Numa ruptura inédita, UGT perde sindicato dos tripulantes

Associados do SNPVAC decidiram desfiliar-se da central sindical, fruto de um mal-estar que se intensificou com a greve na TAP, no final do ano passado.

Foto
Tripulantes afirmaram que relação com a UGT estava a degradar-se AFP PHOTO / PATRICIA DE MELO MOREIRA

A ameaça confirmou-se e a UGT acaba de perder o sindicato dos tripulantes, numa ruptura sem precedentes. A decisão foi confirmada na segunda-feira à noite, após a assembleia geral do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), na sequência de um referendo em que a maioria dos associados votou a favor da desfiliação da central sindical.

O SNPVAC, que na segunda-feira não quis prestar declarações sobre este tema, acaba de divulgar um comunicado em que confirma que "após votação referendária em relação à permanência ou não na UGT, 84% dos votos dos associados foram no sentido da desvinculação daquela central sindical".

O sindicato refere apenas que a decisão será agora comunicada à UGT ficando este assunto, "objecto de abaixo-assinados e pedidos por parte de associados desde há vários anos, encerrado".

Já a central sindical reagiu ainda na segunda-feira à noite ao resultado da assembleia geral, afirmando que “lamenta a decisão do SNPVAC”, embora reconheça “legitimidade democrática dos seus dirigentes e associados quanto a essa decisão”. Num comunicado enviado às redacções, a UGT rejeita os argumentos invocados pela direcção do sindicato “pelo facto de não serem verdadeiros”.

Um dos motivos que estará por detrás desta ruptura é o mal-estar entre o SNPVAC e a central sindical, que se intensificou perante a greve na TAP convocada para o período entre o Natal e o Ano Novo contra a privatização do grupo.

Os protestos foram marcados por 12 estruturas sindicais, mas apenas três os mantiveram, tendo as restantes chegado a acordo com o Governo para levantar a paralisação. Deste grupo fazem parte três sindicatos filiados da UGT: o Sindicato dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves, o Sindicato dos Quadros da Aviação Comercial e o Sindicato dos Economistas.

O SNPVAC foi um dos três que nunca cedeu na contestação à privatização da transportadora aérea, o que levou, aliás, o sindicato a perder o seu presidente, quando, em meados de Dezembro, este assinou uma proposta de acordo que foi enviada ao Governo. Em Outubro, os tripulantes também tinham realizado uma greve de quatro dias para exigir o cumprimento do acordo de empresa.

Na convocatória aos associados para o referendo realizado entre 10 e 24 de Março, o SNPVAC não se alongava nas justificações, referindo apenas que as relações com a UGT se tinham vindo a “degradar, particularmente após a tomada de posse do novo secretário-geral, Carlos Silva”. Os tripulantes escreviam ainda que não podem “tolerar medidas de discriminação negativa e silenciosa” por parte da central sindical e referiam uma carta enviada pela UGT, descrevendo-a como “ofensiva”.

UGT acusa sindicato de querer "atirar uns sindicatos contra os outros"
No comunicado que divulgou na segunda-feira à noite, a central sindical frisou que “manifestou-se publicamente contra a privatização da TAP”, tendo o secretário-geral “transmitido o seu apoio pessoal à greve que foi decretada pelo SNPVAC” em Outubro.

“Se a direcção do SNPVAC tinha em mente a sua desfiliação da UGT, por motivos que sinceramente não descortinamos, então que se socorresse de outros argumentos, mas nunca o da ausência de solidariedade do actual executivo e do secretário-geral”, lê-se na nota da central sindical.

A UGT acusa mesmo o SNPVAC de ter exigido que a central sindical “tomasse uma posição contrária” à assumida pela plataforma de nove sindicatos que chegou a acordo com o Governo, fazendo referência ao facto de nesse grupo se encontrarem “outros três sindicatos filiados”. A direcção do sindicato dos tripulantes é, por isso, acusada de querer “atirar uns sindicatos contra os outros, pretendendo que a UGT apoiasse a sua posição em detrimento da dos outros três e da plataforma, o que foi recusado”.

A central sindical frisa ainda que “o secretário-geral é o porta-voz de um colectivo” e que a direcção do SNPVAC “fez mal em assumir a ruptura, conduzindo os seus associados para um maior isolamento do movimento sindical democrático e plural”.

“Foi o SNPVAC que se afastou da UGT e dos seus princípios, e não o contrário, como se pretende fazer crer”, afirma a central sindical na nota, concluindo que “a porta de saída da UGT é a mesma da entrada”.

Isto embora acrescenta que “se e quando o SNPVAC desejar regressar ao seio do movimento sindical democrático e livre que a UGT é, será sempre bem-vindo, pois foi e será sempre um dos nossos” já que “os líderes passam e as Instituições ficam”.

Esta decisão dos tripulantes constitui um facto inédito na história da UGT, segundo confirmaram ao PÚBLICO vários dirigentes no início de Março. Trata-se da primeira vez que a central sindical se confronta com uma situação de saída por ruptura, incluindo a realização de um referendo deste tipo.

Sérgio Monte, o dirigente da UGT responsável pela área dos transportes, referiu na altura que já houve desfiliações por iniciativa da central, como aconteceu com o Sindicato da Indústria Metalúrgica e Afins, cujo afastamento o responsável justificou com questões relacionadas com o incumprimento dos estatutos.

Para encontrar outro caso de saída por opção é preciso recuar a 2008, quando o Sindicato Nacional dos Profissionais de  Seguros e Afins (Sinapsa) decidiu deixar a UGT, num processo "pacífico" e sem qualquer desentendimento, como confirmou ao PÚBLICO Sérgio Monte. As restantes situações têm a ver com sindicatos que se extinguiram para serem integrados noutras estruturas da UGT.

Sugerir correcção
Ler 9 comentários