O segredo da JP Sá Couto é não construir fábricas na Bolívia

Depois da Venezuela, a Bolívia. O negócio da JP Sá Couto evoluiu dos polémicos Magalhães para tecnologia na área da educação que, em seis anos, levou a empresa a 50 países e a exportações de 300 milhões de euros.

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Jorge Sá Couto, administrador da empresa, diz que se a JP Sá Couto não tivesse um modelo de negócio diferente "já não estariam vivos" Nelson Garrido
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A empresa emprega actualmente 250 pessoas e exporta quase 70% da facturação Nelson Garrido
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A JP Sá Couto desenvolveu uma sala de aula para países com carência de escolas Nelson Garrido
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Os protótipos, desenvolvidos em Portugal, vão na segunda geração e estão já em fase de comercialização Nelson Garrido

A JP Sá Couto, empresa de Matosinhos que se tornou nacionalmente conhecida com o “Magalhães” do projecto e-escolinhas do tempo de Sócrates, acaba de vencer um concurso internacional para o fornecimento de serviços a um projecto de tecnologias para a educação do Governo da Bolívia. À semelhança do que aconteceu em 2008 na Venezuela, sob o impulso do então primeiro-ministro, a empresa dá mais um salto na sua estratégia internacional que, em seis anos, a levou a 50 países e lhe garantiu um volume de negócios de 295 milhões de euros no ano passado (mais 130 milhões no mercado nacional).

Desta vez, como no negócio apadrinhado por José Sócrates e celebrado por Hugo Chávez, a JP Sá Couto não vai ser responsável pelo investimento na construção da fábrica, nem pela sua gestão, nem pela produção de computadores: o segredo do negócio da empresa é, principalmente, a prestação de serviços.

“Não há nenhuma empresa no mundo que tenha um negócio como nós temos”, exulta Jorge Sá Couto, administrador da empresa que emprega 250 trabalhadores. Para sustentar esta convicção, introduz um conceito, o da “integração de soluções”, que permite à JP Sá Couto oferecer a governos ou a redes de escolas projectos de educação baseados em soluções informáticas. Difícil? Um pouco, principalmente “porque cada país é um país diferente com necessidades diferentes”, mas no essencial o modelo é uma evolução do projecto e-escolinhas. Pressupõe a construção de computadores aptos para diferentes idades escolares (resistentes à água e a quedas, por exemplo), a criação de softwares associados aos currículos escolares de diferentes disciplinas, mas também soluções para a formação e o envolvimento dos professores.

Um pouco à semelhança do que acontece com os equipamentos informáticos mais evoluídos, o custo das máquinas, dos computadores ou tablets, que chegam às mãos das crianças, representa em média 25% do custo total dos projectos em que a JP Sá Couto se envolve. Uma equipa de 25 pessoas e o recurso a consultoria da Universidade do Minho, de Aveiro ou do CEEIA, um centro de soluções avançadas em tecnologia instalado na Maia, desenha os computadores e define as suas componentes. Depois há que importar os processadores dos Estados Unidos, os ecrãs da Coreia do Sul, os plásticos da China e proceder à sua montagem, seja na unidade de Perafita, em Portugal, na Venezuela ou, daqui a pouco tempo, em La Paz. Neste processo industrial, há componentes que são de origem portuguesa, mas “não favorecemos a produção nacional apenas por ser nacional”, diz Jorge Sá Couto.

A parte das máquinas é, por isso, a peça mais fácil e talvez menos importante na estratégia da empresa. Jorge Sá Couto “não quer ser fabricante de computadores”, até porque sabe que “se não houvesse um modelo de negócio diferente dos outros todos já não estariam vivos”. A “diferença” está, por isso, na capacidade de “integrar soluções” e de desenvolver um negócio “de grande escala”, que exija indústria, mas não dispense software com conteúdos pedagógicos, que seja barato e adaptado às necessidades de países em desenvolvimento e possa ser assumido pelos governos.

Tecnologia de bastidores
Neste leque de exigências, a capacidade de convencer os decisores políticos é crucial. A JP Sá Couto aprendeu por experiência própria no projecto e-escolinhas que não ganhava muito em “ter visibilidade”, em estar no centro das atenções. Actualmente, prefere ficar no “backoffice”. No projecto venezuelano, como no boliviano, são os governos que têm a incumbência de construir as unidades que vão montar os computadores ou tablets e o dividendo político de criar emprego e de promover uma fileira de tecnologias. O que a JP Sá Couto garante neste processo é o fornecimento de componentes e a elaboração dos softwares, através de concursos que lhe garantem exclusividade. Os conceitos pedagógicos ou os conceitos de disciplinas como a matemática são produzidos em Portugal. Mas para as outras disciplinas, a empresa recorre a serviços locais.

O que distingue os casos da Venezuela ou da Bolívia dos demais países onde está a JP Sá Couto é, por isso, o facto de nestes mercados haver unidades que fazem a montagem e a verificação final dos equipamentos, enquanto para os outros programas nacionais de educação onde a empresa é parceira esse processo é feito em Perafita. Para garantir que os compradores de serviços mantêm o seu vínculo à empresa e renegoceiam contratos, que no caso da Bolívia é de dois anos, a JP Sá Couto “tem necessidade de estar permanentemente a desenvolver novas soluções e a pensar em novos equipamentos”, diz Jorge Sá Couto.

Magalhães, a relíquia
Hoje, seis anos depois, o pequeno computador Magalhães é uma relíquia face às soluções de tablets ou de computadores dois em um (que tanto podem funcionar como portáteis como como tablets) da empresa. Muitos estão aptos para trabalhar em países onde as redes de telecomunicações estão razoavelmente avançados – a empresa pode instalar até servidores à escala nacional onde os vários estudantes podem actualizar programas ou comunicar furtos. Outros, para zonas mais remotas ou países mais pobres sem acesso à internet, têm de ter programas educativos mais completos. “Em boa parte dos casos, estes projectos são de natureza social, destinados a garantir igualdade de oportunidades no acesso às novas tecnologias”, diz Jorge Sá Couto.

O sucesso da JP Sá Couto explica-se por ter uma receita capaz de acudir a uma necessidade e a uma estratégia política que os países em desenvolvimento partilham – ninguém quer ficar para trás na familiaridade com a tecnologia. A empresa foi capaz de pegar no empurrão político de um projecto pioneiro em Portugal para o ajustar às necessidades de África ou da América do Sul. Em casos mais sofisticados, além da formação de professores, do ajustamento dos conteúdos educativos às potencialidades da tecnologia e do fornecimento de computadores para os alunos, a JP Sá Couto pode fornecer soluções mais completas que incluem, por exemplo, quadros interactivos (fabricados por uma empresa portuguesa). “Cada caso é um caso”, insiste o administrador.

Mas depois de abranger toda a tecnologia necessária, a JP Sá Couto desenvolveu uma sala de aula para países com carência de escolas. São módulos pré-construídos, que dispensam uso de cimento até na base de sustentação (são aparafusados ao solo), adaptados a climas mais quentes. Os protótipos, desenvolvidos em Portugal, vão na segunda geração e estão já em fase de comercialização – podem ver-se no exterior da sede da empresa, em Perafita, Matosinhos. Pensados para os países mais pobres, contemplam não só o espaço físico da sala mas também todo o equipamento, que pode incluir quadros-interactivos. Com este movimento, a empresa dispõe-se a fechar o círculo de soluções educativas.

Com negócios em 50 países do mundo pobre ou em desenvolvimento, a JP Sá Couto quer agora manter o ritmo de crescimento dos últimos anos e entrar no mercado europeu da tecnologia para a educação, se não ao nível dos governos, ao menos das redes de escolas privadas. Na calha podem estar também projectos para criar uma marca de equipamentos para a Europa (em Portugal a empresa tem já a Tsunami).

Tantas ambições não dispensam a possibilidade de a sociedade familiar dos irmãos Sá Couto abrir o seu capital ao mercado. “Sim, pode ser, não pomos de parte essa possibilidade”, diz o administrador. Mas teria de ser “um parceiro internacional”. Compreende-se. Ao nível nacional não há muitas empresas tecnológicas com músculo para disputar o capital de um gigante que nos últimos anos cresce no exterior sempre acima dos 20% e que, em valor, exporta quase tanto como sector do vinho do Porto.

A polémica em que a empresa se viu envolvida por causa do Magalhães conheceu recentemente um capítulo decisivo. No final de Março, a JP Sá Couro, o seu vice-presidente e mais 25 arguidos foram absolvidos dos crimes de associação criminosa e de fraude fiscal superior a cinco milhões de euros. 

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