Observatório acusa Governo de enviesar contas para justificar cortes nas pensões

Para o Observatório sobre Crises e Alternativas, o executivo favorece os sistemas de pensões privados ao sugerir “a insustentabilidade da Segurança Social”.

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Nas contas do Governo, os cortes nas pensões são a medida que mais reduzirá a despesa Fernando Veludo/NFACTOS

O Observatório sobre Crises e Alternativas acusa o Governo de ter critérios diferentes na leitura de projecções económicas com o objectivo de desconsiderar intencionalmente o sistema público de pensões. Baseando-se em contas “enviesadas”, diz esta estrutura do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, o executivo sobrevaloriza o peso das pensões na despesa pública.

No último número do Barómetro de Crises, divulgado esta semana, o observatório defende que o Governo de Pedro Passos Coelho parte de pressupostos inconsistentes para defender os cortes nas pensões – que representam a maior fatia das poupanças de 4800 milhões de euros previstas pelo executivo a partir do próximo ano.

Segundo o observatório coordenado por Manuel Carvalho da Silva, actual responsável pelo CES em Lisboa e ex-secretário-geral da CGTP, o Governo “baseia-se em projecções do peso da despesa em pensões no PIB em que o crescimento económico é sempre inferior a 2%”. Mas recorre a taxas de crescimento diferentes – “muito mais optimistas” – quando analisa a sustentabilidade da dívida pública, contrapõe.

De acordo com a análise desta estrutura, no Documento de Estratégia Orçamental, o Ministério das Finanças aponta “para um crescimento económico de 1,5% em 2015, de 1,8% em 2016 e 2,2% em 2017, e para um crescimento nominal médio de 3,5% entre 2012 e 2040 a que corresponde um crescimento real de 2% (assumindo que se mantém a previsão de inflação de 1,5% estimada para 2017)”. Mas, ao mesmo tempo, acrescenta, “as previsões feitas para a evolução da despesa com pensões e seus impactos no défice orçamental assumem explicitamente as projecções do Grupo de Trabalho sobre Envelhecimento da Comissão Europeia onde o crescimento económico anual previsto é sempre inferior (em 2015, 0,5%, em média entre 2010 e 2060, 1,2%)”.

Por esta razão, o Observatório sobre Crises e Alternativas defende que o Governo parte de “pressupostos de crescimento optimistas quando se trata de argumentar a sustentabilidade da dívida pública (por exemplo) e [de] pressupostos pessimistas quando se quer sugerir a insustentabilidade da Segurança Social”. A isto acrescenta que as contas do Governo se revelam também “enviesadas” porque este apresenta “a despesa em pensões no seu valor bruto, e não o seu valor já descontado da carga fiscal”.

O observatório encara as mudanças propostas pelo executivo não como um movimento isolado do Governo português, mas como resultado das políticas europeias no sentido de uma reconfiguração dos sistemas públicos de pensões. Por isso “devem ser entendidas num movimento mais alargado que precede o início do programa de ajustamento traduzido no memorando de entendimento com a troika”, defende-se no relatório.

“Não se prevendo o crescimento da despesa com pensões que seria expectável à luz da evolução demográfica, como se justifica a prioridade conferida à redução da despesa pública com os regimes de pensões?”

É neste sentido que o observatório se refere a uma “sobrevalorização da despesa em pensões” como justificação dos cortes com o objectivo de promover “intencionalmente perspectivas pessimistas sobre a capacidade do sistema público em prover uma pensão digna no futuro”. O que “promovem, na realidade, [são] os sistemas voluntários privados”, contrapõe.
 
 
 

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