“Não foi a PT que fez cair o BES, foi o BES que fez cair a PT”

Numa audição cheia de metáforas religiosas, Henrique Granadeiro falou dos factos que lhe destruíram “a carreira”. Demarcou-se de Zeinal Bava e considerou uma “traição” a venda da PT e o que se passou no negócio com a Oi.

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Miguel Manso

Nervoso, Henrique Granadeiro leu uma declaração inicial aos deputados, onde esclareceu que pretendia colaborar com o inquérito parlamentar: “Faço-o sob juramento, no sentido que isso tem para a minha confissão religiosa e para as minhas convicções republicanas.”

Antes de Granadeiro, na passada quinta-feira, Zeinal Bava sentou-se na mesma cadeira e ora não guardava “memória”, ora não tinha responsabilidade nos factos em causa. Ambos, Bava e Granadeiro, constituíram, durante os últimos tempos que ditaram a falência do BES (que era dos maiores accionistas da PT, com 10%), uma liderança bicéfala de que, hoje, Granadeiro se arrepende. “Uma comissão executiva e dois presidentes é uma das raízes do mal. Foi o maior erro estratégico que cometi na minha vida.”

A religião serviu de imagem, para suavizar o problema. Bava disse que não teve responsabilidades. Mentiu?  À pergunta de Carlos Abreu Amorim, PSD, Granadeiro respondeu: “Pilatos perguntou a Cristo o que era a verdade e ele não lhe respondeu.” Indo mais longe… Zeinal Bava sabia, ou decidiu, o investimento de mais de 600 milhões de euros na Rioforte, a holding não-financeira do GES, em 15 e 17 Abril de 2014? Granadeiro preferiu não responder de forma directa. Leu um “excerto de uma acta”, de Julho de 2014, em que o responsável financeiro da PT, Luís Pacheco de Melo, assegura que “é natural que as pessoas que cá estivessem soubessem”.

“Embora a resposta seja um tanto cabalística não tenho nenhuma dúvida sobre como interpretar esta resposta: é um sim.” Granadeiro conclui, assim, que Bava devia guardar na memória a parte que lhe compete deste investimento que se veio a verificar ser ruinoso, pouco mais de três meses depois de feito, com a falência da Rioforte e a resolução do BES. Mais uma metáfora religiosa: “Embora haja muitos pontos de contacto entre mim e Zeinal Bava, o religioso não é um deles. Eu sou cristão e ele é muçulmano.”

Henrique Granadeiro quis mostrar aos deputados que fala outra língua, menos evasiva, que a do seu antigo colega na PT.  “De forma alguma aceitaria estar a fazer figura de palhaço ou de cumpridor de ordens.” Da mesma forma, distanciou-se do mundo dos “yuppies das salas de mercado”, que avaliam os investimentos falando com “dois ou três telefones” em simultâneo. “É um mundo muito nervoso em que nem tudo é transcrito para o papel.”

Mas teve muitas dificuldades em provar que a PT não era, como afirmou Mariana Mortágua, do BE, “uma empresa em roda livre e em que toda a gente pode tomar decisões sobre investimentos”. Isto depois de Granadeiro ter sugerido que os milhões da PT investidos no GES podiam ter sido entregues por uma decisão de um funcionário qualquer do departamento financeiro. O ex-chairman nega que os investimentos sejam um só. Exemplo: “Uma mulher grávida de 9 meses não é igual a 9 mulheres grávidas de um mês.” 

Apesar de ser como que um “meio-irmão adoptivo” de José Manuel Espírito Santo, e amigo de Ricardo Salgado, com quem ainda se encontra regularmente, Granadeiro procurou distanciar-se do papel de amigo para todas as ocasiões da família Espírito Santo: “A história de que eu vi Ricardo Salgado a esbracejar e lhe enviei uma bóia de 900 milhões para o ajudar é muito romântica, mas é um bocado infantil e não corresponde à verdade.”

Mais: “Nunca combinei com Salgado uma única operação. Nunca fiz negócio com Ricardo Salgado.”

“Não sente que foi enganado?”, perguntou-lhe Abreu Amorim. “Obviamente que sinto. Este incidente, isto que aconteceu, foi o pior que podia acontecer à minha carreira. Isto destruiu a minha carreira. Sinto que fui injustiçado. Alguém devia ter-me dado sinais. E não foi a PT que fez cair o BES. Foi o BES que fez cair a PT.” E agora com nomes: “Joaquim Goes e Amilcar Morais Pires [administradores do BES que também integravam a administração da PT] não cumpriram deveres de lealdade a que estavam obrigados. Obviamente que estou magoado. Ou mais do que isso.”

Pedro Nuno Santos, PS, quis saber mais. Granadeiro deixou claro que assume “por inteiro” a sua parte das responsabilidades (200 milhões investidos por sua ordem na Rioforte), mas não “as responsabilidades de outros” (mais de 600 milhões no mesmo destino). Houve um curioso debate semântico. Fernando Negrão, o presidente da comissão, que já havia desligado o iPhone do depoente, que se debatia com o botão de “silêncio” em vão, perguntou-lhe, na sequência das dúvidas do deputado socialista: “Se não tem evidências, tem indícios?” “Não, prefiro dizer que tenho convicções”, afirmou Granadeiro.

Uma delas é esta: por muito que as notícias sobre a saúde do GES fossem públicas, há muito tempo, havia garantias de que tudo iria acabar bem. “A gente acredita que o Governador  do Banco de Portugal e a ministra das Finanças quando falam, falam a sério. Isto não é a história do Pedro e do Lobo, é um país.” O que o levou a concluir com uma frase que, dado o desfecho do BES, pode dar o mote para uma campanha da indústria dos media: “Por que hei-de dar mais valor aos jornais? Prefiro acreditar em quem governa o País.” 

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