No processo BES, os portugueses exigem e merecem justiça

Os americanos usam uma expressão forte. Impressiva: “Too big to jail”! Demasiado grande para ser preso. Há processos em que a competência, a autonomia, a ética e a moral não chegam. É preciso coragem. Para enfrentar o poder político e financeiro. Sabe-se lá que mais.

O código dos banqueiros desconhece a moral e a lei. Falsidades, fraudes e irregularidades medraram à vontade anos a fio. A conjura com a política também. Ninguém sabia de nada! A troika não viu nada. Veio instalar a austeridade alemã.

Miguel Beleza, economista e financeiro, foi ministro das Finanças e governador do Banco de Portugal. Está “desiludido”! Ricardo Salgado estava acima de qualquer suspeita!

A Justiça tem de ser rápida e eficaz. Sumária. Casos como o BES sucedem porque a Justiça não meteu nenhum banqueiro na prisão! Não encarcerou Ricardo Salgado e família. Autores dos crimes que se investigam e cujo cometimento, segundo as regras do Estado de Direito, ainda não se demonstrou. Esquece-se a grandeza civilizacional do processo penal. Os grandes princípios deste. Os direitos de defesa. Só somos culpados após condenação definitiva. Os banqueiros também. O resto é a selva.

O FBI é a maior e mais apetrechada polícia de investigação criminal do mundo. Richard Fuld, director do banco Lehmans Brothers, levou-o à falência em meados de 2008. Continua a sua vida alegremente na Wall Street. Federico Rampini, escritor e jornalista, diz que Richard Fuld “continua muito bem, graças a Deus”. A falência do Lehman Brothers provocou a maior crise económico-financeira das últimas dezenas de anos. O FBI investiga. Os americanos e o mundo aguardam.

Em Portugal, não se aceita o tempo da Justiça. Acelera-se-lhe sempre o relógio. Usurpam-se-lhe as funções. Condena-se ou absolve-se na sala de audiências dos julgamentos paralelos. No “tryal by newspaper”. Invertem-se os termos da questão e discussão. A Justiça não julga os crimes, é julgada pelos crimes. Os processos dissolvem-se, desacreditam-se. Os responsáveis criminalmente escapam no burburinho e turbilhão da discussão e especulação. Na manipulação da opinião pública. A violação do segredo de Justiça colabora.

O Estado não investe na investigação criminal. A criminalidade aperfeiçoa-se. Moderniza-se. O Estado minimiza-se. Faz de conta enquanto pode.

O Ministério Público (MP) tem os instrumentos do costume. Meia dúzia de magistrados e funcionários. A Polícia Judiciária para colaborar. Colabora como e quando lhe apetece. Tem “autonomia técnica”. Faz o favor de “ceder” ao MP os agentes que lhe apraz dispensar. Tem-se por magistratura! Pontualmente, terá a colaboração da Direcção-Geral dos Impostos. Não podem dar muito do seu saber e esforço. A cobrança de impostos é prioritária. Mais pontualmente, um técnico desta ou daquela especialidade. Em regime de biscate, part-time, acumulação de serviço.

Branqueamentos de capitais, falsificações, gestão danosa, burlas, falências dolosas, malas de dinheiro, fraudes disto e daquilo. Uma sucessão de muitos anos. O MP se não tem meios, deve exigi-los ao poder político, que tem obrigação legal de lhos dar. Denunciar agora a falta deles. Deve distanciar-se do poder. Também para isso, é preciso coragem.
Não se exigem condenações. Exige-se Justiça.

Procurador-geral adjunto

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