O mundo invertido da mobilidade do capital

Um número crescente de empresas americanas procura deslocar as suas sedes legais através da aquisição ou da fusão com empresas estrangeiras.

O mais recente caso é o da Medtronics, que pretende adquirir a Covidien, uma empresa muito mais pequena com sede na Irlanda, saída da Tyco e sediada nos Estados Unidos. Com isso, quer mudar a sua sede para a Irlanda, país onde os impostos são mais baixos, passando a ser a maior “inversão” ou “redomiciliação” de sempre de uma empresa norte-americana. Sabe-se que a Walgreens está a considerar a hipótese de mudar a sua sede para o Reino Unido adquirindo o resto das acções da Alliance Boots, um gigante farmacêutico sediado na Suíça. 

Estes negócios reflectem as falhas profundas que existem no sistema fiscal das empresas dos Estados Unidos. O país tem a mais elevada taxa nominal para as empresas entre todos os países desenvolvidos e é o único país do G-7 a agarrar-se a um sistema fiscal ultrapassado no mundo inteiro em que os lucros auferidos no exterior por empresas sediadas nos Estados Unidos incorrem em impostos nacionais suplementares quando são repatriados.

Todos os outros países do G-7 adoptaram sistemas “territoriais” que cobram pouco ou nenhum imposto sobre os lucros repatriados das suas empresas globais. Esta diferença coloca as multinacionais com sede nos Estados Unidos em desvantagem relativamente às suas concorrentes estrangeiras sediadas noutros países. Para contrabalançar, as multinacionais norte-americanas beneficiam de uma opção de diferimento na lei fiscal norte-americana.

O diferimento permite-lhes adiar – quase indefinidamente – o pagamento do imposto das empresas sobre os lucros no exterior até serem repatriados. Não é de estranhar que, à medida que os lucros no exterior aumentaram a sua percentagem dos lucros totais e, à medida que as taxas fiscais aplicadas às empresas diminuíram, o lucro proveniente do exterior das empresas norte-americanas no estrangeiro tenha aumentado, chegando agora aos dois mil milhões de dólares.

Deste modo, o sistema norte-americano comporta custos significativos, pois as empresas têm mais dinheiro fora do país, pedem mais empréstimos para financiar as necessidades de tesouraria, e investem mais no estrangeiro. Os lucros diferidos estão “excluídos” da economia norte-americana: o governo não recebe receitas fiscais com eles relacionados e não estão directamente disponíveis para serem usados pelas empresas norte-americanas. Isso prejudica a capacidade para competir com empresas estrangeiras na aquisição de outras empresas norte-americanas. Torna também menos atraente para accionistas norte-americanos o investimento em empresas nacionais em comparação com investimentos em empresas estrangeiras que podem distribuir os lucros estrangeiros nos EUA sem estarem sujeitas a um imposto adicional.

Acima de tudo, o diferimento distorce os balanços das empresas, obrigando as empresas norte-americanas avaliadas em 5-7% de lucros diferidos a custos de eficiência. À medida que aumenta a existência de lucros diferidos, esses custos vão acumulando, e a mudança de sede para o estrangeiro através de aquisições transfronteiriças torna-se um passo lógico para as empresas norte-americanas com um montante considerável de lucros diferidos no estrangeiro. Empresas como a Medtronics podem então usar os futuros lucros estrangeiros nos Estados Unidos com pouco ou nenhum imposto de repatriação. Estas empresas têm forte incentivo para deslocalizar até para financiarem os seus investimentos nos Estados Unidos.

Na verdade, estas fusões e aquisições têm mais a ver com estratégia do que com impostos. O recente surto de fusões e aquisições além-fronteiras a um máximo de sete anos é resultado de ampla liquidez, balanços altamente positivos, financiamento barato, e mercados bolsistas florescentes. Mas as questões fiscais desempenham um papel importante nas decisões das empresas quando se trata do financiamento das aquisições e da localização da entidade que resultou da fusão. Vastos balanços de lucros no exterior estão disponíveis para muitas empresas norte-americanas financiarem as suas aquisições fora do país, e as desvantagens do sistema fiscal norte-americano para as empresas têm um efeito dissuasor em localizar as entidades resultantes das fusões nos EUA. 

Embora os governantes norte-americanos se oponham às “inversões” que consideram não patrióticas, elas constituem uma resposta eficaz às falhas do sistema fiscal. À medida que as perspectivas de uma reforma fiscal para as empresas se desvanecem, as fusões além-fronteiras com domiciliação estão a tornar-se uma opção muito atractiva para muitas das empresas globais mais competitivas dos EUA. E intensifica-se a pressão sobre outras empresas para que sigam o exemplo aumentando os negócios de inversão.

Segundo a lei em vigor, as empresas norte-americanas podem mudar as suas sedes para o estrangeiro por razões fiscais comprando uma empresa estrangeira de menor dimensão desde que os accionistas da empresa adquirida fiquem com pelo menos 20% da empresa resultante. Para desencorajar as inversões através de aquisições e fusões no estrangeiro a administração do Presidente Barack Obama e vários membros democratas do Congresso propuseram legislação aumentando essa percentagem para pelo menos 50%.

Além disso, uma empresa estrangeira resultante de fusão seria tratada como uma empresa norte-americana para fins fiscais (independentemente da posição accionista) se as suas funções de gestão e controlo e uma parte substancial da sua actividade económica – vendas, emprego, ou activos – estiverem localizadas nos Estados Unidos. Se esta nova legislação for aprovada, as novas condições serão aplicadas retroactivamente a todas as inversões ocorridas desde Maio de 2014.

Estas medidas não têm em conta as causas subjacentes das inversões, vão aumentar as já reconhecidas distorções no regime fiscal das empresas e, muito provavelmente, terão consequências negativas inesperadas. As empresas norte-americanas talvez respondam dividindo as suas empresas em sociedades mais pequenas – reduzindo o seu valor de mercado e o retorno aos accionistas e trabalhadores. Do mesmo modo, para satisfazer novas condições de gestão e controlo mais complicadas as empresas norte-americanas talvez respondam mudando mais destas funções e os postos de trabalho e os investimentos (especialmente em investigação e desenvolvimento) a elas associados para outros locais.

As medidas anti-inversões propostas tornariam também mais provável que as empresas norte-americanas fossem o alvo, em vez do comprador, nos negócios de compra e fusão transfronteiriças. A reforma fiscal para as empresas tornaria os Estados Unidos um lugar mais atractivo para actividade de negócios; ameaçar as empresas norte-americanas com regras mais duras para a compra e fusão transfronteiriças e o aumento retroactivo de impostos terão o efeito contrário.

Os Estados Unidos deviam aprender com o exemplo britânico. Em 2008, várias grandes empresas do Reino Unido ameaçaram redomiciliar-se na Irlanda devido à sua inferior carga fiscal para empresas. A resposta do governo britânico foi baixar essa taxa de 28% para 20% até 2015; introduzir um sistema fiscal territorial que isenta os lucros auferidos no exterior de empresas sediadas no Reino Unido dos impostos nacionais; promulgar uma patent box (incentivo fiscal) que estabelece uma taxa de 10% em rendimentos relacionados com patentes; e adoptar um novo crédito fiscal de investigação e desenvolvimento (I&D) de 10%, não gradual e reembolsável. Até agora, estas inovações parecem estar a atrair empresas, investimento, I&D, e emprego para o Reino Unido.

É essencial uma acção rápida e corajosa dos Estados Unidos para reformar o sistema fiscal para as empresas. Infelizmente, não é provável que isso aconteça num Congresso profundamente dividido num ano de eleições.

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