O preço pago pelos ratings que criaram a crise

A Standard & Poor’s deixa para trás os seus problemas legais, pagando 1,5 mil milhões de dólares aos governos central e estaduais dos EUA.

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Agência de rating Standard & Poor´s desempenhou papel decisivo na crise do subprime Foto: Brendan McDermid/Reuters

O acordo alcançado na terça-feira entre a Standards & Poor’s e o Departamento de Justiça, mais de uma dúzia de Estados e o maior fundo de pensões dos Estados Unidos, no valor de 1,5 mil milhões de dólares, vai permitir à maior agência de rating a nível mundial ultrapassar uma dolorosa batalha legal, mas pagando um preço muito elevado.

A Standard & Poor’s, pertencente ao grupo McGraw Hill Financial Inc., irá despender mais do que o equivalente aos lucros de um ano para fechar os processos em que a empresa era acusada de ter inflacionado a notação das obrigações de hipotecas subprime que estiveram no centro da crise financeira de 2008. A Standard & Poor’s aceitou o acordo sem admitir qualquer culpa ou intenção dolosa. O encerramento desta dispendiosa batalha legal vai ajudar a companhia a diminuir a diferença de lucros que apresenta atualmente face à sua maior rival, a Moody’s Corp.

Os 1,375 mil milhões de dólares do acordo, que vão ser divididos em partes iguais pelo Departamento de Justiça e por 19 Estados e o distrito de Columbia (a capital, Washington D. C.), põem o ponto final numa quezilenta luta de dois anos em tribunais, ao longo da qual a Standard & Poor’s acusou o Departamento de Justiça de estar a atacar injustamente a empresa após a decisão tomada por esta em 2011 e na qual baixava o rating da dívida soberana dos Estados Unidos de AAA para AA+.

A Standard & Poor’s recuou nessa afirmação no acordo comunicado na terça-feira, reconhecendo que não encontrou até agora qualquer prova de que o governo dos Estados Unidos tenha agido em retaliação, isto de acordo com um relatório apresentado pelo Departamento de Justiça. A Standard & Poor’s foi a única agência de rating processada pela entidade estatal, apesar de as suas concorrentes também terem atribuído ratings elevados a títulos similares também baseados em subprime.

A Standard & Poor’s assinou um acordo paralelo, no valor de 125 milhões de dólares, com a Caixa de Pensões de Funcionários Públicos da Califórnia (Calpers), para resolver reclamações relativas a três veículos de investimento estruturado.  

 “Os gestores de topo da companhia ignoraram analistas especializados e com vasta experiência que avisaram que a empresa tinha atribuído os ratings mais elevados a produtos financeiros que não estavam a conseguir as performances esperadas”, afirma o procurador-geral Eric Holder numa declaração oficial. “E se bem que esta estratégia possa ter ajudado a Standard & Poor’s a evitar que os seus clientes sofressem algum desapontamento, causou um grande prejuízo à economia em geral, contribuindo para a pior crise financeira desde a Grande Depressão.”

A Standard & Poor’s admitiu no seu comunicado que as suas decisões de atribuição de rating foram influenciadas por preocupações relativas aos seus próprios negócios, um facto que negara há dois anos, quando o processo foi instaurado. Para conseguir obter mais negócios, a Standard & Poor’s concedeu notas elevadas a obrigações suportadas por hipotecas de subprime arriscadas que os investidores pensaram que eram tão seguras como a dívida soberana do governo dos Estados Unidos. Quando os preços do sector imobiliário caíram, as obrigações deixaram de pagar, contribuindo para o congelamento dos mercados de crédito e desencadeando a pior recessão desde a década de 1930.

“As agências de notação de crédito apresentaram-se como se estivessem completamente inocentes e de mãos limpas”, declarou o procurador-geral do Estado do Mississippi, Jim Hood, numa conferência de imprensa dada em Washington. “Dos bancos espera-se que façam coisas duvidosas, mas as agências de notação de crédito deviam ser aquelas em que confiávamos para nos orientarmos.”  

A companhia e as entidades reguladoras “acordaram nesta matéria para evitar mais atrasos, incertezas, inconvenientes e despesas de mais litígios”, disse Catherine Mathis, porta-voz da Standard & Poor’s. Os acordos alcançados já se irão refletir nos resultados financeiros finais relativos ao ano de 2014 e nos resultados do quarto trimestre, que serão divulgados a 12 de Fevereiro, avançou a empresa.

O acordo deverá ser um golpe financeiro mais significativo para a McGraw Hill do que os acordos alcançados no ano passado com os bancos que admitiram que enganaram investidores no que toca à qualidade de títulos provenientes de empréstimos subprime. O pagamento em dinheiro da Standard & Poor’s equivale a cerca de um ano e meio de lucros da McGraw Hill.

Em comparação, a maior parte dos 16,7 mil milhões de dólares recebidos pelo Departamento de Justiça relativamente ao acordo com o Bank of America Corp. representou uma garantia de que o banco iria anular ou perdoar dívidas de clientes com hipotecas; o pagamento em dinheiro do banco situou-se nos 9,7 mil milhões de dólares, o equivalente a cerca de 85% dos seus lucros anuais. Ainda em 2014, o acordo entre o Citigroup. Inc. e o Departamento de Justiça obrigava ao pagamento de 3,8 mil milhões de dólares em dinheiro – aproximadamente o equivalente aos seus lucros no segundo trimestre desse ano.

Os resultados líquidos da McGraw Hill no ano passaram alcançaram cerca de 964 mil milhões de dólares, de acordo com seis estimativas de analistas avaliadas pela Bloomberg. 

Nos finais de 2012, o Departamento de Justiça encetou negociações com vista a um acordo com a Standard & Poor’s relativamente às notas dadas pela empresa aos títulos baseados em hipotecas subprime. As conversações foram interrompidas quando a Standard & Poor’s recusou admitir culpa intencional, isto de acordo com uma fonte ligada a estas negociações.

Em Fevereiro de 2013 o Governo processou a Standard & Poor’s, alegando que esta assegurara rating de investimento a esses títulos numa tentativa de obter negócios e acusou-a de mentir quando afirmava que as suas notações estavam isentas de conflitos de interesses.

Nas audições em tribunal, Harold W. McGraw III, presidente da McGraw Hill, afirmou que Timothy Geithner, que nessa altura era secretário de Estado do Tesouro, lhe tinha telefonado alguns dias após a Standard & Poor’s ter baixado a notação da dívida soberana dos Estados Unidos em Agosto de 2011 e que lhe disse que a empresa iria ser responsabilizada por esta sua decisão.

Geithner disse a McGraw que iria haver uma “resposta” à baixa do rating, afirmou McGraw nas audições. McGraw, que era também director-executivo quando o processo foi instaurado, declarou em Fevereiro de 2013 que a sua companhia iria lutar “ferozmente” contra as “infundadas” alegações. Já o Departamento de Justiça avançou que as suas investigações eram anteriores a quaisquer alegados comentários que Geithner tenha feito a McGraw.

Os advogados da Standard & Poor’s solicitaram ao governo que lhes entregasse documentos relacionados com a decisão de processar a companhia. Em Abril de 2014, David Carter, juiz federal de Los Angeles, decidiu que a companhia deveria ser autorizada a consultar os documentos. Uns meses mais tarde, advogados do Governo contactaram os seus homólogos da Standard & Poor’s para tentar chegar a um acordo, segundo conta uma pessoa que esteve por dentro do processo.

Entretanto, a estratégia legal da McGraw Hill tinha começado a alterar-se. Em Julho de 2014, o novo director-executivo, Douglas Peterson, contratou Lucy Fato para principal advogada da firma e decidiu terminar com aquelas alegações. 

O acordo também reflecte concessões por parte do governo, que inicialmente pedia 5 mil milhões de dólares em multas à Standard & Poor’s por perdas de instituições financeiras apoiadas pelo governo central que se baseavam nas notações de investimento da empresa para títulos apoiados em hipotecas e obrigações de dívida colateral.

Na sua tentativa de deixar para trás as suas complicações legais, a Standard & Poor’s chegou a acordo, a 21 de Janeiro, num processo desencadeado pela Comissão de Títulos e Câmbios. A companhia concordou em pagar quase 80 milhões de dólares a autoridades estatais e federais respeitantes a acusações de ter enganado investidores em 2011 no tocante a títulos apoiados em hipotecas no ramo comercial. A Standard & Poor’s aceitou um ano de suspensão em parte desse mercado.

A McGraw Hill, que foi fundada em 1888, transformou-se num fornecedor de serviços financeiros após vender a sua divisão de edições e publicações à Apollo Global Management LLC em Março de 2013 por 2,4 mil milhões de dólares. A Standard & Poor’s é actualmente responsável por cerca de metade das receitas da McGraw Hill. Outros negócios incluem a Standard & Poor’s Dow Jones Indices, que licencia referências e comparações de serviços, e o fornecedor de dados financeiros S&P Capital IQ.

Num processo separado, o Departamento de Justiça está a tentar avançar com uma investigação que já dura há mais de cinco anos para tentar provar que a Secção de Investidores da Moody’s Investors Services inflacionou as notações durante o “boom” imobiliário dos Estados Unidos, confirmaram à Bloomberg três fontes bem informadas sobre este assunto.

O Governo dos Estados Unidos continua a manter reuniões com antigos executivos da Moody’s, para tentar perceber se os responsáveis pela atribuição das notações de crédito adulteraram os critérios relativos à apreciação de produtos financeiros para desse modo conseguirem obter negócios de bancos de Wall Street, de acordo com duas fontes por dentro do processo. Não é ainda claro se a investigação irá resultar num processo em tribunal, e qualquer acção contra a companhia não deverá estar iminente, disse uma destas fontes. As três fontes pediram para não ser identificadas, dado que a investigação ainda está em curso.

Anthony Mirenda, porta-voz da Moody’s, não aceitou comentar a investigação que está a decorrer. Patrick Rodenbush, porta-voz do Departamento de Justiça, também não fez qualquer comentário.

O procurador-geral-adjunto interino Stuart  Delery recusou, em conferência de imprensa, comentar possíveis investigações a outras firmas de rating. Afirmou apenas que as investigações do seu departamento relativas à crise financeira continuam e mantêm-se como uma prioridade.  

Com Keri Geiger em Nova Iorque e Tom Schoenberg em Washington.
(c) 2015, Bloomberg News

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