Mário Lino defende que não era preciso autorização para a TAP comprar negócio no Brasil

Ex-ministro das Obras Públicas diz que operação “fez sentido”.

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Mário Lino era o ministro que tutelava a TAP naquela altura Nuno Ferreira Santos

O antigo ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações do Governo PS, Mário Lino, disse nesta quarta-feira ao PÚBLICO que entende que “não era preciso autorização [do Governo]” para que a TAP avançasse com a compra da empresa de manutenção no Brasil.

Em reacção às declarações do presidente da companhia, que afirmou ao PÚBLICO que a transportadora aérea contou com a “participação” da tutela nesta operação, o ex-governante confirmou que “recebeu informação da TAP” sobre esta matéria.

Estas afirmações surgem depois de a Procuradoria-Geral da República ter confirmado a existência de uma investigação à TAP. Um processo que foi desencadeado por uma denúncia anónima que visava, no entanto, outras matérias além da compra no Brasil.

“A autorização não vinha ao caso porque era uma decisão da administração da TAP”, afirmou Mário Lino. “Não tenho informação de que esse problema [de necessidade de autorização] se colocava nestas circunstâncias”, acrescentou.

O antigo ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações afirmou ainda que esta compra, iniciada em 2005 e finalizada em 2007, “fez sentido” porque, de acordo com as informações que recebeu na altura da TAP, “deu um grande contributo ao alargamento do negócio da companhia no Brasil”.

Foi por causa desta aquisição que o presidente da TAP, Fernando Pinto, foi chamado, na qualidade de testemunha, a prestar um depoimento na Polícia Judiciária (PJ) a 30 de Setembro. O gestor brasileiro voltará a ser inquirido dentro de duas semanas. O responsável foi chamado mais de um ano depois de a PJ ter realizado buscas na companhia, em Junho de 2013.

O Diário Económico noticiou nesta quarta-feira que a compra do negócio de manutenção no Brasil foi feita sem autorização do Ministério das Finanças. De acordo com o jornal, a TAP está sujeita à Lei 558/99, alterada e republicada pela Lei 300/2007, que obriga as empresas públicas a pedir autorização "do ministro das Finanças e do ministro responsável pelo sector [neste caso, Mário Lino]" para adqurir ou alienar participações. A mesma legislação estabelece que a ausência de autorização "determina a nulidade do negócio jurídico em causa". 

Não é ainda claro se existiu algum tipo de autorização ao negócio e se a mesma era obrigatória. E, caso fosse, a quem caberia concedê-la. Ao PÚBLICO, o presidente da TAP respondeu que "tudo o que era necessário foi cumprido", acrescentando que a operação foi feita "de forma correcta".

As dúvidas neste caso não são novas. O facto de os estatutos da transportadora aérea lhe conferirem a designação de sociedade anónima, e não de entidade pública empresarial (como acontece, por exemplo, com a CP) também tem gerado interpretações distintas noutras discussões, como a sujeição da empresa às regras do Estado.

O facto é que a TAP pertence ao universo público, apesar de ser detida em 100% pela Parpública, a holding que gere as participações do Estado em empresas, e não pela Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, como acontece com a maioria das empresas estatais.

As dúvidas adensam-se pelo facto de o secretário de Estado do Tesouro e Finanças à época ter pedido mais esclarecimentos sobre esta compra. Em despachos citados pelo Diário Económico, Carlos Costa Pina concluía que "da informação apresentada resultado sobretudo ainda a ausência de elementos conclusivos para uma decisão final" e pedia que a Inspecção-Geral de Finanças avançasse com uma auditoria, o que aconteceu.

Contactado pelo PÚBLICO, o antigo secretário de Estado do Governo PS não quis fazer comentários sobre este tema.

Já o gestor brasileiro confirmou que houve uma troca de correspondência com Carlos Costa Pina. “Recebemos pedidos de esclarecimentos e respondemos”, referiu. Na sequência dessa troca de informação, o antigo governante pediu à Inspecção-Geral de Finanças (IGF) para efectuar uma auditoria ao negócio. “Pediram informação, tivemos uma visita da IGF e a correspondência acabou em 2008. Ficou por aí”, explicou.

Os contornos do negócio
A compra da M&E aconteceu depois de ter fracassado o plano de aquisição da falida companhia de aviação brasileira Varig. A TAP tinha-se aliado à Geocapital, detida por Jorge Ferro Ribeiro, em associação com o empresário macaense Stanley Ho, para concretizar o negócio. “Durante o processo sentimos que a Varig estava frágil e que seria necessário comprar uma parte dela”, explicou o presidente da TAP.

Foi então que o consórcio adquiriu a antiga VEM e também a transportadora aérea de carga Varig Log. A primeira por 24 milhões de dólares e a segunda por 38 milhões de dólares. O negócio foi suportado pela Geocapital (que cedeu 21 milhões de dólares) e por um financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES), com 42 milhões. Face aos 62 milhões pagos pela VEM e pela Varig Log, há uma diferença de um milhão de dólares. “Foram usados para pagar despesas com advogados e auditorias, e o montante do BNDES não era líquido”, esclareceu Fernando Pinto.

O acordo previa que, caso a compra da Varig falhasse, a companhia de aviação “era obrigada a adquirir a parte da Geocapital”. E assim aconteceu. Mas havia uma condição importante: se fosse comprada até 2006, a TAP teria de devolver os 21 milhões investidos pelo parceiro. Se o negócio só acontecesse após essa data, acrescia a esse valor um prémio de 20%. E foi assim que a companhia acabou por entregar mais 4,2 milhões de dólares.

O pagamento desta verba foi um dos temas centrais da inquirição na PJ. O gestor garantiu que a Geocapital “não exerceu a opção” de sair do negócio antes da data indicada, levando a TAP a pagar o montante extra. E explicou que “já que era preciso reembolsar [o sócio] mais valia ficar com as empresas”. Além disso, garantiu que o valor do prémio ficou mais do que coberto pelo encaixe conseguido com a venda da Varig Log, que rendeu 45,6 milhões de dólares – mais 7,6 milhões do que tinha sido pago.

“Sabendo da opção da Geocapital, vendemos a empresa com um acréscimo de 20% e acabámos por ficar com lucro na operação” de compra da VEM, disse o presidente da TAP. A unidade de manutenção, que a partir de 2011 se passou a designar por M&E Brasil, até poderia ter sido vendida a outro investidor, já que, de acordo com Fernando Pinto, a empresa que ficou com a Varig Log, a Mattlin Patterson, tinha interesse nisso. A operação pressupôs ainda o pagamento de 50 mil dólares à Geocapital para ficar com os 85% que a empresa tinha no consórcio montado com a TAP.

“Todos eram da opinião de que a M&E era estratégica para a TAP”, referiu o gestor. No entanto, a unidade de manutenção surpreendeu pela negativa, sendo deficitária desde a aquisição e acumulando um elevado passivo. Fernando Pinto atribui os maus resultados “à valorização do real face ao dólar, ao crescimento dos custos com mão-de-obra no Brasil e à crise de 2008, que teve impactos muito negativos no negócio da aviação”.

Questionado sobre as contingências fiscais e laborais que a empresa herdou, e que atingiram cerca de 300 milhões de euros, respondeu: “De uma parte sabíamos e a outra criámos”. O gestor adiantou que esta herança, relacionada com dívidas ao Estado brasileiro e processos movidos por ex-trabalhadores, “está hoje nos 50 milhões” e que sofrerá uma redução significativa até ao final do ano. Nomeadamente pelo facto de a TAP ter chegado recentemente a um novo acordo com a Segurança Social brasileira para liquidar dívida “com um desconto de 30% e o restante com crédito fiscal”. A primeira fatia ronda os 20 milhões.

O PÚBLICO sabe que a denúncia anónima que desencadeou esta investigação ia além da compra da M&E, centrando-se também na gestão da operadora de handling Groundforce, nomeadamente na facturação de serviços da TAP, e no processo de privatização falhado em 2012.

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