“O próximo Governo fará todos os jeitos na esperança de ganhar as próximas eleições”

Considera Passos determinado, mas alvitra que o desempenho teria sido melhor se tivesse tido tempo para pensar. Uma solução à esquerda podia ser boa, apesar de ter custos.

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João Salgueiro Enric Vives-Rubio

O economista e ex-ministro de Estado e das Finanças João Salgueiro, de 81 anos, não se revê “na forma como as nossas elites políticas, económicas e culturais se comportam” e lamenta que os últimos anos tenham sido “uma oportunidade não inteiramente aproveitada” pois não se avançou com a reforma da Justiça, da Administração Pública e politica. Para o ex-presidente da CGD e da Associação de Bancos Portugueses, um “governo de maioria de esquerda podia ser uma boa experiência”, ainda que “arriscada” pelos seus custos. Salgueiro considera Pedro Passos Coelho “determinado, um grande comunicador, mas o seu desempenho podia ter sido melhor se tivesse tido tempo para pensar”. Já admite que se António Costa vier a ser primeiro-ministro “tentará reproduzir o que fez em Lisboa, onde estavam em causa pavimentar estradas, organizar marchas, mas não havia ideologia.” Sobre a candidatura a Belém do candidato social-democrata, alega que “se não for pela via de motivar a comunicação social”, Marcelo Rebelo de Sousa pode ser “grande Presidente”.  

PÚBLICO: Como vê a situação do país?
João Salgueiro: Vamos estar em período pré eleitoral durante meses, seja qual for a solução. O desconforto durará enquanto não houver eleições. A menos que haja uma conversão e os políticos se preocuparem com os desafios. Hoje querem conservar ou conquistar o poder e isso não é muito saudável e no nosso país pode ser muito mau.

Estes quatro anos foram uma oportunidade perdida?
Foram uma oportunidade não inteiramente aproveitada. Não foi perdida pois não tivemos muita escolha. Foi lamentável que só tivéssemos recorrido à ajuda internacional quando estávamos já num estado de emergência e não se negoceia em estado de emergência. Demorou-se tempo demais a disfarçar a ruptura que ia haver.

Este novo tempo que se anuncia esfarelou o bloco central?
Não esfarelou, baralhou

Mas volta a dar?
Não volta a dar, cada um tem uma solução viável. Uma ditadura de esquerda ou direita não é viável, portanto tem de haver acordo entre os partidos.

É isso que o Costa está a fazer à esquerda?
Ele não vai ter um Governo de coligação. Se conseguisse não me importava muito.

Não se importava que o PCP e o BE entrassem no Governo?
Não. A possível coligação à esquerda constitui um somatório de diferentes projectos que há décadas se têm antagonizado. Um governo de coligação implica clarificação de objectivos e responsabilização pelas políticas. Um simples apoio parlamentar dificilmente será estável e penaliza, em especial, o PS. Face ao número de deputados PSD/CDS, o PS dependerá da conjugação dos votos do BE e do PCP, e acabará por assumir, sozinho, os custos das políticas. Esta frente não era a melhor solução, mas se é preciso fazer a experiência acho que devemos fazer. Não vai ser um governo comunista, será um governo de coligação, uma frente popular

Com outras características, integrada na Europa…
Vamos ter um problema mau, seja quem estiver no poder. Se este Governo ficar em gestão vai tentar ser populista porque vai haver eleições. Vem o drº Costa com um governo minoritário, aprovam o orçamento e, como é minoritário, fazem o que lhe quiserem. Um Governo de maioria de esquerda consistente podia ser uma boa experiência, ainda que arriscada. Um Governo a três tem um risco menor, obrigaria a pensar nas consequências do que fizessem.

Quanto mais tempo tiver um governo de frente de esquerda melhor?
Melhor.

Serviria de vacina?
Não era uma vacina, era para os portugueses saberem se é o que querem. Pois envolve um custo. O PCP poderia ser um grande elemento de um programa de Governo.

E o BE?
O BE é um bocadinho Michel Rocard [ex-primeiro-ministro socialista da França, entre 10 de Maio de 1988 a 15 de Maio de 1991]. Tem alguma frescura, ideias, mas a realidade vai impor limites. Receio que politicamente se possa entrar em Portugal numa solução governativa que leve a disparates. Vamos entrar num período de promessas eleitorais.

Também temos o Presidente.
Pode ter um amuo e empossar este Governo. Tem uma etapa intermédia que é dizer que tenho uma proposta de coligação, a que está. Se não, o governo é nomeado, faz todos jeitos durante seis meses na esperança de ganhar eleições. Este governo ou outro. Este tem mais possibilidades de ser controlado, porque em gestão não pode ter fantasias. Mas podem-lhe impor leis na Assembleia da República.

O programa da esquerda será dominado pelo BE e PCP?
Estou a dizer mais do que isso. Em todos os partidos há tentações de ganhar votos e clientelas, de fazer favores a quem ajudou a chegar ao poder, é assim nas democracias. O PS vai ficar em situação difícil, porque vai pagar a conta das dificuldades que aparecerem, e cada ano serão maiores embora vá haver um estado de graça de seis meses. A Europa também vai deixar fazer. Mas depois vamos pagar a conta.

Votar no PSD ou no PS é igual?
Seria igual se eles percebessem, só que nenhum percebeu inteiramente.

Passos ou Costa não é dilema?
As políticas podem ser diferentes. O Governo podia ter políticas diferentes, mas não ignorar os desafios fundamentais.

A ideia que o PSD e o PS dizem coisas diferentes, mas no poder fazem o mesmo não estimula as franjas?
Dizem coisas em campanha que não deviam, fora das possibilidades e, quando o fazem já sabem que não vão cumprir. É legítimo haver quem gostasse de um mundo diferente, mas tem de perceber que não existe. A China fez um grande progresso, passou de um estado miserável para um em que pode ser a primeira potência mundial, e não tiveram um mundo diferente do nosso, tal como a Irlanda ou a Dinamarca.

Revê-se neste PSD mais liberal?
Não me revejo na maneira como as nossas elites, não só política, mas económica, cultural, se comportam. A visão que têm do mundo não é a possível hoje em dia. Vivemos como se não tivesse havido a crise de 1989 e os países que não perceberam colapsaram. A URSS é o colapso maior, radical, alterou o mundo. O contraste entre a China e a URSS é espectacular. Em 1989 tiveram crise: em Novembro a queda do muro e, antes, no Verão, Tiananmen [revolta na praça de Pequim]. O comportamento dos dirigentes foi diferente. Na China resolveram o problema mal, em termos dos critérios ocidentais, mandaram avançar os blindados e viraram a página. A URSS ficou a decompor-se. Aquando somos dirigentes temos de compreender o mundo em que estamos.

O que é que as elites nacionais não percebem?
Não percebem que o mundo é automaticamente globalizado, porque as tecnologias o permitem. Temos a comunicação social em tempo real, estamos a ver os acontecimentos nos ecrãs da televisão e ouvimos as notícias hora a hora. Temos transportes das mercadorias mais baratas, fizemos a primeira globalização para os produtos de luxo – as especiarias, o ouro, a seda. Também é o mundo em mudança mais acelerada, nunca houve tantos investigadores e meios poderosos de investigação. A capacidade de inovação é gigantesca. E as instituições são hoje praticamente as mesmas em todo o mundo, todos alinharam na economia de mercado. A consequência é que estamos em competição.

Podíamos ter escolhido uma alternativa?
Claro que não, mas continuamos a pensar que sim. Temos o direito de achar que a União Europeia (UE) devia ser diferente, mas jogamos nisso e pagamos o preço?

O pensamento dominante na UE é liberal…
Não é o pensamento que é liberal, mas a realidade. É uma realidade de mercado no mundo.

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Enric Vives-Rubio

Não há espaço para alternativa?
Há dentro disso. Quando o PS chegou ao poder em França disseram que a Europa ia mudar, não mudou. Que o SPD ao entrar no Governo alemão ia contribuir para mudar, não mudou. Que a Grécia, finalmente… têm mais austeridade agora que antes. Há um erro: pensam que o interlocutor é a UE que está a impor a austeridade, mas são os mercados.

O predomínio do mercado implica a vigência do pensamento neoliberal?
Não, implica que quem pede dinheiro tem de o pagar. Era preciso reestruturar a dívida, nós reestruturámos, os prazos são o dobro e a taxa de juro menos 40%. Se houver renegociação da dívida não é por nossa causa, é pela Espanha. Os Estados Unidos não estão preocupados com Portugal mas com a Espanha. Passaram tudo que era estratégico para a Espanha, a base naval, a base aérea, a força de intervenção rápida para África.

Qual é o debate constitucional na Europa?
A Europa ainda não tem uma Constituição, tem vindo a constituir-se. Cada tratado altera. A Europa está a ser gerida como fosse possível parar a História. Não deve haver uma Constituição programática, mas com as regras do jogo político e os direitos fundamentais, para que cada geração possa escolher o futuro. Proibimos às gerações novas essa possibilidade. Cada país que entra na UE, cria mais um ministério em Bruxelas, tem de se arranjar mais um comissário que precisa de directores-gerais que necessitam ter matéria. É por isso que vamos fazer a integração da cultura, do cinema. Para quê?

Surpreendeu-o a presidência de Cavaco Silva?
Não, nem me surpreendeu o desempenho do Governo, todos os sintomas indicavam que ia ser assim. Vitor Gaspar foi convincente nas políticas macroeconómicas para o equilíbrio das contas públicas, mas o desemprego ficou à margem. Disse-lho no final de um almoço público e ele respondeu que tinha muito pouca simpatia por políticas específicas de emprego, o desemprego desaparece quando os equilíbrios fundamentais são assegurados.

É o mercado…
É o mercado. A política do que foi acordado com os credores tem de ser cumprida, mas temos de ver se inspiramos confiança para, através dos mercados, reduzir o ónus. Aceitámos na altura condições péssimas, agora se os mercados acreditarem em nós talvez consigamos, com ajuda da Alemanha e da França, prazos mais longos e juros mais baixos. Mas há três coisas a fazer. Uma é pôr o país a discutir o seu estado, os portugueses têm o direito de saber e, também, dos caminhos que existem, e escolham: sair do euro, despedir funcionários públicos, reduzir salários…

Não era suposto tê-lo feito na campanha de 2011?
Fizeram. Disseram que iam cumprir o programa da troika, mas só se falava dos equilíbrios fundamentais. Passos Coelho tinha convidado Vítor Bento para as Finanças que não aceitou e Passos ficou descompensado pois precisava de um economista conhecido em Portugal. Quando aparece António Borges a dizer que tinha um rapaz bom, Vítor Gaspar já era conhecido por si próprio, Passos agarrou-se à solução com o apoio dos organismos internacionais. A segunda coisa era ter dito que era previsível haver agravamento do desemprego, o que não foi dito.

Mas Passos Coelho e Vítor Gaspar…
Por outra ordem…

… não têm essa visão.
Os modelos simplificam a realidade e os pressupostos dos Estados Unidos não se verificam em países europeus e em Portugal. Um é a perfeita mobilidade dos factores: o capital é móvel mas a mão-de-obra não é. Nos Estados Unidos, as pessoas perdem o emprego, mudam de cidade, de Estado, de trabalho. Em Portugal deviam ter arranjado programas para as pessoas trabalharem em vez de receber subsídios.

Foi o que Costa propôs com as obras em Lisboa.
Ajuda a minorar, dá uma oportunidade. E a terceira coisa que deviam ter feito era a reforma da administração pública a sério. Mas não estou a ver que num período de eleições crónicas como este se faça alguma coisa.

Os programas dos grandes partidos não correspondem às aspirações colectivas?
Sim, mas não são consistente, são genéricos. O drº António Costa fez dois esforços bem-intencionados que lhe deram credibilidade: o programa dos 12 economistas, e a tentativa de um governo maioritário à esquerda também me parece louvável, se for possível. O segundo devia ter sido feito antes das eleições, ao perceber que não ia ter maioria. Se esse projecto for derrotado, deve ser apresentado outra vez, com tempo, embora tenha dúvidas que o PCP adira, mas se aderisse era bom.

Era bom porquê?
O PCP tem grandes qualidades e aspectos negativos. Se conjugasse as grandes qualidades com um projecto positivo para o país seria óptimo. O que tem de bom é ser um partido muito estruturado, era o único com legitimidade no 25 de Abril, conseguiu mobilizar a sua gente motivando-a, têm fé no projecto, embora não seja viável. Têm uma capacidade de liderança e táctica eficazes.

O PCP é o único com projecto?
Tem projecto mas não é consistente em relação à realidade mundial. Porque continuam na luta de classes quando o problema é o atraso? Precisamos de quem defenda um projecto de desenvolvimento eficaz e mobilize as pessoas, eles talvez fossem capazes de contribuir para isso.

Defende uma cidadania activa e falou de um clima de pré-corrupção em Portugal. Como estamos hoje?
Falei na pré porque, na altura, já havia alguma corrupção, e era fácil justificar, mas dizer que fulano era corrupto não era a minha função. Era uma calúnia porque não a podia provar. Ao falar de pré-corrupção dizia que tínhamos coexistido com situações que não só não dificultam como até podem encorajar a corrupção.

E hoje?
Pode-se ter generalizado, porque há mais partidos a concorrerem.

Associa corrupção a partidos?
Associo ao que se pode fazer entre poder político e económico. Não que seja automático, mas pode-se fazer, especialmente se não houver mercados de concorrência. Quando as empresas têm de concorrer sobrevivem pelo sucesso.

Defende reguladores fortes?
Sim para assegurar um mínimo de concorrência. Nos sectores expostos à concorrência internacional é difícil [a corrupção] porque não ganham nada em pedir favores. Nas obras públicas é mais fácil.

Como se desincentiva a corrupção no aparelho de Estado?
E nas empresas, nas empresas grandes. Ou os conselhos de administração têm padrões morais elevados – e há muitas que os têm – ou se não tiverem caem na tentação.

Como vê o caso BES/GES?
Vai ficar nos manuais…

O BPN também ia ….
O drº Ricardo Salgado foi muito eficiente a gerir o poder. Mas não assumiu a presidência do BES, apoiou o comandante  Ricciardi a presidente quando era mais novo. Salgado foi um bom executivo e teve sucesso. À medida que foi conquistando poder tornou-se a pessoa que decidia.

No grupo não havia quem tivesse aquele perfil…
Sim, a família não ajudou. E o dr. Salgado teve algum desmazelo. E as autoridades também mostraram algum desmazelo.

Está a referir-se ao Banco de Portugal (BdP)?
Pois... foi desmazelo ou ignorância.

É uma crítica a Carlos Costa?
Não sei quando é que as irregularidades começaram, pois não tenho elementos.

Reconhece que no BES houve falhas de supervisão?
Objectivamente houve, pois houve irregularidades que não foram detectadas. Vou dar um exemplo menos controverso, mas mais claro, o BPN. Queremos saber onde começou e onde acaba e perguntamos como foi possível o BdP não descobrir um caso tão flagrante? O BdP não descobriu pois havia um Conselho de Administração que assinava, um conselho fiscal que assinava, auditores internos e externos que assinavam.

No BPN houve auditores que recusaram certificar as contas …
O BPN arranjou sempre alguém para assinar. Enquanto presidente da Associação Portuguesa de Bancos, fui ao BdP. Clientes do BPN diziam-me as taxas de juro que eles pagavam. Como sabia a taxa de juro a que os outros bancos pediam emprestado,abaixo da que o BPN pagava, fui ao BdP durante vários anos chamar a atenção de Vitor Constâncio [actual vice-presidente do BCE], que me disse que ia mandar alguém ao BPN. E mandou. Pouco depois, disse que estava consciente do problema e ordenou nova auditoria. Mas só se descobriu a fraude quando se detectou que em vez de um banco, havia três. Desnatavam tudo o que era mau para um computador, o que era assim-assim para o banco em Cabo Verde e o que era bom ficava no BPN.

Durante anos, o BPN apareceu em escândalos de financiamento e outros [envolvendo Dias Loureiro e o contrabandista de armas Al Assir]. No BES, Salgado corrigiu por três vezes a declaração fiscal [soube-se em 2012], recebeu de clientes [soube-se em 2013], foi contestado por accionistas e por um gestor da sua equipa…E o BdP nada descobriu?
Tudo foi público, mas não envolve só o supervisor, envolve também os auditores em vários períodos.  Quando se facilita, uma pequena coisa pode tornar-se um elefante.

Defende mais poderes de investigação para a supervisão bancária?
A burocracia da regulação bancária já é inaceitável. O problema  não está em mais ou menos regras, mas em ser eficaz na aplicação. Se há falta de instrumentos, seria melhor reformularem-nos.  

Aceita a tese de que quando se quer infringir não há nada a fazer?
Há sempre um risco. Deve-se reduzir o risco.

Os mercados por si só não se auto-regulam?
Nem as economias de mercado, nem as de planeamento. A natureza humana tem essas tentações.

Porque é que as “tentações” incidem sempre na banca?
Não é verdade. Tornou-se mais aparente na banca. Mas na construção civil também há…

Ainda defende a titularidade pública da Caixa Geral de Depósitos (CGD)?
Se servir para alguma coisa, sim. Se inspirar confiança aos clientes e for rigorosa na concessão de crédito. Quando o engº Guterres me convidou para a CGD recusei pois não tinha gostado dos meus últimos meses no Banco de Fomento e não queria ficar à mercê dos governos. E quando o dr Sousa Franco [então ministro das Finanças] insistiu expliquei que não podia ficar à mercê das instruções de ministros para dar um crédito de favor. Sousa Franco telefonou-me a pedir para indicar, por escrito, as orientações a ser dadas à administração da CGD. Era um mandato. Escrevi e enviei. Semanas depois, ligou-me: “Leu o Diário da República? Estão lá as suas orientações, agora pode tomar posse. Tomei. E serviram-me pelo menos em duas ocasiões: no crédito do Douro e à UGT.

Hoje, a CGD serve para alguma coisa?
Serve. Mas a Caixa foi instrumento do assalto ao BCP…

Faltou idoneidade aos gestores?  
Faltou idoneidade a quem organizou o assalto. Admite-se que o maior banco português organize o assalto ao maior banco privado? Ficaram ambos em má situação.

Está a referir-se ao governo de Sócrates [Armando Vara era vice-presidente da CGD e Carlos Santos Ferreira o presidente]?
Claro. Foi o tempo do Magalhães [computadores], do ataque ao grupo Impresa.

Defendeu os centros de decisão nacional. Com tudo privatizado temos centros de decisão?
O assalto ao BCP tem a ver com isso. As pessoas endividaram-se para o assalto, descapitalizaram-se e a Cimpor desapareceu. Quando não se antecipam as consequências de um disparate, surgem vários a seguir. Que foi o caso do assalto ao BCP.

Disparate ou corrupção?
O assalto pode ter sido corrupção, já as pessoas terem investido para comprar acções do BCP por pensarem que iam ganhar dinheiro é outra coisa. Hipotecaram as acções da Cimpor que venderam [para pagar as dívidas ao banco]. Foi um engano, um disparate, mas não é corrupção. 

Quais as perspectivas para a banca com um governo da esquerda?
Não vai mexer em nada. Vai nomear administradores na CGD quando terminarem os mandatos. Talvez nacionalize um banco se este entrar em dificuldades. Mas vai ficar mais caro.

Se nacionalizar o Novo Banco, os bancos vão ficar satisfeitos [pois não injectam mais dinheiro].
Os contribuintes é que não. Seria o modelo mais fácil, mas não será uma prioridade. O que vai acontecer é mais despesa, reduzir os impostos, aumentar os salários. Isto, nos tempos mais próximos.

Conheceu bem Passos Coelho que o apoiou no congresso da Figueira da Foz, onde foi “batido” por Cavaco Silva. Como avalia a sua prestação na legislatura?
Confirmou algumas das qualidades que lhe conhecia. É um homem muito determinado que assumia e enfrentava as dificuldades e era um grande comunicador, exprimia-se bem. Fez prova, em termos de carácter, quando o drº Paulo Portas pediu a demissão [2013] e ele pura e simplesmente não aceitou. Mas podia ter tido um melhor desempenho se tivesse tido tempo para pensar. Ao mesmo tempo que não podia ignorar os compromissos com os credores internacionais, podia ter lançado outras iniciativas: na Justiça, a reforma do Estado. E devia ter-se empenhado num acordo com o PS para a reforma do sistema político, pois tinha um mandato para reduzir os deputados.

Passos provocou uma erosão com o PS que está a dificultar um entendimento ao centro?
Ele não acreditava muito num acordo. Mas não gosto de falar de matérias que desconheço e nunca tive nenhum contacto com o drº Passos Coelho, a não ser em certas ocasiões. Percebi que é muito focado naquilo em que está metido. É um mérito, mas tem esse custo, pois passam-lhe muitas coisas ao lado a que se calhar não dá importância suficiente. Mas revelou capacidade de resistir ao não ter boas relações durante anos com o antigo presidente do PSD.

E actual Presidente da República?
Sim. O drº Passos Coelho tinha seis ou sete deputados da JSD em rotas divergentes com os do prof Cavaco Silva [líder do PSD]. As relações com o drº Cavaco não são fáceis, e com ele também não. O perfil do drº Passos de não querer muito ouvir as outras pessoas…

Com essa determinação Passos conseguiu o quê?
Muita coisa: reduzir o custo da dívida, que voltássemos aos mercados [antes da ajuda do BCE]. Hoje temos reservas cambiais. É esta situação que vai ajudar o próximo governo a ter facilidades.

O facto de Passos nunca o ter chamado, foi o desejo de “matar o pai” político?
De não querer ouvir pessoas com ideias diferentes, excepto aquelas de quem ele precisava.

Isso é de um líder?
É. Mas é um tipo de liderança diferente. Há lideranças muito abrangentes, que também têm inconvenientes.

Como a do António Costa?
Esse tem, mas tem uma “manha” que compensa.

De que tipo será a liderança de Costa se for primeiro-ministro? Qual é essa “manha”?
Vai tentar reproduzir o que fez na câmara com sucesso. Em Lisboa o que estava em causa era pavimentar as estradas, organizar as marchas de Santo António. Não havia ideologia. E a CML teve uma grande ajuda do Governo com o dinheiro que recebeu do aeroporto. Uma ajuda que coincidiu com o interesse dos dois: CML-Governo. Gostaria de ver à frente do Governo um bom líder, um bom treinador a dizer como é que o país se desenvolve.

Fica-se com a ideia de que prefere uma liderança diferente à de Passos Coelho?
Não é verdade. Teria preferido que, para além das áreas em que liderou, que liderasse noutras essenciais: ter politica para amenizar o desemprego; pôr o país a discutir a sua situação para escolher um caminho, mobilizando mais gente; ter feito a reforma da Administração Pública.

Como vê a candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa às presidenciais?  
A campanha ainda não começou e não sou muito alinhado… Mas ele é super inteligente, dorme poucas horas o que lhe dá muito tempo. Tem grande capacidade de comunicação como mostrou na televisão. É um grande entertainer, e de nível internacional. Teria alguma preocupação baseada no seu passado, mas dizem-me agora que na Faculdade de Direito [onde Marcelo é professor] tem sido impecável, não houve fuga de informação. Se tomar a sério a Presidência, pode ser um grande Presidente. Se for pela via de motivar a comunicação social, o que ele sabe fazer bem, não será um grande presidente, mas pode ser bom.

Como avalia os últimos tempos de Cavaco Silva?
Está muito desgastado, porque é parte. Se não fosse, terminava o mandato pacificamente.

Começou a ser parte quando?
O projecto do BE não é o projecto que o dr Cavaco apadrinharia. Nenhum economista, como é o seu caso, que conheça como os mercados funcionam, gostaria de ter, nesta altura, um governo como o que está a ser desenhado [PS, BE e PCP].

Cavaco foi longe de mais ao eliminar do arco da governação o PCP e o BE?
Foi no tom, suficientemente cru na maneira como expôs, para não passar despercebido, mas não os eliminou. Se lá aparecerem a dizer que mudaram de ponto de vista, e que a maioria que vão formar com o PS é consistente, e que não é um apoio simples ao governo, não tem forma de não os nomear.

Esteve na origem da SEDES no marcelismo, que falhou. Há uma continuidade de falhanços nas elites em Portugal?
Tivemos um período de grande desenvolvimento e outro de quase desenvolvimento, um antes do 25 de Abril de 1974 e outro depois, mas não tivemos uma fase de desenvolvimento tão rápida como entre 1960 e 1973. Com a adesão à EFTA, com o turismo, houve vários factores, e crescíamos a sete ou 7,5% ao ano.

Mas era assimétrico, crescimento económico com défice político e social.
Com imobilismo político. Naqueles 13 anos, a frequência universitária duplicou, e embora partíssemos de índices miseráveis duplicámos o consumo de leite, de carne, triplicou o número de automóveis, a agricultura mecanizou-se. Também porque em boa parte a população emigrou. Foi possível fazer isto com uma guerra colonial em três frentes, distante, 150 mil pessoas mobilizadas anualmente, e foi possível fazer infra-estruturas de que ainda estamos a viver: Sines, o Alqueva, a Brisa e o aeroporto de Lisboa. Havia uma lógica de planeamento, e numa economia de mercado pode ter-se lógica de planeamento, mas não se tem. Isso é culpa nossa.

É crente, acha que nas nossas sociedades há espaço para as religiões?
Há. É a visão do mundo ocidental que a não reconhece. O Giscard d´Estaing fez aquele disparate da Constituição europeia, pondo como inspirador da União Europeia a Revolução Francesa mas não o cristianismo que é mais fundamental, porque é a separação do Estado da religião, a igualdade dos homens e das mulheres – o que os muçulmanos não aceitam, é tratar melhor os que têm dificuldades e que a vida tem um sentido. Há uma renovação religiosa na Europa, mas é mais difícil que nos países subdesenvolvidos, onde o cristianismo se está a desenvolver é na África, na Coreia, na China, na adversidade. A dimensão do ser humano é maior do que o consumo. A religião corresponde a uma necessidade das coisas terem um sentido e é um suporte dos comportamentos morais. Se não houver alguma coisa de transcendente que leve as pessoas a procederem contra os seus interesses imediatos, a tentação é muito grande. 

É isso que falta em Portugal?
Quando em Portugal toda a discussão se faz à volta da austeridade é uma coisa de menoridade intelectual, porque não passamos sem rigor nas contas mas precisamos de ter um projecto para nos realizarmos melhor como país e como pessoas. Temos bons exemplos como o Banco Alimentar e as Misericórdias, há câmaras bem geridas, por exemplo grande parte das câmaras geridas pelo PCP são bem geridas.

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