugeria uma descida da sobretaxa de IRS de 3,5% para 2,5% no ano que vem. Isso acabou por não acontecer e os contribuintes continuam a ser afectados pela manutenção de uma pesada carga fiscal sobre os ordenados. Hipoteticamente, haverá um crédito fiscal, a pagar em 2016, se as receitas arrecadadas com o IRS e o IVA ficarem acima do estimado. O Governo afirma que, se este mecanismo estivesse em vigor em 2014, haveria reembolso da sobretaxa, mas isso é quase o mesmo que dizer que o comportamento de uma acção no passado representa ganhos futuros. Ou seja, nada garante que se receba dinheiro da sobretaxa, que se continuará a pagar em 2015, e vale cerca de 760 milhões para os cofres do Estado. 

Impacto da derrama
Esta foi uma medida temporária que serviu para mostrar que as grandes empresas também eram afectadas pelos cortes aplicados pelo Governo, por via das derramas estaduais. Criada em 2012, foi “afinada” em 2013, manteve-se em 2014 e ainda irá vigorar em 2015. Assim, há uma primeira derrama estadual de 3% sobre empresas com lucros superiores a 1,5 milhões de euros, uma segunda de 5% sobre os lucros superiores a 7,5 milhões, e um terceiro escalão, de 7%, para lucros acima de 35 milhões. Isto numa altura em que o IRC desce para 21%, e se mantém a intenção de acabar com a derrama entre 2016 e 2018. Não há dados objectivos actuais mas, há um ano, estimava-se que o encaixe rondaria os 187 milhões de euros.

Grandes imóveis no alvo
Quem tem uma habitação com valor patrimonial acima de um milhão de euros começou a pagar, desde Setembro de 2012, uma taxa adicional. Esta começou nos 0,8% e, em 2013, passou a 1%. Está em vigor no corrente ano e assim continuará em 2015. Não se sabe o encaixe para o Estado.

Energia volta a contribuir
Às grandes empresas do sector energético volta a ser pedido, neste Orçamento, uma contribuição extraordinária. O valor do encaixe que o Estado espera arrecadar em 2015 é semelhante ao de 2014: 150 milhões de euros. Também à semelhança do que ficou definido no OE 2014, 100 milhões serão transferidos para as contas do Estado e 50 milhões de euros servirão para abater ao défice tarifário. As empresas têm até 15 de Novembro para pagar o que lhes compete desta Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético, mas algumas, como a REN e a Galp, sinalizaram que poderiam contestar a medida em tribunal.

Banca mais taxada
No ano que vem, a contribuição sobre o sector bancário, que nasceu extraordinária em 2011 no final do Governo de Sócrates, fica em vigor e volta a subir. Mas já não vai para o “bolo” do OE, uma vez que alimenta o cofre do Fundo de Resolução (que ficou accionista do Novo Banco). Se em 2014 o valor de encaixe foi de 170 milhões, mais 50 do que no ano anterior, em 2015 o novo aumento representa um novo acréscimo estimado em 31 milhões. Ou seja, os bancos pagarão 201 milhões.

Os mais ricos
No ano passado, houve a dúvida se o Governo tinha desistido da taxa adicional de 2,5% que recai sobre os rendimentos acima de 80 mil euros e de 5% para os valores acima de 250 mil euros. Isto porque nada constava na proposta do OE para 2014, e a norma, criada por Vítor Gaspar, previa apenas que se aplicasse em 2012 e 2013. Só que o executivo garantiu que a medida era para se manter em vigor, e, para acabar com as dúvidas, acabou-se a baliza temporal. A norma foi revogada e ficou estipulado que é para continuar a pagar a taxa, até nova orientação. Embora seja uma medida mais política do que financeira (no sentido de representar um encaixe pequeno, cujo valor real se desconhece), o certo é que já se apresenta mais como definitiva do que como provisória.

Imposto milionário
Quem ficar rico com o Euromilhões em 2015 continuará a pagar ao Estado uma grande fatia do dinheiro afortunado. É que o imposto de selo especial, que cobra 20% dos prémios de jogos sociais a partir dos cinco mil euros, foi apresentado como temporário, mas 2015 já será o terceiro ano consecutivo de aplicação. De Janeiro até agora o encaixe foi de 55 milhões (38 milhões graças ao primeiro prémio de 190 milhões que calhou há uma semana a um português), e irá subir até Dezembro. No próximo ano, a estimativa é de cerca de 50 milhões. Com Ana Brito

 

 

 

 

 

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