No ano das confusões e das pressões políticas, exige-se transparência e rigor

Finanças públicas vão entrar no centro do debate político.

Os próximos meses serão de alguma confusão no debate sobre as finanças públicas. Então, o Governo diz que vai conseguir alcançar o objectivo para o défice de 4%, apesar dos acórdãos do Tribunal Constitucional, e a UTAO refere um défice de cerca de 10%? Qual o impacto das empresas públicas que passam a integrar o perímetro orçamental das administrações públicas na situação financeira do Estado? Em que ano se vai reflectir, no défice e na dívida, a reclassificação destas empresas no perímetro? A introdução do novo sistema de contas nacionais (passagem de SEC95 para SEC2010) ao alterar o valor da dívida, altera-a apenas contabilisticamente ou também efectivamente?

Gostaria de esclarecer o leitor sobre estas e outras questões, mas na realidade quem lhes irá responder é o INE/Eurostat em final de Março 2015, o que se percebe (é a data em que o INE tem que enviar a informação para o Eurostat), mas é muito tempo para que suspendamos o debate sobre estas questões. Por isso vamos abordar algumas delas depois de uma breve excursão pelos dados da execução orçamental.

Como sempre, em 2014, deveremos considerar o défice sem eventos de natureza extraordinária (não ajustado ou ajustado do efeito do ciclo económico), e o défice com medidas extraordinárias. Aquilo que interessa  para perceber a evolução que o país está a ter, no que toca ao défice, seria o défice sem medidas extraordinárias, sem juros e corrigido do ciclo económico, isto é, assumindo que a economia crescia ao nível do seu potencial, aquilo que chamamos o défice primário estrutural. Aquilo que aqui analisamos é uma estimativa para o desvio do saldo orçamental sem medidas extraordinárias, nem alterações do perímetro orçamental, isto é, sem o impacto das empresas que, já o sabemos, neste ano integrarão o “Estado”.

Desse ponto de vista, a nossa estimativa é que o défice seja de 3,86% (4%-0,14%). Este é o valor que deve ser comparado com o de 2013 pelo que, no que toca ao défice (!) há uma melhoria das contas públicas (porém, em relação à dívida, que é o mais importante, a conclusão é a oposta). Convém ver como se chegará a este resultado: a contribuir positivamente para o desvio em relação ao previsto no rectificativo de Maio (por razões de comparabilidade não usamos o segundo retificativo) estão sobretudo os impostos (IVA, IRS e IRC) as contribuições para CGA e Segurança Social acima do previsto e “poupanças” em todas as prestações sociais (subsídio de desemprego, RSI, Acção Social, CSI e subsídio familiar a crianças e idosos). 

O impacto do acórdão do Constitucional também se faz sentir no agravamento das despesas com pessoal, onde os cortes salariais de Teixeira dos Santos, menores dos que os introduzidos no OE2014, terão efeitos a partir de meados de Setembro até final do ano. A despesa com pessoal também aumentou pois o Estado subiu a taxa de contribuição dos trabalhadores em funções públicas para a CGA (antigos) e segurança social (novos), alinhando-a com a taxa paga pelos privados para a segurança social.

As pensões continuam a crescer mais do que o previsto (quer na CGA quer na Segurança Social) e mais do que o acréscimo previsto nas contribuições, o que contribui também para o agravar do défice em relação à previsão dos 4% do PIBpm. De natureza extraordinária, há várias operações que podem fazer subir o défice e a dívida neste ano. A maior é a do Fundo de Resolução (FR) criado para subscrever capital do Novo Banco. O empréstimo de 3900 milhões do Tesouro ao FR não afecta o défice (pois são duas entidades públicas e consolidadas) nem a dívida (pois usa depósitos de dívida já contraída). Já a subscrição de capital do Novo Banco pelo FR não afectará a dívida nem o défice só se o FR não tiver imparidades com a venda do Novo Banco, ou caso existam, elas não sejam assumidas pelo Estado, mas pela banca.

O facto de entrarem novas empresas para a contabilidade do défice e da dívida pública, na óptica de Maastricht, é uma operação contabilística que melhora a transparência, pois arruma melhor as empresas públicas que estão dentro (não mercantis) das que estão fora (mercantis), mas não altera a posição financeira do Estado. O passivo da CP ou as dívidas a fornecedores dos hospitais já eram uma responsabilidade do Estado, como accionista, mesmo estando fora do perímetro orçamental e vão continuar a ser, estando dentro. Isto não significa que a alteração contabilística não tenha implicações várias. Desde logo, aumentará o défice e a dívida bruta (Maastricht) que são alguns dos indicadores que permitem a comparabilidade internacional e para os quais os mercados e as instâncias internacionais olham e monitorizam. Por outro lado, estando dentro passarão a contar para os limites de endividamento do Orçamento do Estado, e qualquer sub-orçamentação (por exemplo nos hospitais ex-EPE) levará à necessidade de orçamentos rectificativos durante o ano.

O ano em que se vai reflectir nas contas públicas o aumento da dívida depende do ano em que se considere que a empresa já deveria estar no perímetro. Assim, o Governo refere no segundo orçamento rectificativo que, “de acordo com a última informação disponível, no contexto do SEC 2010 [as novas contas nacionais] esta entidade deverá ser integrada no perímetro das administrações públicas no ano de 2010, pelo que (…) deverá ser registado nesse ano”   (Relatório do OE 2014, segunda alteração, pg. 25). Do ponto de vista económico é indiferente se o passivo da CP entra em 2010 ou 2014 para a dívida de Maastricht, mas do ponto de vista simbólico e político obviamente que não é. Se for em 2010 é mais um aumento para Sócrates, se for em 2014 para Passos. Estou certo de que o INE não cederá a pressões políticas e saberá justificar, como no passado, a decisão tomada.           

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