Nomeação na Justiça divide ministra e comissão que recruta dirigentes públicos

Designação de substituto de Maria Antónia Anes, presa na sequência do caso dos vistos gold, foi feita sem concurso. Paula Teixeira da Cruz justifica decisão com o facto de se tratar de um magistrado, mas esta visão é contrariada pela Cresap.

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Ministra nomeou Carlos Sousa Mendes a 26 de Dezembro Foto: Miguel Manso

A nomeação do novo secretário-geral do Ministério da Justiça está a dividir a ministra e a comissão que recruta os dirigentes do Estado. Na base da discórdia está o facto de a designação ter sido feita sem concurso público, o que Paula Teixeira da Cruz justifica com a excepção que existe na lei para os magistrados. No entanto, o órgão liderado por João Bilhim tem uma interpretação diferente, considerando que era obrigatório ter havido um procedimento concursal para que o cargo deixado vago por Maria Antónia Anes, presa na sequência do caso dos vistos gold, fosse ocupado.

Foi a 26 de Dezembro que foi publicada, em Diário da República, a nomeação de Carlos Sousa Mendes para secretário-geral do Ministério da Justiça. No despacho, o ministério faz referência às alterações legais que, em Agosto de 2013, vieram isentar alguns magistrados de ir a concurso.

Nessa mudança no Estatuto do Pessoal Dirigente, foi incluído um artigo que exclui da sua aplicação algumas carreiras, nomeadamente “os titulares dos cargos de direcção superior dos serviços e organismos do Ministério da Justiça que devam ser providos por magistrados judiciais ou por magistrados do Ministério Público”, estabelecendo que estes são designados “por despacho do membro do Governo responsável pela área da Justiça”. Ou seja, não são sujeitos a concurso público, como acontece com a maioria dos dirigentes públicos.

Mas esta excepção limita-se, como refere a lei, aos cargos de direcção que devam ser assumidos por magistrados, o que, ao contrário do que agora aconteceu, não é regra na Secretaria-Geral da Justiça. A anterior responsável, que Carlos Sousa Mendes veio substituir, não tinha essa carreira.

Questionada sobre esta nomeação, fonte oficial da tutela respondeu, por isso, que “o secretário-geral do Ministério da Justiça, sendo Procurador da República, está, como todos os magistrados, exceptuado de concurso da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (Cresap), como poderá confirmar, consultando a lei”. Carlos Sousa Mendes é, de acordo com o currículo publicado em anexo ao despacho, Procurador da República desde o ano 2000, tendo sido escolhido como adjunto do gabinete da ministra no ano passado.

Mas esta alteração ao Estatuto do Pessoal Dirigente, que já na altura causou divisões dentro do Governo, continua a gerar dúvidas. A Cresap, criada em 2012 para gerir os concursos públicos e dar pareceres ao Governo sobre administradores de entidades do Estado, como empresas e reguladores, tem uma interpretação diferente de Paula Teixeira da Cruz, considerando que, para haver excepção, era preciso que tal estivesse previsto na lei orgânica do organismo: a Secretaria-Geral do Ministério da Justiça.

Cresap contesta nomeação
Contactada pelo PÚBLICO, a Cresap confirmou que esta designação não passou pelo seu crivo, defendendo que deveria ter sido esse o procedimento. “Independentemente de ser magistrado ou não, para um cargo não cair na lei geral (que é de concurso público), a lei orgânica desse organismo tem de o permitir. Acontece que tal não é o caso da Secretaria-Geral”, respondeu a entidade liderada por João Bilhim.

De facto, a lei orgânica daquele organismo é omissa no que diz respeito a esta excepção, referindo apenas que “é dirigida por um secretário-geral, coadjuvado por um secretário-geral adjunto, cargos de direcção superior de primeiro e segundo graus, respectivamente”. A lei orgânica nada refere sobre a forma como são designados os responsáveis máximos do organismo.

Confrontada com a interpretação da Cresap, fonte oficial da tutela de Paula Teixeira da Cruz respondeu: “Nenhum comentário”. Mas acrescentou que o entendimento da comissão de recrutamento “nunca foi veiculado ao Ministério da Justiça. Não esclareceu, porém, o motivo pelo qual a lei orgânica não faz referência a esta excepção.

Já a Cresap, quando questionada sobre se tomará alguma medida na sequência deste caso, afirmou que “não tem poderes de fiscalização das acções do Governo”, acrescentando que “compete a quem se julgar prejudicado reclamar junto do Provedor de Justiça ou colocar a questão no Tribunal Administrativo com fundamento em nulidade”. A comissão de recrutamento referiu ainda que “compete à Inspecção Geral de Finanças, herdeira das competências de fiscalização da antiga inspecção da Administração Pública, proceder a um acto inspectivo quando tal situação seja de seu conhecimento”.

A nomeação em causa veio resolver o vazio criado com a saída de Maria Antónia Anes da Secretaria-Geral. A antiga responsável máxima do organismo pediu a demissão depois de ter sido detida no âmbito das investigações à atribuição dos vistos gold, tendo sido exonerada por Paula Teixeira da Cruz a 17 de Novembro e estando neste momento em prisão domiciliária.

Tal como acontece com os magistrados, houve outras excepções introduzidas no Estatuto do Pessoal Dirigente em Agosto de 2013. Numa primeira versão, a lei não sujeitava a concurso os serviços de apoio ao Presidente da República, à Assembleia da República e aos tribunais, as Forças Armadas, as forças e serviços de segurança e os órgãos públicos que exercem funções de segurança interna. Também eram excepcionados as equipas de gestão dos estabelecimentos de ensino e do sector público administrativo de saúde, bem como serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros que tenham de ser liderados por diplomatas.

Mas no Verão de 2013 a lista passou também a incluir os cargos em organismos do Ministério da Justiça que devam ser providos por magistrados, usando a mesma formulação para os serviços do Ministério da Administração Interna, embora neste caso se explicite que a excepção será feita “nos termos dos respectivos diplomas orgânicos” dos organismos. Também ficou isento o titular do cargo de direcção superior de primeiro grau da Autoridade Nacional de Protecção Civil quando provido por oficial das Forças Armadas ou das forças de segurança.

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