Novas regras do Fundo de Garantia Salarial ainda não resolvem todos os problemas

Alterações só abrangem novos pedidos de acesso ao fundo e não clarificam situação das empresas insolventes em recuperação

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Mais trabalhadores poderão beneficar do fundo que paga salários em atraso.

As novas regras de acesso ao Fundo de Garantia Salarial (FGS) apenas terão efeitos para o futuro e não resolvem todos os processos que, nos últimos dois anos, têm vindo a pôr em confronto a Segurança Social e os trabalhadores com salários em atraso. O alerta é dos sindicatos, gestores de insolvência e advogados. O Governo enviou na terça-feira aos parceiros sociais uma proposta de decreto-lei (que ainda será negociada) para clarificar o regime do FGS, adaptando-o aos novos mecanismos de recuperação de empresas que estão em vigor desde 2012. Mas deixa várias questões em aberto.

O diploma começa por alargar o universo de trabalhadores com acesso ao fundo. Além das empresas declaradas insolventes pelo tribunal ou em processo de recuperação no âmbito do SIREVE (sistema de recuperação por via extrajudicial), passam a ser também abrangidos os trabalhadores de empresas que iniciaram um processo especial de revitalização (PER). Porém, o Governo continua sem deixar claro que o acesso também é permitido quando as empresas entram em insolvência e têm planos de recuperação aprovados pelos credores.

É esta lacuna que leva Rui Murta, um dos administradores de insolvência nomeado para um processo em que o FGS recusou o pagamento, a temer que as alterações não resolvam todos os problemas. Como nem todas as empresas declaradas insolventes seguem para liquidação, o responsável receia que as que tentem a viabilização financeira não sejam consideradas, porque o anteprojecto não é claro.

 “Ao colocar como requisito a sentença de declaração de insolvência, não se especifica os casos em que há planos de recuperação, o que pode levar o fundo a recusar o pagamento”, referiu ao PÚBLICO. Para Rui Murta, o diploma deveria estabelecer esse critério, mas acrescentar: “mesmo que as empresas vão para recuperação”.

O administrador de insolvência viveu de perto um caso destes, com a insolvência da Pluricoop, a maior cooperativa de consumo do país que geria 30 supermercados e que empregava mais de 200 pessoas. Quando foi aprovada a recuperação, o FGS recusou-se a pagar os créditos dos trabalhadores. A situação mantém-se, apesar de a empresa não ter conseguido cumprir o objectivo de viabilização financeira e o plano ter fracassado.

O mesmo aconteceu com a Novopca, empresa de construção civil declarada insolvente e que posteriormente aprovou um plano de recuperação. Os trabalhadores viram o FGS negar-lhes o pagamento dos créditos, decisão que alguns contestaram na justiça. Num dos casos, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada acabou por condenar o fundo a pagar, com o argumento de que o importante “é a insolvência ser reconhecida pelos tribunais, quer implique liquidação ou recuperação”.

O presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Judiciais (APAJ), que representa a classe, alinha pela opinião de Rui Murta: “Seria melhor clarificar a abrangência do diploma nos casos de empresas em insolvência que entram em recuperação para que não restassem dúvidas”.

Para Inácio Peres, o facto de os PER passarem a estar incluídos no diploma deveria, por si só, obrigar o fundo a pagar aos trabalhadores ligados a empresas naquela situação. “Se aplicam ao PER, é porque também têm de aplicar às recuperações dentro da insolvência”, visto que o objectivo é o mesmo, considera.

Entendimento semelhante tem o representante da CGTP no conselho de gestão do FGS. Augusto Praça defende que a proposta, tal como foi apresentada, “não resolve o problema de fundo”, nem respeita as directivas europeias.

Alerta ainda para outro problema: o diploma só se aplica “aos requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor”, deixando de fora uma grande parte dos 6000 trabalhadores de empresas com PER ou planos de recuperação aprovados que actualmente têm visto o FGS recusar os seus requerimentos.

Alguns destes trabalhadores poderão vir a beneficiar do novo regime, desde que ainda estejam dentro do prazo para apresentarem o requerimento. De acordo com a proposta, o fundo “só assegura o pagamento dos créditos que lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”. É uma melhoria face aos nove meses actualmente em vigor, mas não suficiente para abranger todos os trabalhadores.

Na reunião do conselho de gestão, marcada para 8 de Outubro, a CGTP vai defender que as novas regras sejam retroactivas.

“Deveria dar-se um ano, após a entrada em vigor do diploma, para que os trabalhadores de empresas em PER ou com planos de recuperação aprovados pudessem fazer novo requerimento ao FGS”, sugere Emanuel Carvalho, advogado que patrocina várias acções de trabalhadores contra o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (entidade que gere o fundo).

Ao que o PÚBLICO apurou a proposta ainda está em aberto e poderá haver margem para integrar os contributos dos parceiros.

 Trabalhadores em segundo plano

No diploma, propõe-se uma alteração que levanta dúvidas à CGTP. Quando o fundo paga parte dos créditos aos trabalhadores, torna-se credor da empresa em insolvência ou em dificuldades. Porém, a proposta do Governo acrescenta um artigo para os casos em que os bens da empresa insolvente são insuficientes para pagar todos os créditos laborais. Nesse caso, o fundo terá prioridade face aos trabalhadores que beneficiaram do adiantamento.

Na prática, alerta Augusto Praça, o FGS será ressarcido primeiro do que o trabalhador, que pode, em última instância, não receber mais do que já recebeu do fundo.

A proposta do Governo regulamenta também a articulação entre o FGS e os fundos de compensação do trabalho criados no ano passado e que têm competências semelhantes no que respeita ao pagamento de compensações por despedimento.

O diploma transpõe ainda para o direito nacional uma directiva europeia relacionada com a protecção dos trabalhadores nos casos em que uma empresa entra em insolvência noutro Estado-membro. Assim, o FGS passa a abranger os trabalhadores que exercem ou exerciam a sua actividade em território nacional ao serviço de uma empresa com actividade em dois ou mais estados da União Europeia e que foi declarada insolvente por um tribunal de outro Estado-membro.

O FGS foi criado para dar resposta aos trabalhadores de empresas em insolvência, situação económica difícil ou em insolvência iminente (este terceiro critério foi agora introduzido) que têm salários em atraso ou outros créditos laborais. Cabe aos trabalhadores accionar o fundo, tendo que entregar um requerimento na Segurança Social no prazo de um ano (contado desde o dia seguinte à cessação do contrato). A resposta tem de chegar no prazo de 60 dias, de acordo com o novo regime (antes eram 30, mas não eram cumpridos)

O fundo assegura o pagamento dos créditos vencidos nos seis meses anteriores à insolvência ou à apresentação do requerimento do PER ou do SIREVE. Mas há limites e ao todo um trabalhador poderá receber no máximo um pouco mais de 9000 euros (três vezes o salário mínimo, durante seis meses).

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