Acordo para rescindir sem recurso aos tribunais existe na Alemanha desde 2004

Lei alemã prevê que, em caso de despedimento por razões económicas, o empregador pode chegar a acordo com o trabalhador, caso ele abdique de recorrer para tribunal.

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Em Portugal, Mário Centeno propõe um modelo semelhante no caso de despedimentos por razões económicas Nuno Ferreira Santos

O despedimento conciliatório, proposto no relatório Uma Década para Portugal, é inspirado numa medida introduzida na Alemanha em 2004, na sequência da chamada reforma Hartz.

A reforma era, na verdade, um conjunto de medidas – desenhadas por uma comissão liderada por Peter Hartz, responsável pelos recursos humanos da Volkswagen – que tinha como objectivo resolver o problema do elevado desemprego e da segmentação do mercado de trabalho na Alemanha do final dos anos 1990. A sua aplicação foi feita em várias fases e incluiu uma reformulação dos serviços de emprego, do regime de protecção no desemprego e da lei laboral.

Na Alemanha, o regime de despedimento está previsto na Termination Protection Act (PADA), mas nem todas as empresas são abrangidas e nem todos os trabalhadores estão protegidos do despedimento “socialmente injustificado”.

Desde 2004, com a aprovação do pacote Hartz III, as empresas com menos de dez trabalhadores (até então o limite era cinco) passaram a estar fora do âmbito de aplicação da PADA. Nestes casos, o despedimento é praticamente livre (com excepção de trabalhadores considerados vulneráveis, como grávidas ou deficientes) e a empresa não tem de apresentar uma razão para terminar o contrato.

Com esta medida, o então chanceler Gerhard Schroeder esperava fomentar o emprego nas pequenas empresas e ultrapassar a sua relutância em contratar novos trabalhadores por causa das dificuldades e dos custos associados ao despedimento. Na mesma altura, foi introduzida uma norma semelhante à que os economistas sugerem agora para Portugal: um regime conciliatório de despedimento.

A lei alemã passou a prever que, em caso de despedimento por razões económicas, o empregador pode chegar a acordo com o trabalhador e pagar-lhe uma compensação, caso ele abdique de recorrer para tribunal.

Na prática, como explicou ao PÚBLICO o advogado e antigo secretário de Estado do Emprego, Luís Pais Antunes, o trabalhador pode escolher entre aceitar o pagamento da compensação, abdicando do recurso para tribunal, ou impugnar o despedimento.

O objectivo da medida era reduzir os recursos aos tribunais do trabalho e, de certa forma, institucionalizar uma prática que era comum. É que, nota Pais Antunes, mais de metade dos processos que chegavam a tribunal terminavam com um acordo entre o empregador e o trabalhador.

Adicionalmente, o Governo de Schroeder pretendia antecipar uma prática em que, mais do que avaliar a legalidade do despedimento, os processos litigiosos discutiam sobretudo o valor da compensação que a empresa estava disposta a pagar ao trabalhador.

“A lógica faz todo o sentido. Se temos muitos recursos aos tribunais, mas depois as estatísticas dizem que a percentagem de processos que terminavam em acordo era de 50% a 60%; então o legislador optou por institucionalizar o processo de acordo”, resume o ex-governante.

Embora a lei alemã não preveja limites mínimos ou máximo para as indemnizações por despedimento – essa matéria pode ser regulada pelos contratos colectivos –, no caso do processo conciliatório está estabelecido que a compensação é de meio salário por cada ano de antiguidade na empresa.

Na prática, o empregador informa o trabalhador de que quer cessar o contrato por razões económicas e oferece-lhe uma compensação. O visado pode escolher não impugnar o despedimento e receber o dinheiro.

Os efeitos da reforma foram, segundo Mário Centeno, o economista que liderou os trabalhos do relatório apresentado ao PS, significativos, com uma parte substancial dos processos de despedimento a serem resolvidos através da conciliação.

Já Pais Antunes lembra que a compensação de meio salário por cada ano de antiguidade é superior à que anteriormente era acordada entre empresa e trabalhador, pelo que o recurso a este mecanismo acaba por se cingir aos casos em que tanto um como o outro têm dúvidas sobre o desfecho do processo em tribunal. Nesses casos, preferem seguir a via conciliatória. “As últimas referências que tenho são de 2013 e dão conta de que a aplicação prática tem sido baixíssima”, nota.

Em Portugal, Centeno propõe um modelo semelhante no caso de despedimentos por razões económicas. “É criado este novo processo em que o empregador sugere ao trabalhador um acordo e o trabalhador voluntariamente aceita-o ou não. A partir do momento em que o aceita, o empregador e o trabalhador fecham um acordo e a partir daí a possibilidade de litigância sobre aquele objecto desaparece”, explicou ao PÚBLICO.

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