POLICY MIX: Ética - a falácia sobre Valdez

Vasco Valdez, o homem que tem de cumprir outra missão impossível do chefe de Governo - "assumo o compromisso de, em 2003, Portugal ter uma das máquinas fiscais mais modernas do mundo" - é agora secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e foi advogado do Benfica. Este facto suscitou um interessante debate sobre conflitos de interesses e a fronteira ética entre as actividades profissionais privadas e o exercício de funções públicas. Entre críticos e menos críticos, duas ideias fizeram doutrina: a primeira, que o doutor Valdez deveria ter feito uma declaração pública sobre os clientes que serviu antes de entrar no Governo; a segunda, que o doutor Valdez delegasse na ministra das Finanças todas as decisões relativas à situação fiscal do Benfica.

A primeira é pacífica, mas a regra deve ser geral a todos os responsáveis políticos deste Governo, do anterior e do próximo. A segunda ideia é um consenso falacioso, perverso e até perigoso. Significa alimentar a prática de que as dívidas ao fisco dos clubes têm de subir ao nível da decisão política, requerem uma intervenção directa do secretário de Estado da tutela ou, imagine-se, da própria ministra. Nenhum contribuinte relapso merece outro tratamento senão aquele que a lei determina. As dívidas do Benfica, como todas as dívidas de todos os contribuintes em falta, são um assunto exclusivo da administração fiscal e, em último caso, dos tribunais. Aceitar, pacificamente, que Vasco Valdez, ou quem quer que fosse o secretário de Estado do fisco, pudesse ter uma mínima intervenção neste assunto está, na prática, a contribuir para perpetuar a promiscuidade entre futebol e política, entre a direcção de Vilarinho e o Governo de Barroso, e o escandaloso tratamento de excepção de que os clubes sempre beneficiaram no cumprimento das obrigações fiscais. S.F.


O país de tanga

Se a política fosse um espectáculo e o eleitorado a assistência, o PSD tinha agora de devolver o dinheiro dos bilhetes, pedir desculpas à sua plateia e pagar uma multa por publicidade enganosa.

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«O que se espera do primeiro-ministro e da sua equipa, quer nas soluções instantâneas e de urgência, quer nas decisões de alcance a médio e longo prazo, é que evite a tentação de se dirigir a um país que está de tanga» Inácio Rosa/Lusa

Como a democracia não obedece, felizmente, às regras de mercado, o novo Governo e, sobretudo, o novo primeiro-ministro devem ao país uma explicação muito convincente sobre os motivos que o levam a não cumprir uma das principais promessas (se não a principal) feitas ao longo da campanha.

O choque fiscal, como se adivinhava, era uma bandeira eleitoral - e apenas isso. Agora, no Programa de Governo, a redução de IRC e IRS passa a gradual. Ou seja, não é um choque. Não existe um choque gradual, é uma contradição nos termos.

Não serve a explicação de que "a situação é, afinal, muito pior que o esperado". Era o próprio PSD que, ainda na oposição, já nos alertava para esse perigo. Por isso já estava preparado para o pior. Por isso, defendia a auditoria às contas públicas.

E, também por isso, ninguém percebia por que, ao mesmo tempo, continuava alegre e irresponsavelmente a insistir no choque fiscal.

O doutor Durão Barroso tem, portanto, a obrigação moral e o dever político de assumir o equívoco. E de não se esconder, com cobardia, atrás da incompetência alheia ou do desleixo socialista.

É verdade que, ao ouvir agora os dirigentes socialistas falar do estado em que deixaram as finanças públicas, lembra aquela rábula do indivíduo que primeiro mata o pai e a mãe e depois pede clemência ao tribunal por ter ficado órfão.

Mas, com estes, o país já ajustou contas, remetendo-os para uma mais que merecida cura de oposição. Como sublinhou ontem Ferro Rodrigues, a campanha eleitoral já acabou há um mês e dois dias.

O que o doutor Durão Barroso precisa é defender a sua própria reputação pessoal, proteger a credibilidade das medidas severas que por aí vêm, dar uma coerência global às suas políticas e garantir a sustentabilidade social dos sacrifícios que vai pedir. E, já agora, dar o seu contributo à regeneração da imagem geral da classe política.

O que se espera do primeiro-ministro e da sua equipa, quer nas soluções instantâneas e de urgência, quer nas decisões de alcance a médio e longo prazo, é que evite a tentação de se dirigir a um "país que está de tanga" - na expressão ontem usada por Durão Barroso no Parlamento - com justificações "da tanga".

Exige-se coragem para aplicar um programa de austeridade imediata - e o anunciado aumento do IVA é um sinal de que medidas de excepção vão mesmo ser adoptadas para atacar uma situação de excepção.

Mas também se espera que estas medidas de excepção não sejam, todas elas, indiscriminadas, por serem as menos dolorosas, as mais fáceis e as mais óbvias (como é o caso do IVA).

Tal implica firmeza, diante da agitação que se vai generalizar a corporações fortes e com acesso aos "media", pois já ouvimos os sindicatos a dizer que não querem ser o "bode expiatório" da crise, os autarcas a recusarem transformar-se nos "bombos da festa", etc., etc., etc. Ou seja, se toda a gente já entende a necessidade abstracta dos sacrifícios, que ninguém espere por um único voluntário disposto a aceitar que esse sacrifício seja seu.

É isto que se espera daqueles que assumem a responsabilidade de conduzir os destinos do país. E os destinos nacionais nunca são ditados pelo somatório dos interesses específicos e do "statu quo" de cada um e de todos os sectores e grupos organizados.

No debate parlamentar de ontem, a ministra das Finanças conseguiu fazer uma distinção fundamental entre aquilo que é preciso fazer já - o tal programa de emergência para reparar as avarias orçamentais - e aquilo que é necessário para resolver os problemas de fundo.

Na administração pública, o princípio da responsabilização. Avançar com experiências-piloto, onde o mérito e a produtividade são premiados, e o desleixo e a incapacidade severamente castigados. Introduzir o conceito de contratos individuais e de aumentos diferenciados na função pública. Criar mobilidade de recursos humanos dentro da administração pública. Recompensar quem cumpre orçamentos e punir aqueles que desperdiçam recursos.

Nada disto tem a ver com orçamentos rectificativos, nem com medidas avulso para apagar os fogos que estão acesos. Não se pede resultados a curto prazo, mas este é o caminho obrigatório para fazer a reforma das reformas, que é retirar ao Estado a sua enorme capacidade de dificultar a vida ao cidadão, à empresas, ao mercado, enfim, ao país.

As contas públicas, a par do défice externo, mais não são do que a expressão mais grave daquela ideia, absolutamente correcta, de que o país viveu acima das suas possibilidades durante a formidável leviandade do guterrismo.

O país precisa, um dia, provavelmente só dentro de dois anos, de libertar-se deste pesadelo orçamental. Mas, até esse dia, os seus problemas não vão nascer e morrer todos na questão financeira.

A questão financeira constitui uma restrição forte. É dentro desta restrição que o Governo tem de lançar as reformas, atacar os focos de resistência às mudanças, enquadrar problema da competitividade económica, melhorar as funções sociais do Estado.

Em nome da estabilidade política, fez-se uma coligação governamental. Que ela sirva para algo de útil. O Programa de Governo é um bom ponto de partida, uma luz que se acende no escuro. Desejamos que seja o fim do túnel e não um comboio que se aproxima a grande velocidade.

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