Municípios com acesso restrito aos dados do fisco para cobrarem dívidas

Autarquias só podem aceder à informação patrimonial de um contribuinte com dívidas à autarquia se já tiverem emitido o documento que serve de base à execução fiscal.

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A CNPD diz que os municípios, para avançarem com os processos de execução, não precisam da AT para saber o domicílio de um contribuinte JOÃO CORDEIRO

A Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) não autoriza os municípios a acederem à base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) para obterem dados pessoais dos contribuintes a quem são aplicados processos de contra-ordenação por dívidas fiscais à autarquia. Só podem receber dados sobre a informação patrimonial, e depois de emitirem o chamado “título executivo” (o documento que serve de base à execução fiscal, como por exemplo uma certidão de dívida).

A posição foi tomada pela CNPD numa deliberação, de 5 de Abril, em resposta a um pedido feito ainda pelo anterior secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, para que a comissão se pronunciasse sobre o acesso dos municípios aos dados pessoais dos contribuintes, que estão protegidos por sigilo. Para decidir sobre esta questão, que, segundo apurou o PÚBLICO, não terá sido suscitada pela Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), a comissão olhou para o dever de cooperação entre as entidades públicas, teve em conta os poderes tributários dos municípios e ponderou as condições de legitimidade de acesso.

Para ser levantado o sigilo fiscal “não basta invocar o dever de auxílio administrativo”, entende a entidade presidida por Filipa Calvão. Quando avançam para um processo de execução fiscal, os municípios só podem aceder à informação patrimonial do devedor (para saber quais são os bens susceptíveis de penhora, listados na base de dados da AT) se tiverem consigo o título executivo, onde já consta o nome e o domicílio. E para conseguirem estas duas referências, diz a CNPD, não é preciso aceder à base do fisco, porque já existe uma outra plataforma na administração pública que serve para identificar o cidadão perante o Estado (a Base de Dados de Identificação Civil, BDIC).

Em relação às informações pessoais, a CNPD insiste que, “para o efeito de instrução de processos de contra-ordenação”, não está demonstrada a necessidade do acesso à base de dados da AT, voltando a esclarecer que existe outra plataforma.

A vida privada

Os municípios podem fixar taxas, liquidar e cobrar impostos e outros tributos, razão pela qual se enquadram “em princípio” no conceito de “administração tributária”. E podendo avançar com processos de cobrança coerciva, é-lhes reconhecido “o acesso à informação relativa a existência de bens ou direitos do devedor, susceptíveis de penhora – informação que consta da base de dados da AT”.

No entanto, a CNPD ressalva que os municípios, para avançarem com os processos de execução, não precisam da AT para saber o domicílio ou a residência. Por isso a comissão diz “não haver necessidade do acesso a dados pessoais constantes da base de dados da AT para esta finalidade, quando a lei admite o acesso a outra base de dados especificamente constituída para criar (e manter actualizada) a identidade civil das pessoas”.

A CNPD sublinha que os dados pessoais a que a AT tem acesso estão sujeitos a um “específico dever profissional de sigilo”, por revelarem “aspectos da vida privada dos contribuintes”, relativos à sua situação tributária ou por se tratar de elementos de natureza pessoal. E aqui cabem “todas as informações recolhidas pela AT referentes aos rendimentos (provenientes do trabalho, rendas, mais-valias, etc.) e ao património dos contribuintes, às despesas de saúde ou de educação, como também eventualmente relativas às aquisições (diárias) de bens e serviços por eles realizadas e aos estabelecimentos frequentados – a qual é reveladora da própria localização do contribuinte – ou empresas com quem contratam (no âmbito do tratamento realizado na plataforma do e-factura)”.

Com isso, toda a informação a que o fisco tem acesso expõe hoje não apenas a própria situação tributária, económico e social, mas também os seus hábitos de vida, o corresponde “notoriamente a dados relativos à vida privada”.

O conjunto de informação que a AT recolhe e utiliza é amplo, reforça a Comissão de Protecção de Dados, referindo que estão em causa os dados de identificação como o nome, o número de identificação civil, “o estado civil ou as uniões de facto (existente ou terminada), a existência e número de dependentes e o domicílio dos contribuintes, e ainda eventuais deficiências dos contribuintes ou dos seus dependentes, informação que no seu conjunto e neste específico contexto caracteriza também a vida privada e familiar dos contribuintes”.

Estes elementos de natureza pessoal estão protegidos pelo regime do sigilo e pelo regime reforçado dos dados sensíveis, o que no entendimento da CNPD significa que estão assim sujeitos a sigilo os vários dados pessoais recolhidos pelo fisco.

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