O FMI há 30 anos, o FMI hoje e o FMI daqui a cinco anos

Teresa Ter-Minassian, a cara do FMI em 1983, veio juntar-se ao coro de vozes a pedir um cautelar.

Foi humilhante para o próprio e bastante desconfortável para quem viu. O vice-presidente da bancada do PSD, Miguel Frasquilho, depois do encontro com a troika, e para surpresa de muitos, veio dizer o que até agora ninguém no Governo ou na maioria ousou dizer: que um programa cautelar seria a opção mais prudente para Portugal sair do resgate. Poucas horas depois, e provavelmente com alguns puxões de orelha pelo meio, o deputado social-democrata foi obrigado a dar o dito pelo não dito. Mas este episódio demostra bem que, apesar de o bom senso recomendar uma saída do resgate com uma rede de segurança, o Governo continua a não descartar uma saída limpa, seja por motivos eleitorais seja porque está a ser pressionado por Angela Merkel

Um erro que pode custar-nos bastante caro. E uma monumental irresponsabilidade. Uma coisa é pedirmos um cautelar e não nos darem; ou porque os nossos parceiros europeus não estão para aí virados, ou simplesmente porque o Bundestag não aprova. Outra coisa bem diferente é nem sequer pedir por calculismos políticos ou por um orgulho pateta de quem acha que no dia 17 de Maio vai recuperar a sua soberania.

E não me venham com o argumento de que os juros estão a descer e de que temos uma almofada de liquidez. Tudo isso é efémero e tudo isso pode mudar com a mesma velocidade com que Miguel Frasquilho muda de opinião. Ainda ontem, a antiga chefe de missão do Fundo Monetário Internacional Teresa Ter-Minassian, em declarações à TSF, veio dizer o óbvio: dado o nosso nível monumental de endividamento, a melhor, e talvez a única, opção sensata para Portugal é pedir um programa cautelar. Mesmo isso pode não chegar para evitar um segundo resgate daqui a poucos anos. Ter-Minassian diz duas coisas que parecem bastante ajuizadas: primeiro, que os mercados agora estão “bem-dispostos” com Portugal, mas tudo pode mudar de um momento para outro. Segundo, que se surgir algum problema daqui a algum tempo, o cautelar já não vai chegar e lá vamos nós para um segundo resgate.

Teresa Ter-Minassian sabe do que fala. Há 30 anos, no tempo dela e de Ernâni Lopes, ainda não havia estas modernices de um programa cautelar. Mas havia muitas semelhanças com o actual resgate. Em 1983, tal como hoje, o FMI também entrou a matar: cortes de salários, imposto extraordinário sobre o 13.º mês, congelamento das contratações no Estado, travão ao investimento público e uma desvalorização de 13% do escudo. E tal como agora, com as devidas adaptações, havia cartazes na rua a dizer “Soares e Pinto, rua!”. E tal como agora, os efeitos foram devastadores: recessão de 1% em 1984, o desemprego subiu em flecha em apenas dois anos, de 7,2% para 8,9%, a inflação disparou para 29% e os salários reais caíram 7,1% em 1983, depois de já terem caído 6% no ano anterior. A violência foi tal que Teresa Ter-Minassian chegou mesmo a falar de um “overshoot” no ajustamento. Traduzido em bom português, e dito pelo actual primeiro-ministro, dá qualquer coisa como “está-nos a sair do lombo”. E tal como agora, com as devidas proporções, os resultados positivos acabaram por aparecer: em 1987, a economia já estava a crescer 7,6%, o desemprego baixou para 4,1% e a inflação desceu de 29% para 9,4% em 1987. E tal como agora, e graças à desvalorização do escudo, a conta corrente externa já estava em terreno positivo em 1986. E pelo meio veio a CEE e os dinheiros de Bruxelas, que ajudaram a compor as coisas e a mascarar as reformas estruturais que ficaram por fazer.

Mas houve uma diferença substancial entre o anterior e o actual resgate: na altura pedimos 650 milhões de dólares, quase o dobro do nível das reservas internacionais do país, excluindo o ouro. Mas esse valor representava apenas 3,5% do PIB. Agora pedimos uns exorbitantes 78 mil milhões de euros, qualquer coisa como 45% do PIB. E é endividamento que veio acumular com a dívida que já tínhamos e que faz com que o rácio da dívida pública hoje esteja a roçar os 130% do PIB. Em 1983 rondava os 50%. Fruto de anos e anos a acumular sucessivos défices. E estamos a falar de um país que desde 1999, ano de entrada no euro, só registou um défice público abaixo dos 3% sem uso de medidas extraordinárias em dois anos: na estreia da moeda única e em 2007.

É o excesso de endividamento que nos recomenda um programa cautelar. Ontem, Teresa Ter-Minassian disse, e bem, que o país continua altamente endividado, um problema que não se vai resolver, nem tão cedo nem sozinho. Basta lembrar as análises da UTAO, que nos diz que para cumprirmos o Tratado Orçamental (subscrito pelo PS e PSD) a economia terá de gerar excedentes orçamentais primários superiores a 3% durante 20 anos (coisa nunca antes vista) para colocar a dívida novamente na casa dos 60% do PIB. E são estas contas que levam o economista do Nomura, Jens Nordvig, numa entrevista ao PÚBLICO e ao Jornal de Negócios, a vaticinar que ”um segundo resgate em Portugal é muito provável dentro de cinco anos”. Uma saída limpa do resgate, nas actuais condições, é demasiado arriscada. O PS diz que o Governo está a “atirar-se para a piscina, sem bóia, quando não sabe nadar". E se houver alguma turbulência nos mercados, arrisca-se mesmo a atirar-se para a piscina de cabeça e corre o risco de nem sequer haver água na piscina.

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