O poder do BCE a influenciar as políticas dos governos da zona euro

Cinco casos que mostram a força do banco central.

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Jean-Claude Trichet, ex-presidente do BCE John Thys/ AFP

Nos estatutos do BCE, não há grandes dúvidas: o seu objectivo primordial é “a manutenção da estabilidade dos preços” na zona euro. No entanto, desde a sua criação, e especialmente a partir do momento em que eclodiu a crise da dívida soberana na zona euro, o banco central tem vindo a mostrar que não hesita em influenciar as políticas e decisões dos governos. Cinco episódios mostram a forma como o BCE tem vindo a exercer o seu poder nas capitais europeias, com acções que, em alguns casos, acabaram por resultar com pedidos de resgate à troika.

Irlanda, Novembro de 2010 – O sistema bancário irlandês estava colocado sob forte pressão e apenas conseguia garantir a sobrevivência através da Assistência de Liquidez de Emergência – ELA concedida pelo Banco da Irlanda. Mas a 19 de Novembro de 2010, uma carta enviada pelo então presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, ao ministro das Finanças irlandês Brian Lenihan (e que foi tornada pública apenas quatro anos mais tarde) deixou o governo irlandês sem espaço de manobra para prolongar a situação. O responsável máximo do BCE deixava claro que se o Governo não solicitasse um resgate da troika, a ELA deixaria de ser disponibilizada. Trichet dizia ainda que a Irlanda deveria comprometer-se com cortes orçamentais e com uma reestruturação do sistema financeiro. Dois dias depois, Dublin fez o pedido de resgate à troika.

Itália, Agosto de 2011 - As taxas de juro da dívida dos países do Sul da Europa estavam a a subir nos mercados e o BCE tinha vindo a ajudar, comprando dívida de vários Estados, incluindo a Itália. Mas, no Verão de 2011, o BCE considerou que a situação se estava a tornar insustentável. Jean-Claude Trichet, com o apoio do então governador do Banco de Itália, Mario Draghi, enviou uma carta ao primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi (que seria logo conhecida poucas semanas depois) em que pedia medidas de consolidação orçamental e reformas estruturais para poder continuar a comprar as obrigações italianas. Berlusconi começou por aceitar, mas depois falhou na passagem à prática das promessas. O BCE deixou as taxas de juro voltarem a subir e o primeiro-ministro italiano não resistiu à pressão e demitiu-se.

Espanha, Agosto de 2011 - A Espanha estava numa situação em tudo semelhante à Itália, com as suas taxas de juro a níveis recorde e o BCE a fazer compras de títulos no mercado. A carta de Jean-Claude Trichet dirigiu-se desta vez ao presidente do Governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero. Os pedidos eram semelhantes: reformas estruturais, principalmente no mercado de trabalho, e reestruturação do sistema financeiro. A Espanha resistiu, mas em Maio, já com o PP no poder, a queda do Bankia criou uma situação de emergência no sistema financeiro. O Governo espanhol tentou recapitalizar o banco com títulos de dívida pública, mas o banco central vetou a solução e a Espanha acabou por assinar um programa de reestruturação do sistema financeiro com a troika.

Portugal, Abril de 2011 - Sem capacidade para colocar dívida pública nos mercados, o Governo socialista tinha solicitado o resgate à troika e, no dia seguinte, o presidente da Associação Portuguesa de Bancos, António de Sousa, afirmou em entrevista à Reuters que os bancos nacionais tinham recebido “instruções claras” do BCE para diminuírem a sua exposição ao Estado. Alguns dias depois, após um desmentido do BCE, António de Sousa esclareceu que “não existiram quaisquer orientações do Banco de Portugal nem, obviamente, do BCE no sentido de a banca portuguesa não continuar a adquirir dívida pública Nacional”. “O que existiu foi uma orientação clara no sentido de desalavancagem da banca e de diminuição da sua grande exposição face ao BCE”, disse.

Chipre, Março de 2013 - Os dois maiores bancos cipriotas, depois de sentirem o impacto da reestruturação grega, sobreviviam graças à Assistência de Liquidez de Emergência do seu banco central e o Governo resistia em aplicar as medidas pedidas pela troika que punham em causa o modelo económico do país que era baseado na banca. O BCE deu o passo decisivo. Mandatado por Draghi, o membro do conselho executivo do BCE Joerg Asmussen deixou claro ao presidente de Chipre que, ou o Governo aceitava as condições da troika, ou os bancos cipriotas perdiam o acesso à ELA. Poucos dias depois, Chipre cedeu e assinou um acordo que acabou por provocar uma corrida aos bancos e a completa reestruturação do sistema financeiro do país.

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