Maratona para votar reforma do IRS prolongada para esta quinta-feira

Deputados começaram a votar, uma a uma, as normas do “novo” IRS, mas decidiram interromper os trabalhos na noite desta quarta-feira e retomá-los na quinta-feira à tarde

Foto
A Assembleia da República viveu ontem uma sessão morna Rui Gaudêncio

Os deputados da comissão de orçamento e finanças começaram a discutir e a votar a reforma do IRS na especialidade ao início da noite desta quarta-feira. Mas dado o grande número de normas que têm de ser votadas uma a uma, os trabalhos foram interrompidos às 22h59, sendo retomados na quinta-feira ao final da tarde, depois do plenário na Assembleia da República.

A votação do essencial da reforma fica, assim, adiada para um segundo momento. Na discussão do diploma ficaram claras as divergências entre os partidos da maioria e o PS em relação a uma das bandeiras da reforma: o quociente familiar, sistema em que todos os membros do agregado familiar são considerados na divisão do rendimento (incluindo os filhos e ascendentes a cargo de rendimentos muito baixos).

A deputada Vera Rodrigues, do CDS/PP, insistiu que o quociente familiar é “um ponto-chave” da reforma e rejeitou a acusação do PS de que a medida é regressiva. Acusando os socialistas de fazerem crer que há neste modelo um ganho ilimitado por cada filho, quando “não é assim”, a deputada centrista contrapôs com o facto de o Governo impor limites ao montante que um agregado pode poupar com a aplicação do quociente familiar. E, com isso, disse, a progressividade fica assegurada.

João Galamba, deputado do PS, contra-argumentou que “o quociente familiar é por definição regressivo” – quando o código do IRS prevê a progressividade do imposto – e defendeu que os filhos devem valer independentemente do rendimento dos pais. E contrapôs que os tectos definidos pelo Governo – e a que a deputada centrista se referiu – não eliminam a regressividade, mas apenas a limitam. Galamba defendeu a proposta do PS no sentido de haver antes um reforço das deduções à colecta.

Vera Rodrigues e o deputado do PSD Cristóvão Crespo salientaram, por seu lado, as propostas de alteração da maioria relacionadas com as deduções à colecta, defendendo que elas se aproximam das posições do PS. Leitura que João Galamba rejeitou em absoluto. “Não há qualquer aproximação à posição do Partido Socialista”, contestou.

O ausente mais falado durante a comissão foi o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, que o PS acusou de ter dado a cara por uma reforma em Outubro e de ter sido também ele o rosto das propostas de alteração assinadas pelos deputados do PSD e CDS-PP. Uma situação que João Galamba considerou insólita e, segundo disse, reveladora de que os dois partidos “reformaram a reforma” para que o Governo emendasse a mão. “Isto diz tudo sobre a qualidade” da reforma, lançou.

Em causa está o facto de o Governo e a maioria terem alterado de forma significativa o modelo de deduções em relação àquilo que era o projecto inicial da reforma, que chegou ao Parlamento a 23 de Outubro.

Nessa primeira versão, as despesas de educação eram consideradas como abatimento ao rendimento (aparecem agora como dedução) e ficavam de foras as deduções dos encargos com imóveis (juros do crédito à habitação e rendas), seguros de saúde, PPR e encargos com lares, que agora são recuperadas. O modelo de deduções proposto aproxima-se das regras actuais. E porque o seu efeito prático, segundo o Governo, torna dispensável a cláusula de salvaguarda proposta em Outubro pelo Governo, o PSD e o CDS/PP propõem que, afinal, esta medida-travão não avance.

O deputado Paulo Sá, do PCP, resumiu assim a proposta de reforma do executivo: “O Governo baralhou, deu de novo e basicamente ficou tudo na mesma”. Uma crítica partilhada pelo deputado Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda, que acusou o executivo de manter o esforço fiscal sobre os contribuintes.

Já nesta quinta-feira, o vice-presidente da bancada do PS, Marcos Perestrello, vincou que o PS não votará a favor da reforma se a maioria não alterar a proposta do quociente familiar. “Propusemos em alternativa que houvesse um aumento da dedução à colecta igual para todos por cada filho ou dependente a cargo, já que é uma forma mais justa para calcular o IRS de cada família. Se não houver por parte do Governo acolhimento desta proposta, não temos condições para votar favoravelmente esta manta de retalhos”, afirmou Perestrello, citado pela Lusa.

Sugerir correcção
Comentar