Uma questão de direitos

De alguns anos a esta parte, o provedor de Justiça tem recebido várias queixas relativas ao dever de apresentação periódica quinzenal das pessoas em situação de desemprego.

A Constituição e a lei determinam que a atividade do provedor de Justiça se estenda por um vasto espetro de direitos fundamentais que são reconhecidos aos cidadãos. Direitos fundamentais que tocam as diversas dimensões do ser humano e que, na concretude da vida, encontram o palco da sua realização ou, como por vezes acontece, do seu desrespeito.

Os direitos económicos, sociais e culturais estão intimamente ligados à construção de elementos que estruturam a nossa vida comunitária. Dito de um outro jeito: para que uma comunidade seja verdadeiramente democrática, humanista e plural exige-se que ela reconheça, em cada um dos seus cidadãos, um leque de direitos com uma relação particularmente forte e intensa com as condições materiais mínimas a uma vida condigna. Entre eles encontramos o direito ao trabalho e a correlativa obrigação do Estado de proporcionar os meios para que aquele direito se concretize. Esta obrigação não se esgota nas situações de efetivo emprego, antes se espraia – e bem – no apoio a todos aqueles que, em um certo momento das suas vidas, perderam o emprego.

De alguns anos a esta parte, o provedor de Justiça tem recebido várias queixas relativas ao dever de apresentação periódica quinzenal das pessoas em situação de desemprego. Este é um dever que, em caso de incumprimento, tem por consequência o cancelamento da inscrição no Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P. e, caso se trate de um desempregado subsidiado, da perda da correspondente prestação social.

Foi intenção do legislador, ao instituir o dever de apresentação periódica quinzenal tal como está presentemente previsto, promover um maior envolvimento da pessoa em situação de desemprego na sua inserção no mercado de trabalho. Não obstante, a efetivação dos mecanismos de controlo da procura ativa de emprego por meio de apresentação quinzenal – apresentação que, às vezes, é feita junto de entidades externas não especificamente vocacionadas para o tratamento das questões relativas ao processo de desemprego – não se revelou adequada às finalidades gizadas, podendo, para além disso, potenciar riscos acrescidos de estigmatização.

Se é certo não se discutir a necessidade de mecanismos legais que garantam a verificação da procura ativa de emprego por parte do cidadão, é do mesmo modo claro que os referidos mecanismos não devem, não podem, em circunstância alguma, beliscar qualquer franja da dignidade da pessoa humana.

Foi esta a compreensão das coisas que tem norteado a atuação do provedor de Justiça – atuação essa que se desenvolveu de modo instante e profundo desde 2013 – e que se encontra expressa nas diversas tomadas de posição que foram dirigidas às entidades públicas responsáveis, sugerindo a alteração ou a eliminação do dever de apresentação quinzenal. 

Não compete ao provedor de Justiça fazer valorações sobre as opções legislativas. No entanto, quando as opções vão no sentido da defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, é óbvio que isso significa um reforço do conteúdo material de todo o sistema democrático.

Provedor de Justiça

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