O dia em que o BNI Lion somou mais dois milhões

Um vez por semana, milhares de empresários reúnem-se nos “capítulos” do BNI de Norte a Sul. O que os move é a cooperação em rede, uma necessidade que a crise acentuou. O PÚBLICO foi assistir a um desses rituais.

Foto
As reuniões do BNI Lion têm uma duração de 90 minutos Fernando Veludo/NFactos

A noite está escura, a temperatura do ar ronda os dois graus e a Via Norte que segue do Porto para a Maia, Viana e Braga está quase deserta, mas algures entre o silêncio e o frio da madrugada consegue-se descobrir um lugar que acusa uma insólita animação. No interior aquecido do restaurante da Leonesa, uma espécie de centro de negócios que fica perto do Mosteiro de Leça do Bailio, há muito que António Oliveira prepara mais um capítulo do BNI Lion.

Por volta das sete da manhã, já passaram pela mesa da entrada onde o tesoureiro do clube se encontra quase todos os 25 membros e os respectivos convidados. Agora estão em conversas soltas em torno de uma mesa onde se servem do pequeno-almoço mas, em breve, o BNI Lion começará a sua sessão semanal de 90 minutos onde se falará de referências, de negócios feitos e dos que se hão-de fazer até à próxima sessão.

Nos seus quase dois anos de existência o Lion tinha conseguido gerar entre os seus membros transações de 2,5 milhões de euros. Uma gota de água na contabilidade da Business Network International, uma organização fundada em 1985 nos Estados Unidos por Ivan Misner e que hoje reúne 160 mil empresários em todo o mundo. Misner, um californiano que a CNN considera ser o “pai do networking moderno” inventou uma maneira de reunir numa mesma sala homens de negócios de diferentes áreas e de, através de uma encenação rigorosa, os incentivar a darem referências dos seus pares sempre que na sua actividade encontrarem oportunidades de negócio. Como dizia a vice-presidente do BNI Lion, Elisabete Silva, “ser membro do BNI é como ter uma equipa de vendedores, que somos todos nós”. Numa atitude que combina interesse próprio com altruísmo, cada membro sente-se no dever de fazer referências dos seus companheiros de clube e espera ser compensado da mesma forma. No ano passado, os 6400 grupos espalhados pelos cinco continentes produziram 7,7 milhões de referências e, de acordo com a organização, geraram um volume de negócios na ordem dos 2,4 mil milhões de euros.

Como seria de esperar, uma máquina que se orgulha de gerar este volume de transacções tornou-se ela própria uma organização multimilionária. Cada delegação nacional é um franchising do BNI americano. Os direitos para Portugal, Moçambique e Brasil foram adquiridos pelo britânico Terry Hamill, que por sua vez os revendeu por blocos regionais. No caso do Norte, o titular dos direitos do BNI é José Augusto Teixeira, um empresário que há seis anos participou como visitante nos primórdios da experiência em Portugal e decidiu trocar a organização de espectáculos pelo desenvolvimento da rede. Uma vez que cada um dos 1600 membros dos capítulos que se organizam na região Norte tem de pagar anualmente 500 euros, o rendimento bruto da sua actividade deve andar perto dos 800 mil euros.

Para que a rede de troca de influências funcione, o BNI inventou um método eficaz que combina criatividade e uma disciplina exercida ao segundo. José Augusto Teixeira reconhece que “é a disciplina que faz a máquina funcionar” e, de facto, impressiona a eficiência com que os capítulos de hora e meia se desenrolam. Depois do pequeno-almoço, às 7h14 toca uma sineta e um minuto depois os 25 membros do clube estão sentados nas alas de uma mesa em U, ficando o topo reservado para os convidados. Como seria de esperar numa organização que funciona em pirâmide, a captação do interesse dos convidados é fundamental para o seu crescimento. Em cada grupo há “anfitriões de visitas” e um “coordenador de anfitriões”. Boa parte do tempo dos capítulos é dedicado aos convidados.

No centro da acção do capítulo está um chefe escolhido por José Augusto Teixeira. Jovem, de discurso fácil e com uma presença capaz de rivalizar com alguns apresentadores da TV, António Pereira Oliveira apresenta os temas em discussão, dá a palavra aqui e ali, tenta seguir à risca um guião exigente que terá de estar cumprido às nove menos um quarto. Depois das apresentações do grupo, a sessão arranca. António Maia, que tem uma empresa de energias renováveis, foi na quarta-feira responsável por falar da importância do networking e deixa à assembleia ideias sobre como se deve actuar num negócio. Tem um minuto para o fazer. É importante “apresentarmo-nos sem medo quando nos apresentamos um negócio”, diz convicto. É fundamental “determinação e resistência”, conclui. Senta-se e a plateia aplaude.

De seguida, cada um dos membros do clube e os visitantes têm um minuto para se apresentarem e apresentarem os seus negócios. Quando chegou ao clube, logo no início, o tesoureiro António Oliveira considerou este momento “aborrecido” e excessivamente formal para o seu humor. Esse tempo acabou e agora nota-se um esforço dos apresentadores em encontrarem mensagens e formatos de comunicação originais. António Oliveira, que tem uma empresa de pichelaria e funilaria em Gaia, ergue-se seguro e diz que ganha dinheiro porque os seus colegas “metem água”. Jorge Freitas, pintor, define-se como “troca-tintas”. Maria João Coimbra, de uma consultora financeira, compara-se a Durão Barroso porque consegue “arranjar fundos comunitários”. Sandra Soares, da Beyourself, uma empresa de formação, leva um bonsai, poda-o severamente e serve-se dessa metáfora para mostrar o papel da sua empresa na afinação da gestão dos seus clientes. Acabaria por ganhar o prémio para a melhor apresentação do dia.

Na sala nota-se empatia e confiança. Por regra, não pode haver duas empresas na mesma área de actividade, as comissões são punidas com a expulsão e a entreajuda é a palavra de ordem. Há ali uma pequena comunidade de negócios que preenche diferentes necessidades. Um é especialista em fiscalidade, outra em consultoria, alguns dedicam-se a pequenas obras, à carpintaria ou à serralharia, há especialistas em webdesign, na produção gráfica, em sistemas de segurança, em telecomunicações. Vêm do Porto, de Gaia ou de lugares mais distantes, como Guimarães ou Vila da Feira. São pequenos empresários, com pequenos negócios que encontram ali amparo e, principalmente, esperança. “Reconheço que a crise foi muito importante para o nosso crescimento”, regista José Augusto Teixeira.   

Chega depois o momento em que se trocam referências e se avaliam os resultados das referências da semana anterior, os “negócios fechados”. Cada um diz que referências fez e passa os contactos aos colegas. Em alguns casos ficaram agendados encontros. Sérgio Crivelli, um italiano dono de uma pizzaria em Matosinhos, é o campeão das referências. Mas não é o que mais negócios fez. Alguns tiveram contabilidades modestas. Muitos casos as referências deram para pequenos negócios de 15 ou 20 euros. O tesoureiro António Oliveira teve mais sorte, ganhou 1200. Mas o campeão foi sem dúvida Jorge Amorim, que ganhou um contrato de mais de dois milhões de euros no Kuwait. A referência foi-lhe dada pela mulher, membro do Lion que trabalha numa empresa de contabilidade, mas o facto desta façanha nada ter a ver com a dinâmica do networking pouco conta. Importante é que o grupo tenha com este sucesso duplicado o seu volume de negócios.

De resto, Jorge Amorim é um membro diligente da comunidade. Na semana anterior ganhara quatro prémios anuais do Lion. Exibe-os com indisfarçável orgulho na sua mesa. Ser um bom membro e obter o reconhecimento da assembleia é uma tarefa levada muito a sério. Há muito para ganhar, todas as semanas: há prémios de assiduidade, prémios pelos negócios fechados, prémios pela qualidade das apresentações, prémios para quem consegue trazer mais visitas, prémios para que consegue mais “um a um”, para quem consegue fazer mais referências. Feitas as distinções entre muitos sorrisos e muitas palmas, o capítulo aproxima-se do fim. 

Quando o Presidente do capítulo dá por terminada a sessão, os membros levantam-se, retocam as pastas carregadas de cartões dos colegas para entregar a terceiros, arrumam os pequenos papéis com os contactos que terão de fazer e saem. Cá fora o ar continuava frio, o sol ia alto e o tráfego na Via Norte ouvia-se ao longe. Na hora das despedidas, os membros do Lion recordavam o mote do grupo: “Somos Lion, somos fortes”. Alguém dissera que “se o Lion existisse há mais tempo, o país não estaria como está hoje” e é nesta convicção que reside o maior mistério dos BNI. Todo aquele ritual, toda aquela encenação marcada por uma certa infantilidade tipicamente americana parece improvável. Mas, mesmo havendo quem ache que há por ali um certo ar de seita (na internet é fácil descobrir esta acusação), que não passa de um negócio que beneficia apenas quem está no topo, o facto é que os intervenientes levam aquilo a sério, parecem felizes por o fazerem assim e, com diferentes resultados, todos acabam por ganhar alguma coisa. Nem que seja uma venda de 17 euros.
 
 
 
 

Sugerir correcção
Comentar