O Clube dos Extremistas Sociais

É deplorável que uma universidade dê abrigo a um observatório travestido de gabinete de estudos da CGTP.

O texto que dediquei na quinta-feira ao Observatório Sobre Crises e Alternativas deu origem a inúmeras reacções, entre as quais um texto de Francisco Louçã no blogue Tudo Menos Economia e um artigo de opinião assinado por quatro investigadores do Observatório Sobre Crises, com Carvalho da Silva como primeiro subscritor.

Começo por Louçã, que embora seja demasiado inteligente para não ter percebido aquilo que eu escrevi, prefere, ainda assim, fingir que o objectivo do meu texto era defender o governo e os números oficiais do desemprego em Portugal. Não era. O objectivo era mesmo denunciar o Observatório Sobre Crises e Alternativas e sublinhar a homérica vergonha que é andar a chamar “investigação científica” ao mais puro combate ideológico. Claro que todos nós temos convicções que marcam o nosso trabalho. Para dar um exemplo da área ideológica de Louçã: se Fernando Rosas foi torturado pela PIDE, é expectável que isso influencie o seu olhar sobre o Estado Novo. Mas não é por ter sido preso, nem por pertencer ao Bloco de Esquerda, que os seus livros de História deixam de ser trabalhos sérios. A razão é simples: há uma diferença radical entre as convicções ideológicas de um determinado autor marcarem o seu trabalho académico, e o seu trabalho académico ser integralmente construído para servir as convicções ideológicas de determinado autor. Ora, é isto que acontece no Observatório Sobre Crises.

Louçã chama a atenção no seu post para dados oficiais que mostram que há uma diferença de 150 mil pessoas entre o número de desempregados segundo o INE e aqueles que andam à procura de emprego segundo o IEFP. Sejamos claros: essa divergência merece certamente ser investigada. Só que o Boletim nº 13 do Observatório Sobre Crises não faz nada disso. O que ele faz é ir acrescentando aos números oficiais camadas de alegados desempregados, não-empregados, mal empregados e sub-empregados, chegando ao ponto inconcebível de engordar o desemprego com os emigrantes em idade activa. Isto é aceitável para alguém?

Pelos vistos, sim: é aceitável para o CES e para o Observatório sobre Crises. Basta, aliás, olhar para os títulos dos seus boletins para mergulharmos de cabeça na pseudociência: “Segurança Social: a austeridade põe as pensões em risco”(Boletim n.º 10), “Orçamento para 2015: mais custos para pior Estado” (n.º 11), “O salário mínimo: a decência não é um custo” (n.º 12). Se isto é linguagem académica, então eu vou compilar os meus textos do PÚBLICO e chamar-lhes uma tese de doutoramento. É deplorável que uma universidade dê abrigo a um observatório travestido de gabinete de estudos da CGTP, e que esse trabalho passe para a comunicação social com o carimbo da credibilidade científica.

Faço notar que o artigo que Carvalho da Silva et al. assinam hoje neste jornal é bastante mais sensato do que o Boletim n.º 13 que esteve na origem do meu artigo anterior. Não é por acaso que os quatro autores se entretêm apenas a defender a credibilidade das suas subcategorias esquecendo o mágico número dos 29% de desemprego “real” que tanto entusiasmou o El Mundo, e que implicaria que um em cada três portugueses activos estivesse sem trabalho. Caros senhores: o problema não está na definição de cada categoria. O problema está na sua soma aritmética. É essa soma que é 0% ciência e 100% política. É essa soma que faz do CES um Clube de Extremistas Sociais. É essa soma, enfim, que envergonha quem ainda acredita na nobreza da palavra “ciência” em Portugal.

Jornalista

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