O limite e o céu

Não cabe ao depositante explicar porque poupou 50 mil euros. O Estado não tem de, a propósito do nada, saber isso.

O princípio do levantamento do sigilo bancário não oferece dúvidas de constitucionalidade no âmbito de processo judicial a correr e mediante despacho fundamentado de magistrado. Já o mecanismo da anunciada legislação, que visará o levantamento do sigilo bancário, se e quando o saldo for igual ou superior a 50 mil euros, por obrigação legal do próprio banco em unilateralmente informar uma entidade do estado desse saldo, não escapará à malha da inconstitucionalidade.

1. Inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, não só por insuficiência de justificação para a inserção na lei de um valor pecuniário que determina a informação, mas também porque obrigaria o estado a tratar desigualmente os depositantes com uma ordem de grandeza de depósitos próxima. Dez mil contos mesmo antes do euro não era muito dinheiro.

2 Inconstitucionalidade material porquanto não cabe ao banco, por sua iniciativa, mesmo que obrigado pela lei (inconstitucional), informar o estado do valor dos saldos, de particulares, de modo automático e sem um juízo prévio judicial. Na verdade, cabe aos tribunais a determinação dos meios de prova a realizar no âmbito de um processo concreto. A figura do "inquérito prévio" findou com o 25 de Abril e a "auto-incriminação obrigatória" é um instituto próprio de estados pouco ou nada civilizados. Donde o cidadão depositante tem o direito de saber a que propósito o estado colhe a sua informação bancária, nomeadamente de saldo, e saber qual o processo em concreto que corre contra esse depositante, designadamente para, se assim o entender, requerer a sua constituição como arguido a fim de se defender. 

3. Por outro lado, contas existirão com saldo superior ou igual a 50 mil euros em que o titular não é o seu beneficiário, por exemplo contas do tipo escrow account, ou outras em que o titular é somente o gestor de negócio de outrem. Uma "varridela" cuja única fundamentação, é uma fundamentação numérica, levará tudo a eito, espalhando a injustiça e a discricionariedade, em nome de uma aparente objectividade que não passa de alçapão escondido num número. É que não cabe ao depositante explicar porque poupou 50 mil euros para que um dia os reparta pelos três netos ainda em vida. O Estado não tem de, a propósito do nada, saber isso. 

Advogado

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