“Não repercutimos a descida do IVA. Estamos a respirar oxigénio, mas não chega”

O director-geral da Ahresp, José Manuel Esteves, que representa a restauração e o alojamento, diz que as empresas estão a aproveitar a “folga” dada pela reposição do IVA a 13% para contratar mais trabalhadores.

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"[É preciso] reconhecer as diferenças da oferta turística", diz o director-geral da Ahresp, José Manuel Esteves Miguel Manso

Quase seis meses depois de o IVA aplicado à restauração ter regressado aos 13% nos serviços de refeições e cafetaria, o director-geral da Ahresp, José Manuel Esteves, diz que há mais confiança entre os empresários. A reposição do IVA deu “oxigénio” ao sector e serviu, para já, para contratar um ou outro trabalhador. A expectativa é já em Março ter IVA a 13% nas cervejas, refrigerantes e vinho.

O IVA dos serviços de refeição desceu para os 13% há quase seis meses. O que é que mudou no negócio da restauração?
Mudou a confiança e o oxigénio. Mudou a capacidade de as empresas começarem a respirar algumas margens para reagir com rapidez aos constrangimentos que se avolumaram nos últimos quatro anos, com as instalações a degradarem-se e a qualidade dos nossos serviços a piorar diariamente. Somos uma actividade que funciona 365 dias por ano, 24 horas por dia e temos de ter sempre alguém disponível para atender o cliente. Nos últimos quatro anos foram feitas poupanças, sobretudo, no pessoal. É este oxigénio, com estes dez pontos percentuais, sobre uma relevante parte das nossas receitas, que perpassa.

Há mais investimento?
Gostaríamos que tivesse sido um ano de reposição, mas com estes seis meses já se sente mais confiança entre os empresários. Ouve-se diariamente histórias de pessoas que contrataram mais pessoas, que fizeram obras e compraram novos equipamentos, com projectos para o ano. O fenómeno da restauração está a mudar, já não é apenas um que está isolado à espera que o cliente entre, mas tem a perspectiva de abrir vários estabelecimentos, em rede. Há uma juventude oxigenada, que pensa logo no elemento comunicador. Como disse um estudo recente da Manpower, o nosso sector será o de maior empregabilidade líquida em 2017. No primeiro trimestre estima-se que crie 15% do emprego líquido.

O emprego foi a moeda de troca com o Governo para a redução do IVA. Num comunicado recente, citavam os dados do INE dando conta de um aumento dos postos de trabalho mas os dados incluem também o alojamento.
Exactamente.

Qual foi o contributo da redução do IVA, em vigor desde Julho, no aumento do emprego na restauração?
A elevada contribuição da reposição da taxa do IVA na criação de emprego está directamente relacionada com os dados do INE, referentes aos três [primeiros]trimestres de 2016, ou seja, criação de 46.000 postos de trabalho na restauração e no alojamento. Importa relevar que só o sector da restauração e bebidas representa 62,1% do total do emprego no turismo e o alojamento 17,8%.  Mas é preciso fazer um parêntesis: estes dados são para o Algarve, Lisboa, Madeira e Porto. A hotelaria fora dos centros de procura turística é frágil, com empresários individuais que procuram sobreviver (alguns complementam a oferta com alojamento local). [Em 2016] o turismo cresceu em dormidas e receitas e a hotelaria representa menos de 15% das receitas. É preciso contabilizar o contributo da restauração, que vale quase 50% do total das receitas, quanto valem os transportes e outras actividades correlacionadas. Certo é que o sector está a brilhar com receitas de mil milhões de euros por mês.

Esses crescimentos estão a chegar às empresas?
[O crescimento do turismo] É fruto de um trabalho de cinco décadas de profissionalismo. Há outros momentos geopolíticos a influenciar, mas este aumento está a acontecer e é preciso, agora, sermos arejados. O nosso sector não pode reagir como os táxis reagiram à Uber ou como se reage ao alojamento local em Berlim e Barcelona – realidades diferentes da de Lisboa. Falando do lado negativo, há questões que o IVA não vai conseguir fazer, como recuperar as nossas empresas dos anos de desgaste. A nossa estrutura financeira está muito depauperada. Não temos condições para nos recapitalizar e em 2017 ainda vamos assistir ao encerramento de empresas que não têm condições de sobrevivência, pelos seus balanços e autonomia financeira.

O saldo entre nascimentos e encerramentos é negativo?
Estamos a falar na maioria de empresários em nome individual. Há encerramentos silenciosos tal como aberturas. Mas pelo número de associados da Ahresp podemos chegar a algumas conclusões e o saldo é positivo. Com mais de 20 mil associados, a Ahresp sempre se reviu como um representante de 25% desta actividade. Fechámos 2016 com 1800 novos associados.

E desistências, houve?
Claro. Os nossos departamentos estão entupidos com associados despejados por senhorios. Tivemos uma média de 30 desistências por mês este ano. Mas o saldo é positivo.

Afinal, os preços baixaram ou não?
Não repercutimos a descida do IVA nos preços. Estamos a respirar oxigénio, mas não chega. Queremos ir à banca e ter capitais próprios para isso. Continuamos com grandes encargos, os nossos empresários ainda têm as casas particulares penhoradas. Este oxigénio de apenas um semestre foi uma coisinha que deu para, de repente, contratar aquele trabalhador que fazia falta. O mercado é que comanda. E na oferta há restauração com ementas mais pequenas e objectivas, margens superiores que permitem praticar preços mais baixos do que um concorrente que tem a porta aberta há 40 anos. O novo estabelecimento terá quatro ou cinco trabalhadores, o mais antigo terá dez ou 20. Os novos – e são muitos porque temos um fluxo de novos associados na ordem das centenas por mês – vêm com preços mais baratos do que a concorrência.

Acredita que o Governo vai repor o IVA na totalidade?
No final do ano vamos avaliar tudo. Vamos esperar para ver quantos trabalhadores estão registados na Segurança Social. E há o monitor do IVA, coordenado pelo grupo de trabalho que tem como missão monitorizar a aplicação. Tem de apresentar três relatórios e tem vida útil até 31 de Dezembro de 2017. No Orçamento do Estado deste ano há uma alteração legislativa para que o Governo possa a qualquer momento repor o IVA nas taxas que entender e o que estamos a pedir é que se anunciem os resultados do monitor, que deverão ser conhecidos a partir de Fevereiro.

Mas esse grupo já reuniu?
Sim. É também um grupo muito online, nós temos feito inquéritos sistemáticos com empresários e cada ministério trabalha com os seus dados. Tem de estar tudo fechado em Fevereiro e esperamos que o primeiro-ministro possa anunciar que, pelo menos, alguns bens que não foram repostos o sejam, nomeadamente, refrigerantes e bebidas fermentadas.

A expectativa é que antes de Julho haja reposição em alguns produtos?
Para nós o ideal era que no fim do primeiro trimestre isso acontecesse. Também estamos a acompanhar com expectativa a correlação do encaixe da receita de IVA no sector. Espero que a receita fique equilibrada.

O IVA é um dos impostos mais alterados pelos vários governos. Teme que caso o executivo mude haja de novo um agravamento?
A minha convicção pessoal – e não falo em nome da instituição – é a de que este Governo está aqui para durar. É o que sentimos dentro dos nossos estabelecimentos. Mas é verdade que cada vez que muda o Governo mudam as vontades. Agora, duvido que quem venha a seguir se atreva a fazer a barbaridade que se fez connosco, de destruir milhares de empresas e postos de trabalho.

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