O colapso do BES e a revolta dos emigrantes

É indecente a forma como, mais uma vez, os portugueses residentes no estrangeiro são tratados.

A satisfação que sempre acompanhou as notícias sobre as remessas dos emigrantes contrasta agora com a fria desconsideração de que são vítimas milhares de portugueses residentes no estrangeiro, perto de 80.000, por causa do colapso do BES, que abusou do dinheiro de muita gente que lhe confiou uma vida de trabalho.

Houve tempos em que as remessas eram um pilar importante da economia. E mesmo agora, na atualidade, ainda alimentam uma parte importante da liquidez dos bancos, visto que aquilo que os portugueses espalhados pelo mundo enviam para Portugal, com os que vivem em França à cabeça, se aproxima dos três mil milhões de euros anuais. Aliás, vários membros do Governo até têm feito um aproveitamento oportunista e indevido de cada vez que são divulgados os montantes das remessas, considerando-as um sinal de patriotismo e de vontade de ajudar o país a sair da crise.

A verdade, porém, é que o apetite dos bancos pelas poupanças dos emigrantes está nos antípodas da sobranceria com que o Banco de Portugal e o Novo Banco tratam deste drama, e da insensibilidade do Governo, que manhosamente vai acompanhando tudo à distância, procurando não ser atingido com os estilhaços da forte contestação que tem havido. Mas, ao porem-se de fora, Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque estão a revelar um total desinteresse pelo facto de milhares de emigrantes terem sido ludibriados por agentes do BES sem escrúpulos, que abusaram da ingenuidade de pessoas que pensavam estar a fazer depósitos a prazo e não a entregar o seu dinheiro para jogos de especulação financeira com sede em off-shores.

O que seria de esperar é que o Banco de Portugal e o Novo Banco fossem exemplares na aplicação de uma ética do Estado na defesa dos interesses dos seus cidadãos. Em vez disso, estão a tratar os emigrantes lesados de forma displicente, sem se preocuparem com a sua sorte nem com a forma como tudo aconteceu e está a acontecer. Estamos a falar de cidadãos simples, que fizeram uma vida de sacrifícios e privações, como tantas vezes acontece nas histórias de emigração, que foram levados a acreditar que estavam a amealhar para gozarem uma reforma confortável, mas que agora estão sem nada, desesperados e revoltados.

O logro a que os emigrantes lesados foram sujeitos não pode repetir-se de outras formas, com a cumplicidade do Banco de Portugal e do Governo. Agora que o Novo Banco está em processo de venda, o Estado tem a obrigação de proteger os seus cidadãos e defender os seus legítimos interesses em primeiro lugar, e só depois fazer os negócios que entender, mas sem os prejudicar. Se assim não for, então o Estado não é decente, as suas instituições descredibilizam-se e a confiança do povo perde-se. Entretanto, o Governo vai assobiando para o ar, numa demonstração de indiferença chocante, como se não fosse nada com ele. O que é o costume, de resto, sempre que se trata de emigração.

Por mais voltas que o discurso oficial dê, os residentes no exterior estão de novo a ser tratados pela sua pátria com a sobranceria do costume, filhos de uma deus menor, vítimas de um país que lhes recusou as oportunidades de terem uma vida decente, que agora lhes volta a negar o direito de reaverem o que lhes pertence e até que lhes foi prometido. Em vez disso, têm sido pressionados para assinarem contratos com condições inaceitáveis, cheios de uma linguagem técnica incompreensível, manipulados e chantageados sob a ameaça velada de perderem tudo. Um verdadeiro insulto.

Nem o Governo, nem o Banco de Portugal nem o Novo Banco perceberam ainda que, sendo insensíveis a este problema humano, com um grande simbolismo não apenas para os lesados, mas para os milhões de portugueses espalhados pelo mundo, é a própria imagem de Portugal que está a ser brutalmente atingida pela perda de confiança no país e pela revolta de quem tanto ama Portugal e só sofre desconsiderações.

É indecente a forma como, mais uma vez, os portugueses residentes no estrangeiro são tratados, não tanto pelo Banco de Portugal, pelo Governo ou pelo Novo Banco, mas por Portugal como nação. É impossível ficar passivo perante tanta indiferença por quem trabalhou uma vida inteira com sacrifício, foi enganado e agora se vê privado de tudo. Não pode ser!

Deputado do PS

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