O mercado de artigos segunda mão está a crescer a olhos vistos no Facebook

Impulso criado pela crise não está, porém, a ter reflexos negativos nas lojas tradicionais que entraram neste mercado há alguns anos.

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A Cash Converters, com lojas físicas em segunda mão, não viu o negócio afectado pela net Daniel Rocha

As dificuldades financeiras que se fizeram sentir nos últimos anos deram um novo impulso ao mercado de artigos em segunda mão. O preconceito em relação a este tipo de produtos está a esmorecer e o negócio está a ganhar terreno não só em espaços físicos mas também na internet, nomeadamente a partir das redes sociais.

Já há muito que o Facebook deixou de ser apenas um espaço de interacção social, para passar a ser também um meio onde se fazem negócios. O número de grupos destinados à compra, venda e troca de artigos em segunda mão, bem como de pessoas particulares a dedicar-se a esta actividade tem aumentado nos últimos tempos nesta rede social. Uns dedicam-se à venda de roupa, calçado e acessórios que já não usam. Outros optam por fazer dinheiro com os dispositivos electrónicos ou instrumentos musicais em que perderam o interesse. A oferta é vasta e para todos os gostos.

Os vendedores entram neste negócio muitas vezes motivados pelo excesso de coisas que têm no armário, encontrando assim uma forma de ganhar dinheiro e de incentivar outras pessoas a fazer o mesmo. Há quem o faça por passatempo, mas também há aqueles que o fazem por necessidade, porque vêem na venda em segunda mão uma solução para os seus problemas económicos.

Marisa Espada é uma destas pessoas. A gestora de marketing conta que sempre teve muita roupa em casa e que acabava por entregá-la a amigos ou a instituições. No entanto, quando percebeu “que havia muitas pessoas a criar páginas no Facebook para vender roupa pensou numa maneira simples de juntar tudo isso para que não estivesse tudo disperso em sites”, explica. E assim surgiu o conceito do Mycloset.pt, “uma rede social onde as pessoas criam um álbum e inserem as suas roupas para oferecer, trocar ou vender”.

A ideia nasceu há dois anos, em 2012, em associação com um amigo – Pedro Miranda, engenheiro informático. Agora, 11.500 gostos depois, o que começou como um simples passatempo acabou por ter uma “resposta inesperada”, refere Marisa Espada. Segundo a gestora, cerca de dez mil pessoas publicaram artigos no grupo do Facebook. O facto de terem muitas visitas por dia fez com que a página tenha tido problemas, o que levou os dois sócios a pensar em remodelá-la.

No entanto, para esse fim, era necessário um investimento financeiro e os fundadores do Mycloset.pt não estavam preparados para avançar. Marisa Espada mudou-se para a capital britânica, onde procura novos apoios para o projecto, enquanto trabalha numa empresa de marketing. “Já tive contactos de pessoas aqui em Londres interessadas em ajudar a desenvolver a ideia e a aplicá-la até fora de Portugal”, garante a gestora.

O único retorno financeiro que têm é a angariação de publicidade, já que, desde o início, os dois sócios tinham como objectivo “não interferir no negócio dos utilizadores”, explica Marisa Espada. Apesar de não ter cedido números concretos sobre o valor que conseguiram amealhar até agora, a administradora do Mycloset.pt referiu que o projecto era lucrativo porque gerava “bastante tráfego”.

Perto de 90% das utilizadoras do grupo são mulheres. No que diz respeito a idades, Marisa Espada explica que vão “desde os adolescentes entre os doze e os treze anos, até pessoas mais velhas”. As motivações são várias: “No caso das adolescentes, o principal motivo é mesmo a vontade de renovar o guarda-roupa e de adquirir novas peças a preços baixos”. Por outro lado, também há casos de pessoas em “dificuldades económicas”. Em média, o preço mínimo dos produtos varia entre 0,50 e 1 euro.

Antes de terem optado pelo Facebook como meio para entrar no mercado dos artigos em segunda mão, os dois sócios ponderaram também a hipótese de pôr as peças à venda numa loja. Porém, além da pouca disponibilidade, dizem não ter encontrado “os parceiros certos para o projecto”.

Negócio ou passatempo

Para Ricardo Monteiro, a venda de produtos em segunda mão não é novidade, tendo começado a fazê-lo ainda em 2005. No entanto, o negócio só evoluiu para o Facebook em seis anos depois. Para o designer gráfico, de Leiria, é uma forma de ganhar dinheiro para adquirir novo material. Dedica-se maioritariamente à venda de instrumentos musicais, material de som e de espectáculo. Foi o gosto pela música que o levou a criar um grupo na rede social destinado à compra, venda e troca de instrumentos musicais, juntamente com mais dois amigos, em 2011.

Os artigos que vende variam entre os 25 e os 55 euros, sendo que a faixa etária dos compradores situa-se entre os 15 e os 55 anos. Para Ricardo Monteiro, a venda dos artigos que não usa não é, no entanto, uma prática diária. “Não vendo artigos todas as semanas, porque não faço das vendas em segunda mão a minha vida. Mas já cheguei a vender ou a trocar quatro ou cinco artigos numa semana”, explica. O designer tenta que “as vendas não mexam com o seu orçamento mensal, acabando muitas vezes por não ganhar dinheiro com elas”, já que utiliza o que ganha para comprar novos artigos.

Marco Barbosa, um dos fundadores da Bewarket, uma aplicação para o Facebook que tem um funcionamento idêntico a um site de classificados e que opera dentro da rede social, considera que “cada vez mais as pessoas vendem e compram através do Facebook, até porque é a plataforma onde passam mais tempo e torna-se relativamente fácil colocar uma descrição, uma foto e depois receber comentários”.

Depois de terem lançado o conceito da Bewarket em 2012, a aplicação já conta com cerca de 60 mil utilizadores. Marco Barbosa aponta como uma das principais vantagens em comprar e vender no Facebook o facto de se “ver realmente quem é a pessoa que está a vender, se há amigos em comum com quem se possa falar para perceber se se pode efectivamente confiar naquele vendedor”. Para o empresário, as vendas na rede social “para além de serem mais simples têm também a vertente da confiança” o que “é uma vantagem em relação” a outras alternativas, como o OLX e o Coisas.

A rede social que foi criada em 2004 por quatro estudantes universitários nos Estados Unidos vai agora lançar um botão de compra que permitirá comprar directamente através do Facebook. Na opinião de Marco Barbosa, “se estão a lançar este sistema é porque sentem realmente essa necessidade, querem quase criar o conceito de Social Commerce, onde se podem relacionar os amigos do vendedor e do comprador, comentar, partilhar e recomendar”, confessa o empresário.

Também João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), considera que a compra e venda de artigos em segunda mão na internet “é um mercado que está em amplo crescimento”, apesar de referir que ainda não foram realizadas estatísticas sobre o tema. Para o responsável, uma das vantagens de comprar online prende-se com o facto de ser “um tipo de aquisição que pode ser feita em função da disponibilidade das pessoas, não sendo necessária uma deslocação física”.

Uma questão de necessidade

O fundador da Bewarket acredita que as dificuldades financeiras vieram impulsionar as vendas de artigos em segunda mão. “Havendo crise, as pessoas começam a olhar apenas para o que é necessário e não para o que é supérfluo e acabam por ver quais são as coisas que têm em casa sem utilização”, declarou. Marco Barbosa defende que esta mudança de mentalidades se deve principalmente a uma “necessidade e não a uma opção”.

Marisa Espada partilha da mesma opinião, afirmando que “há muita gente com necessidades que vende a sua roupa para juntar algum dinheiro, para no final do mês comprarem coisas básicas”, acrescentando que chegou a “ver no Facebook pessoas desesperadas porque precisavam de pagar a renda e a suplicar para lhe comprarem alguma peça naquele mês, porque estavam mesmo a precisar”, confessou.

O aumento da compra e venda de artigos em segunda mão a partir da internet não veio, no entanto, trazer grandes mudanças para as lojas físicas. O facto de as pessoas estarem mais informadas relativamente a este tipo de comércio acaba por fazer com que “o procurem cada vez mais e acabem por conhecer mais as nossas lojas”, defende Luís Coelho, gerente da loja de artigos em segunda mão da Cash Converters em Carnaxide.

Por sua vez, Sandra Amor, proprietária da loja Kid to Kid em Carnaxide, que vende artigos para criança em segunda mão, considera que o aumento da compra e venda a partir da internet “até ajuda a divulgar o conceito”, acrescentando que a sua loja “tem muitos clientes que vão até lá vender artigos porque tentaram vender online e não conseguiram”.

O presidente da CCP atenta que a venda a partir da internet é “um novo canal que apareceu”, acrescentando que não “partilha da ideia que os canais de venda tradicionais estão acabados”. João Vieira Lopes refere que “o que existe hoje em dia é uma multiplicação de canais e a comercialização do produto obriga a uma visão mais alargada dos canais por onde distribuir”.

O facto de as pessoas estarem a perder aos poucos o preconceito em comprar artigos em segunda mão faz com que estas lojas tenham melhorado os seus resultados nos últimos anos. Luís Coelho considera que “os resultados têm vindo a crescer”, prevendo ainda que “a tendência de 2014 seja para um maior crescimento”.

A Cash Converters chegou a Portugal em 1998, altura em que abriu a sua primeira loja em Alfragide. Actualmente já detém seis lojas em território nacional, sendo que há perspectivas de crescimento “principalmente na zona de Lisboa e Porto”, adiantou Paulo Pereira, presidente da empresa em Portugal. Em média, cada uma das lojas tem entre doze a quinze colaboradores.

Entre vitrinas repletas de telemóveis, da última geração aos mais antigos, computadores, jogos e consolas, artigos de desporto, entretenimento e jóias, é vasta a gama de artigos na loja da Cash Converters de São Sebastião, em Lisboa. Instalada em dois andares, um destinado a compras e outro a vendas, a loja de 200 metros quadrados na capital tem visto as receitas crescer, garantiu Paulo Pereira, embora sem revelar números.

Paulo Pereira referiu que diariamente chegam ao departamento de compras “uma média de 70 a 100 produtos”, acrescentando que “grande parte das pessoas descobre o conceito da Cash Converter a partir da secção de vendas”. Segundo o responsável, 80% das pessoas que se dirigem até aquela superfície para vender produtos encontram-se numa faixa-etária entre os 25 e os 60 anos.

De acordo com o presidente da empresa em Portugal, os produtos com maiores vendas são os de “electrónica, toda a parte de informática, telemóveis, tabletes e consolas”. Apesar de a empresa ainda não dispor de serviço de compra e venda de artigos a partir da internet, a hipótese de se transportarem também para o mercado online encontra-se em cima da mesa, revelou Paulo Pereira.

Relutância ultrapassada

Sandra Amor confessa que no inicio do seu negócio em 2008 “havia uma certa relutância na compra de artigos em segunda mão”. No entanto, desde que a crise rebentou, a proprietária da Kid to Kid de Carnaxide em regime de franchising julga que “a mentalidade das pessoas mudou muito”, e que “hoje em dia as pessoas aderem lindamente quer a comprar quer a vender”.

Apesar de existir uma variação em função da época do ano, a empresária recebe uma média de 150 a 200 artigos por semana na loja. A empresária confessa que “esta altura do ano é mais fraca, porque há muita gente de férias”. Também as receitas variam de acordo com este factor, sendo que, “os meses mais fortes são os últimos meses do ano”, conta. Por norma, a loja vende semanalmente o mesmo número de artigos que compra aos clientes.

Os preços dos artigos “são muito variados”, explica Sandra Amor. “Nós vendemos desde bodies a um euro e depois temos também carrinhos de passeio para bebé a trezentos euros. Portanto pode variar muito”, disse. Por norma, a faixa etária dos clientes nesta loja varia entre os 20 e os 45 anos, sendo que “uma grande percentagem dos clientes são também avós, entre os 60 e os 65 anos.

Quando questionada se estaria futuramente a ponderar realizar vendas também a partir da internet, respondeu prontamente que não, justificando que “acarreta muita logística” e que “não compensa porque implicaria ter uma pessoa só focada nisso”. Sandra Amor acrescenta que, “para os clientes, a loja física é mais confortável” e que “os preços não variam muito daqueles que são praticados na internet”, com a vantagem de “a pessoa poder tocar e mexer, o que acaba por ser diferente de comprar online”.

Texto editado por Raquel Almeida Correia
 

   

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