“Margem para Portugal descer o IRS nunca será antes de 2016”

Para Rogério Fernandes Ferreira, Portugal não tem, no imediato, margem de manobra para efectuar uma descida deste imposto.

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Rogério Fernandes Ferreira, fiscalista e secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no último Governo de Guterres Rui Gaudêncio

Rogério Fernandes Ferreira nota que a receita do IRS tem hoje “grande relevância” nas contas públicas, o que retira margem de manobra à concretização da reforma tributária.

Rogério Fernandes Ferreira, fiscalista e secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no último Governo de António Guterres, vê com reserva a implementação da reforma fiscal em Espanha, embora reconheça que Portugal poderá tirar vantagens do “ambiente favorável” da recuperação da quarta maior economia da zona euro. Quanto a Portugal, diz, não deve haver uma descida precipitada do IRS e, no melhor dos cenários, nunca antes de 2016 haverá margem para isso. Uma “eventual margem”, diz.

Tendo em conta a situação económica e das contas públicas de Espanha, pensa que o Governo espanhol tem margem suficiente para cumprir a consolidação das contas públicas ao avançar em 2015 e em 2016 com uma descida do IRS?
Embora não conheça aprofundadamente o actual estado das contas públicas em Espanha, a verdade é que, atentas as informações que têm vindo a ser divulgadas pela comunicação social, não se pode deixar de recear que esta reforma fiscal tenha impacto no trajecto de consolidação das contas públicas espanholas, o que, inclusivamente, é uma preocupação expressa pelo próprio Banco de Espanha e pela Comissão Europeia.

Não nos esqueçamos, porém, de que, ao contrário do que sucedeu em Portugal, o problema das contas públicas em Espanha, esteve, sobretudo relacionado com a falência do sistema bancário espanhol. Ora, neste contexto, a reacção preocupante do órgão superior do sistema bancário espanhol – o Banco de Espanha –, no sentido da manifestação do receio de que a reforma tributária que se avizinha possa colocar em causa a própria credibilidade do país deixa adivinhar, por um lado, o desconforto que as medidas ora divulgadas provocam, inclusivamente ao nível das instâncias comunitárias, e, por outro lado, a incerteza de que a reforma tributária em causa cumpra os seus objectivos de impulsionar a criação de emprego, a redução da tributação para as rendas de trabalho ou o reforço da competitividade. Devemos assistir, com cautela, à concretização desta reforma espanhola, embora reconheça que a mesma possa criar um ambiente favorável à retoma económica, inclusivamente em Portugal.

Espanha tem, neste momento, mais margem de manobra do que Portugal para o fazer nesta altura?
Portugal não tem, no imediato, nenhuma margem de manobra para efectuar uma reforma tributária com base na descida dos impostos. A dívida pública espanhola consistiu sempre num montante significativamente inferior, em termos de rácio do PIB, ao da dívida pública portuguesa. Além disso, Portugal está agora a finalizar um resgate financeiro que implicou muito mais que uma reestruturação e financiamento da Banca, como ocorreu no caso espanhol, o que foi desfavorável a Portugal.

O facto de Espanha avançar com uma redução da carga fiscal sobre o trabalho já no próximo ano retira alguma margem a Portugal para não o fazer também no curto prazo – estando os discursos dos dois governos relativamente em sintonia quanto ao argumento de que há já um momento de viragem da crise?
Com a saída da troika é perceptível que estejamos a aproximarmo-nos mais de um momento de viragem, se forem efectivamente feitas as reformas estruturais e na despesa, que nos são, infelizmente, impostas de fora e nestas circunstâncias difíceis. Com a reforma do IRC já em vigor em Portugal, é importante que ocorra, em simultâneo, um ajuste no IRS. Mas confesso que, apesar de estar em curso o estudo e o planeamento de uma reforma do IRS em Portugal, receio que a actual conjuntura político-económica ainda não permita tal redução e o momento não seja o mais adequado, sobretudo porque a receita do IRS assume grande relevância nas contas públicas portuguesas, representando, já quase, valores idênticos aos da receita do IVA.

Além disso, Portugal tem vindo a alcançar uma crescente credibilidade nos mercados, parecendo agora imprudente proceder, então, a curto prazo, a uma descida do IRS sem, antes, se atingir uma certa estabilidade financeira. Acresce que, uma descida precipitada do IRS teria que ser compensada com um aumento de outros impostos, provavelmente do IVA, o que não será desejável. Por outro lado ainda, a Reforma do IRC, que é, sem dúvida, essencial para colocar Portugal no “mapa” da competitividade fiscal internacional (mais pelo regime de participation exemption do que pela descida da taxa) prevê a descida da taxa de IRC, que é, actualmente, de 23%, para uma taxa de 17% em 2016, com a prevista eliminação das derramas municipal e estadual em 2018. Ora, neste aspecto, Portugal continua a tributar as empresas mais favoravelmente do que Espanha, onde se prevê uma taxa de IRC de 28% em 2015 e de 25% em 2016.

Assim, a eventual margem que Portugal possa ter para uma descida da tributação sobre os rendimentos do trabalho nunca será antes de 2016, parecendo-me imprudente avançar agora ou antes de 2016 neste sentido. No entanto, há que aguardar pelas propostas da comissão de reforma do IRS, sendo que a reforma estrutural deste imposto deverá passar, sim, por um alargamento da incidência tributária e, simultaneamente, pela reformulação dos benefícios e desagravamentos fiscais, o que poderá dar alguma margem de manobra ao Governo para desagravamentos mantendo os níveis de receita desejáveis para o cumprimento dos nossos compromissos internacionais.

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