O banqueiro central do mundo

A Reserva Federal norte-americana não pode apenas garantir equilíbrios internos; tem que se assumir como banqueiro central do mundo para, entre outros, apoiar o crescimento da Europa.

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Janet Yellen lidera a Fed Nicholas KAMM/AFP

Nos dias de hoje, a Reserva Federal dos Estados Unidos está amplamente satisfeita com a sua política monetária. Mas, desde meados de 2007, a sua política tem sido insuficientemente expansionista. A política com mais probabilidade de ter sucesso neste momento seria análoga à aplicada pela Fed em 1979 e 1933, pela Grã-Bretanha em 1931 e por Shinzo Abe hoje.

Aqueles que temem que a abordagem da Fed aprofundou muito o mal-estar da economia dos EUA e que está a transformar o desemprego cíclico da América num permanente não-emprego estrutural a longo prazo perderam o argumento da política monetária nacional. Mas há outro argumento relacionado com a política que precisa de ser adicionado. A Fed não se resume apenas a ser o banco central dos EUA; é o banco central do mundo.

O actual regime de taxas de câmbio da América é um regime de taxas variáveis – ou pelo menos de taxas que podem variar. Nas décadas de 1950 e 1960, economistas como Milton Friedman partiram do princípio que um regime global de taxas de câmbio variáveis seria um regime no qual os valores da moeda moviam-se lentamente e gradualmente juntamente com diferenças na inflação da economia e nas taxas de crescimento de produtividade.

Nos anos 70, o economista Rudi Dornbusch ensinou-nos (realmente) que isso estava errado: um regime de taxas variáveis capitaliza as esperadas diferenças futuras nas taxas de juros nominais sem as taxas de inflação, na taxa de câmbio actual. Um país que muda a sua política monetária vis-à-vis aos EUA altera muito mais a sua actual taxa de câmbio; e, no mundo altamente globalizado de hoje, isso significa transtornar substancialmente os sectores de importação e de exportação de um país. Uma vez que nenhum governo quer fazer isso, hoje quase todos os governos seguem os EUA na definição da política monetária, divergindo apenas com alguma timidez e com cautela.

Então os EUA não são só uma economia num mundo de economias que seguem as suas próprias políticas monetárias sob um regime de taxas de câmbio flexíveis. Os EUA são, pelo contrário, uma hegemonia global: o banco central para o mundo, com uma responsabilidade não só de estabilizar a produção, o emprego e a inflação, e garantir a estabilidade financeira nos Estados Unidos, mas também para gerir totalmente a economia do mundo.

Uma área de preocupação é a saúde e a estabilidade do crescimento nos mercados emergentes, à medida que eles tentam tirar proveito dos influxos de capital; satisfazer as exigências do Atlântico Norte para abrir mercados financeiros; e gerir a instabilidade resultante criada pela especulação do “hot money”, do “carry trade”, da exuberância irracional e dos excessos. Os governadores dos bancos centrais dos mercados emergentes receiam uns EUA que alternem entre a política expansionista que alimenta enormes influxos de “hot money” e uma espiral inflacionária interna, e uma rápida restritividade que sufoque o crédito e provoque uma recessão nacional.

Depois há o grande problema que a economia global enfrenta hoje: a crise da Europa e da zona euro. A criação do euro sem uma união financeira adequada significava que as transferências dos excedentes para as regiões deficitárias não iriam eliminar ou mesmo amortecer os desequilíbrios da procura. O facto de a zona euro carecer da flexibilidade do mercado de trabalho necessária para torná-la num espaço monetário ideal significava que a adaptação através da redistribuição regional da actividade económica seria glacial, enquanto a perda de controlo dos seus membros sobre a política monetária excluía a adaptação através da depreciação nominal.

Além disso, a Europa carece de instituições de governação necessárias para escolher o caminho mais fácil para administrar o reequilíbrio económico: moderar a inflação no Norte, em vez de oprimir a deflação e a falência universal no Sul. O projecto institucional da União Europeia amplifica as vozes desses interesses, pressionando por políticas que colocaram agora a Europa no caminho deflacionário, sem garantir décadas perdidas durante as quais a UE não irá conseguir realizar crescimento e prosperidade.

Temos um exemplo do início do século XX das consequências políticas de um período semelhante de depressão e estagnação económica. A reacção à qual Karl Marx chamou de “cretinismo parlamentar” é a ascensão de movimentos que procuram, em vez disso, um líder decisivo – alguém que diga às pessoas o que fazer. Tais líderes cedo aprendem que as suas soluções não são melhores do que as de qualquer outra pessoa e decidem que a melhor maneira de se manterem no poder é pondo a culpa nos estrangeiros por todos os problemas. Deste modo, eles glorificam a “nação” e focam as suas políticas em discussões sem vencedores com outros países e em transformar em bode expiatório os “forasteiros” pervertidos nos seus países.

Isto não é do interesse da Europa e não é do interesse dos Estados Unidos terem de lidar com uma Europa assim. Uma Europa estável, próspera e democrática implica um mundo muito melhor e mais seguro para os EUA.

É aqui que a Fed entra em cena. Ao mudarem o seu regime de política monetária de forma a atingirem 4% da inflação anual – ou 6% do crescimento do PIB nominal anual – os EUA iriam activar um rápido reequilíbrio na zona euro. Em vez de verem a valorização do euro em 30% que se seguiria à actual política monetária do BCE, os exportadores alemães iriam gritar por providências que impedissem a “desvalorização competitiva” da América, conseguindo finalmente uma inflação moderada no Norte e não a presente depressão oprimida no Sul.

Um mundo no qual os EUA têm um historial comprovado de honrarem a confiança que lhes é exigida para desempenharem o papel de hegemonia económica global é um mundo muito melhor para os EUA do que um onde não são de confiança. Simplificando, os EUA devem administrar a economia global para o bem comum colectivo ou, caso contrário, enfrentar um mundo onde a gestão macroeconómica global resulta de lutas políticas nacionais para o abismo.

Os interesses da América relacionados com a segurança, política e, sim, com a economia a médio e a longo prazo exigem que a Fed reconheça que a sua missão política não é concentrar-se estritamente na tentativa de alcançar e manter o equilíbrio interno. Em vez disso, é aderir e cumprir o seu papel de banco central do mundo, equilibrando a procura agregada e a potencial oferta para a economia global como um todo.

Professor de Economia na Universidade da Califórnia e investigador associado no NBER
 

   

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