O “encantamento” dos brasileiros com os vinhos de Portugal

Em dois dias, o Vinhos de Portugal no Rio recebeu 6500 visitantes e espera-se que quando fechar as portas tenham passado pelo Jockey Club 9 mil pessoas para provar e ouvir falar do “país das 300 castas”.

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Evento contou com 73 produtores vindos de Portugal Vera Moutinho
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Dirceu Vianna Júnior procurou os vinhos portugueses perfeitos para o Rio de Janeiro Vera Moutinho
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Na zona exterior, de entrada livre, também havia a oportunidade de provar alguns vinhos Vera Moutinho
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Ao final do segundo dia já tinham passado pelo Jockey 6500 pessoas Vera Moutinho
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A organização estima que, ao todo, o evento tenha recebido perto de nove mil visitantes Vera Moutinho

Nunca falhou uma – o brasileiro Augusto Abreu assistiu a todas as palestras que aconteceram sexta-feira e sábado no Espaço Tomar um Copo, uma novidade este ano no Vinhos de Portugal no Rio, iniciativa dos jornais PÚBLICO (Portugal) e O Globo (Brasil) em parceria com a ViniPortugal, que nesta segunda edição se transferiu do Palácio São Clemente, residência do cônsul português, para o Jockey Club do Rio de Janeiro.

Sábado à noite, no final do segundo dia, já tinham passado pelo Jockey 6500 pessoas e a expectativa dos organizadores era que domingo às 22h, quando fecharem as portas, o evento tenha recebido perto de nove mil visitantes. E Augusto Abreu foi, sem dúvida, um dos mais assíduos na Área de Convivência, no exterior, onde, para além de se poder petiscar nas food trucks e no espaço da Deli Delícia, um dos patrocinadores do evento, se podia ver as corridas de cavalos que ao mesmo tempo iam acontecendo nas pistas no Jockey. E, sobretudo, podia-se também ouvir falar de vinho.

No interior, para quem comprou bilhete, era possível estar, por períodos de duas horas, no mercado de vinhos, conhecendo os 73 produtores vindos de Portugal e provando os respectivos vinhos. E ainda assistir às provas apresentadas pelos críticos do PÚBLICO e de O Globo. Mas quem ficou apenas na zona exterior, de entrada livre, teve também oportunidade de os ouvir, de conversar com eles num ambiente mais intimista e de provar alguns vinhos no tal Espaço Tomar um Copo.

Sábado a meio da tarde, Augusto Abreu era, como já se tinha tornado habitual, o primeiro da fila para a sessão seguinte do Tomar um Copo (uma brincadeira com uma expressão portuguesa que não se usa no Brasil). “Há uns 15 anos já que me interesso por vinho”, explicou ao PÚBLICO. Desde essa altura que começou a frequentar palestras e a tentar sempre aprender mais. “Queria perceber porquê esta uva [no Brasil, casta diz-se uva] e não aquela, porquê o vinho feito desta maneira e não de outra…”.  

Tinha estado no Vinhos de Portugal no Rio no ano passado e já é um conhecedor dos vinhos portugueses, mas, confidencia, este ano já fez pelo menos uma descoberta: o Avesso, casta de que nunca ouvira falar, e que é a base de um dos vinhos que foi dado a provar no Tomar um Copo, um vinho da Quinta da Covela, da região de Baião.

Mas Augusto Abreu interessa-se também muito por vinhos biológicos e biodinâmicos e, curiosamente, no mercado está um produtor português do Dão que faz vinho biológico desde a década de 90 e biodinâmico desde 2006: António Lopes Ribeiro, da Casa de Mouraz. É complicado vender um vinho com estas características no Brasil? “Trabalhamos com 18 países e o mercado brasileiro é o mais difícil, sobretudo por causa da burocracia”, diz.

Em Portugal, o interesse pelo biológico tem vindo a crescer e António acredita que o mesmo vai acontecer no Brasil. “Na sexta-feira de manhã tivemos a visita de vários sommeliers, alguns de restaurantes com estrelas Michelin [o Brasil tem desde este ano a avaliação do Guia Michelin] que já estão abertos a este tipo de produto, até porque servem alimentos biológicos, uma área em que o Brasil já é um grande produtor.”

Há países em que António trabalha com importadores especializados em biológico, mas no Brasil está numa outra fase, que é a de garantir que consegue estabilizar a relação com um importador. Para isso conta com a ajuda da empresa Azavini e da responsável desta, Carla Salomão, que faz a ponte entre os produtores e os importadores. “No caso do Brasil não chega ter um importador”, garante António. “Venho cá desde 2004 e já vou no terceiro importador. É muito importante ter uma pessoa como a Carla, que conhece bem o país.”

A Azavini representa actualmente 14 produtores de vinho e azeite de Portugal. “Eu sou os olhos do produtor aqui, escolho a importadora, acompanho a documentação, vejo quando a carga chega, vou nos restaurantes e dou treino, como se fosse eu o produtor”, conta Carla Salomão. “Há produtores portugueses com casos de bastante insucesso por várias razões. A distância propicia todo o tipo de problemas e o resultado é que os negócios entre Portugal e o Brasil de uma forma geral são muito poucos. É difícil entrar no mercado e depois é dificílimo manter-se.”

Mas Carla está optimista, até porque o seu negócio tem vindo a crescer bem. “Comecei há nove anos com dois produtores, a CARM no Douro e a Herdade dos Cotéis no Alentejo. As coisas foram crescendo e neste momento, com 14, estou na minha capacidade ideal.” Quanto ao mercado brasileiro, explica que “o Brasil tem diferentes realidades”. “Há mercados maduros com clientes já conhecedores, como São Paulo, com o melhor serviço de restauração do país. Curitiba também é bastante bom. Depois a coisa é variável, o Rio é um mercado forte mas com muitos desníveis, Belo Horizonte começou a tornar-se importante para o vinho com uma rede de supermercados que oferecem vinho de qualidade.”

E deixa um conselho: “Em São Paulo, a presença dos vinhos italianos é muito forte. É um mercado que está a crescer para o vinho português mas há outros, mais periféricos muito abertos e onde se consegue resultados a mais curto prazo.”

Na zona do mercado encontram-se tanto produtores com presença consolidada no Brasil como outros que estão a chegar agora e aproveitam para fazer contactos e encontrar um importador. Um dos projectos mais jovens é o de Juliana Kelman. Juliana e o marido, Rafael, são eles próprios muito jovens e estão visivelmente entusiasmados com a aventura em que se lançaram: a compra de uma quinta de seis hectares no Dão, onde começaram a fazer um vinho branco com a casta Encruzado que está prestes a chegar ao mercado em Portugal. Quanto ao tinto, com Touriga Nacional e Tinta Roriz, já foi feito, mas precisa de tempo e será posto à venda talvez em 2016 ou 2017.

“Fomos conhecer as regiões vinícolas de Portugal e apaixonámo-nos pelo Dão porque encontrámos vinhos muito elegantes, com vocação para serem vinhos de guarda”, conta Juliana. “Queremos guardar o número 1 das 2700 garrafas de Encruzado que vão ser numeradas para que daqui a 20 anos o nosso filho experimente, porque a gente sabe que daqui a 20 anos vai continuar a ser um vinho muito bom.”

Se a Touriga Nacional já é bastante conhecida no Brasil, o Encruzado ainda tem que fazer o seu caminho. Mas é com orgulho que Rafael diz: “Estamos aqui como os porta-vozes do Encruzado.” Juliana acrescenta uma história: “Perguntaram-me porque é que tínhamos ido para Portugal em vez de investirmos no Chile ou na Argentina, que são mais próximos e têm outras facilidades por pertencerem ao Mercosul. E o que eu disse foi que a gente teve que decidir entre ser mais um Merlot ou um Malbec ou trazer estes tesouros do outro lado do mar e preferimos apostar nestas castas que são muito diferentes.”

Para além de ser uma paixão, acreditam que é uma aposta vencedora porque “os brasileiros estão redescobrindo Portugal em todos os sentidos”. Juliana sente uma enorme diferença no país desde que o visitou em 1995 e hoje, que o visita pelo menos três vezes por ano. “Para quem foi antes e volta agora, a sensação é de encantamento. E não é só connosco, é com os brasileiros em geral. Por isso, em vez de sermos um Merlot ou um Malbec quisemos ser Encruzado e Touriga Nacional.”

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