O camião-fantasma

As nossas sociedades terão de mudar muito para poder enfrentar estas mudanças de forma a que todos beneficiem delas.

Se querem conhecer o futuro, sigam os camionistas. Eles são uma das categorias profissionais mais numerosas em todos os países e continentes. Em 2006 eles representavam 1,3% da força de trabalho nos Estados Unidos da América: um milhão e seiscentos mil, mais do que todos os professores de escola primária. Na União Europeia, onde a sua atividade é enquadrada por regulamento comunitário, as rotas que eles fazem são as veias e artérias da economia.

Porquê os camionistas? Por causa disto: na semana passada, a fabricante de automóveis alemã Daimler mostrou um seu camião a viajar em piloto automático, e anunciou que espera estar em plena produção em série destes camiões em 2025. É certo que estes camiões ainda têm um condutor, que está ao lado do volante com um computador ou tablet, e que poderá tomar conta da condução quando necessário. Mas outras marcas já testaram automóveis inteiramente desprovidos de condutor humano. Por sua vez, a Volvo já testou camiões automáticos em pelotão: só o primeiro veículo tem condutor, e os três ou quatro a seguir seguem-no como camiões-fantasma.
Não nos iludamos. Aproxima-se o dia em que uma categoria profissional inteira se tornará desnecessária. Com o tempo que demora a substituir frotas e um período normal de habituação, pode ser daqui a vinte anos, mas a maior parte das pessoas que estão a ler este artigo verão esse dia.

A partir daqui, os argumentos bifurcam-se. Alguns leitores pensarão nos milhões de pessoas que vão para o desemprego, muitas das quais terão dificuldades em transitar para outras profissões. Outros dirão: sem problema. Novas profissões nascerão, e o resto é boa notícia: menos acidentes, exportações mais baratas (diz-se que o salário do motorista é um terço do custo do transporte), menos poluição (se os veículos forem elétricos e se auto-dirigirem para as estações de recarga), etc.

Os camionistas podem ser as primeiras vítimas da automação (para não falar dos portageiros). Mas ninguém garante que serão as últimas. Segundo a estatística norte-americana que citei no início, a categoria profissional mais numerosa dos EUA são os vendedores do retalho (mais de quatro milhões, ou 3,3% de todos os trabalhadores) seguidos dos operadores de caixa (mais de três milhões, ou 2,6%). Com mais ou menos dificuldade técnica, não creio que possam estar a salvo da automação.

O que se faz com isto? É fácil ver que as nossas sociedades terão de mudar muito para poder enfrentar estas mudanças de forma a que todos beneficiem delas. Essas mudanças começam num sistema de educação que deve preparar as pessoas para atividades com mais valor humano acrescentado, como criatividade, empatia e responsabilidade social. Passam pela partilha do tempo de trabalho. E têm obrigatoriamente que chegar à fiscalidade e à segurança social, onde as empresas altamente lucrativas mas com poucos trabalhadores têm de pagar mais, muito mais.

Quanto a Portugal, que se ponha em guarda. Com uma força de trabalho com baixos níveis de formação, uma crise que nos deixou presos ao pensamento de curto-prazo e uma elite que não tem demonstrado capacidade de deliberar para o futuro, arriscamo-nos a ser atropelados pelo camião-fantasma.

Sugerir correcção
Comentar