"O Estado não pode pôr dinheiro na TAP”, diz o ministro da Economia. Será mesmo assim?

Ouvido nesta sexta-feira no Parlamento, Pires de Lima voltou a justificar privatização com necessidade de entrada de capital privado.

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Negociações entre o Governo e os sindicatos prolongaram-se pela madrugada de quinta-feira Daniel Rocha

O ministro da Economia, António Pires de Lima, disponibilizou-se nesta quinta-feira para entregar aos deputados da comissão de Economia e Obras Públicas uma cópia do documento que a Comissão Europeia publicou em Julho sobre as ajudas de Estado ao sector da aviação, depois de o deputado comunista Bruno Dias ter questionado o argumento de que a TAP não pode socorrer-se de auxílios públicos.

State aid for airline restructuring: Does it give you wings? [Ajuda estatal para reestruturar companhias de aviação: dar-lhe-á asas?] é o título do artigo publicado a 9 de Julho, que descreve as regras, os prós e os contras da intervenção pública no sector.

O ministro, que foi chamado ao Parlamento para explicar a decisão de vender a TAP na sequência de um requerimento do PCP, foi peremptório. “Um Estado não pode injectar capital nas empresas [de aviação], salvo uma circunstância excepcional: só em razão de um plano de salvamento. E só se pode fazer uma vez e a TAP já o fez”, disse.

Em parte, Pires de Lima tem razão. Como explica o documento de Bruxelas, há três grandes requisitos para que um Estado possa acudir a uma transportadora aérea pública. Em primeiro lugar, tem de haver “um plano de reestruturação credível, capaz de restaurar a viabilidade da empresa longo prazo sem novo apoio público”. Além disso, a companhia tem de “dar o seu próprio contributo, a um nível apropriado, nos custos da reestruturação, para evitar que todo o fardo recaia sobre os contribuintes”. E, por fim, é necessário “implementar medidas para mitigar as distorções ao nível da concorrência criadas pelo auxílio”.

Mas há um quarto critério importante que contraria as declarações do ministro da Economia sobre o número de vezes a que uma transportadora aérea pode recorrer ao balão de oxigénio do Estado. Porque, escreve a Comissão Europeia, “a empresa não pode ser resgatada e reestruturada mais do que uma vez a cada dez anos”.

No mesmo documento, Bruxelas concretiza, sob o lema “uma vez, a última vez”, que “não pode ser concedido auxílio a uma empresa que tenha sido resgatada nos últimos dez anos”. Um princípio que “assegura que o dinheiro público não é desperdiçado em intervenções repetidas” a empresas “que provavelmente não conseguem ser competitivas e viáveis”.

Ora já passaram mais de dez anos desde que a TAP teve de recorrer ao accionista Estado para equilibrar as contas. A primeira e única vez que tal sucedeu foi ainda antes da viragem do milénio, com um auxílio, repartido por várias tranches, que rondou os 180 mil milhões de escudos (cerca de 900 milhões de euros). Na altura, a intenção era preparar a companhia para a privatização, já que o plano era vendê-la à Swissair.

A ajuda estatal entrou nos cofres da transportadora aérea, mas a privatização caiu por terra e ainda hoje está por concretizar. Houve, porém, um ponto muito importante que saiu das negociações entre o governo português e a Comissão Europeia na altura. Uma das cláusulas do parecer definitivo de Bruxelas indica que “o governo português abster-se-á de conceder qualquer outro auxílio à TAP".

Se a Comissão Europeia estaria disposta a reavaliar este impedimento, não se sabe. Além disso, o plano de reestruturação que é obrigatório apresentar para obter luz verde a um auxílio deste tipo seria, muito certamente, profundo e doloroso. Por exemplo, ao nível dos postos de trabalho.

O ministro da Economia não entrou nestes pormenores. Afirmou apenas que “o Estado é sempre um accionista com enormes limitações” porque “está privado de injectar capital numa empresa que está num mercado exigente”.

Uma questão de convicções
Pires de Lima assumiu que a venda da companhia é uma questão de “convicção”. A convicção de que, estando privatizada, terá uma “gestão mais competitiva”, por deixar de estar sujeita às regras das empresas públicas, que têm limitado o seu crescimento por impedirem, por exemplo, a contratação de trabalhadores sem autorização das Finanças. E, por outro lado, a convicção de que “precisa de capital para se desenvolver”.

Ao contrário dos argumentos que foram usados, ao longo dos anos e por sucessivos governos, o ministro não levou à comissão a linha de pensamento que coloca a privatização como uma emergência. Se não se vender, fecha, como se ouviu o actual Executivo dizer aquando da primeira tentativa de venda, que fracassou em 2012 com a rejeição da oferta de Gérman Efromovich.

Pires de Lima assumiu que “não é uma questão de vida ou de morte” porque “não crê que a TAP deixará de existir no curto prazo” caso se mantenha na esfera do Estado. Mas não deixou de insistir que, caso tal aconteça, o seu potencial de crescimento irá esbarrar na mão curta do actual accionista.

Do lado do PS, Rui Paulo Figueiredo reiterou a posição de que “o Estado deve manter 51% do capital, deve manter a posição de controlo” da companhia, acrescentando que “a capitalização pode ser feita em bolsa”.

Mas o ministro da Economia respondeu que essa solução não respondia às convicções do Governo, já que a gestão manter-se-ia presa às regras das empresas públicas e o maior accionista não estaria em condições de injectar dinheiro fresco na TAP. Sobre a possibilidade da dispersão do capital em bolsa, que o Governo chegou a estudar no início do ano, Pires de Lima lançou uma nova convicção. A de que “não seria crível que existisse interesse no mercado de capitais numa operação total”, que incluísse todo o grupo, nomeadamente o deficitário negócio de manutenção no Brasil.

Esta empresa ocupou, aliás, um dos focos de atenção da audição do ministro, que chegou a referir que vender apenas a companhia de aviação seria “privatizar o lombo”, sem que chegasse a classificar as restantes empresas do grupo. O governante não se esqueceu de recordar que era o PS que estava no governo quando a compra, que está sob investigação do Ministério Público, foi decidida.

A manutenção no Brasil, comprada pela TAP em 2005, gerou sempre prejuízos e acumulava elevadas dívidas e contingências. Estas últimas, relativas a processos fiscais e laborais que a empresa poderá perder, situa-se neste momento em 70 milhões de euros. Já a dívida, em redor de 500 milhões, representa 50% do passivo do grupo.

Como o PÚBLICO noticiou, a administração da TAP apresentou ao Governo um plano para reconverter a dívida da M&E Brasil à TAP, acumulada ao longo dos anos para cobrir prejuízos, em capital. A intenção deverá concretizar-se antes de estar fechada a privatização.

O Governo aprovou o relançamento da privatização da TAP a 13 de Novembro, com a venda, numa primeira fase, de 66% do capital (61% a um investidor privado e 5% aos trabalhadores). Mas o objectivo é que o Estado saia totalmente do capital a médio prazo, estando prevista a alienação dos restantes 34% num prazo de dois anos após a assinatura do contrato e desde que o novo dono cumpra as obrigações inscritas no caderno de encargos.

"Dêem corda às propostas", diz o ministro aos candidatos 
Quatro potenciais candidatos entregaram cartas ao Governo a garantir o interesse na TAP: o consórcio liderado pelo empresário português Miguel Pais do Amaral e pelo milionário norte-americano Frank Lorenzo, Gérman Efromovich, o grupo espanhol Globalia e a companhia de aviação brasileira Air Europa. Tal como o PÚBLICO noticiou, a transportadora aérea brasileira Gol também sondou o Executivo para obter mais detalhes sobre a operação.  

Na audição, Pires de Lima adiantou que o caderno de encargos da privatização será aprovado “no final deste mês ou no início do próximo ano”, depois de o diploma que relançou a venda ser promulgado pelo Presidente da República.

Questionado directamente por Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, sobre o polémico passado de Frank Lorenzo, antigo presidente e dono da Continental Airlines, Pires de Lima não comentou o caso, mas incentivou os investidores a arregaçarem as mangas.

“No Governo recusamo-nos a avaliar currículos só pelas notícias que vamos lendo. E muito menos a avaliar investidores que ainda não apresentaram as suas propostas. Por isso, não consigo de facto desqualificar alguém que ainda nem sequer se apresentou a concurso, que ainda nem foi a jogo”, afirmou, deixando um recado aos potenciais candidatos: “Dêem corda às suas propostas e apresentem as melhores condições” porque “ninguém está na pole position desta privatização”.

O deputado comunista Bruno Dias também não deixou escapar o histórico do milionário norte-americano que está na corrida à TAP com Frank Lorenzo, e também com o grupo nacional de transportes Barraqueiro. "O Frank Lorenzo já mostrou o que vale", disse, fazendo ainda referência a outros dos investidores interessados nesta privatização: a Globalia.

O grupo espanhol, que detém a companhia de aviação Air Europa, chegou a ser parceira da TAP na empresa de handling Groundforce, mas a sociedade acabou em 2008 com um conflito que obrigou a companhia de aviação nacional a readquirir a operadora de assistência em terra (hoje detida em 51% por um grupo privado, a Urbanos).

Já no final da audição, o ministro da Economia deu a palavra ao secretário de Estado dos Transportes, que tutela directamente a TAP. Entre as constantes interrupções do deputado do PS Paulo Campos, Sérgio Monteiro explicou que o Governo defende “a capitalização a longo prazo da companhia”.

Pires de Lima rematou o debate com uma nova convicção: “A TAP estará melhor defendida se estiver privatizada”. E disse que há duas formas de olhar para o futuro da companhia. Numa lógica de "gestão basicamente para pagar a dívida", se continuar na esfera do Estado, ou de "gestão para aproveitar as oportunidades de crescimento", se for privatizada.

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