Mais de 70% dos trabalhadores da TAP não estão protegidos pelo acordo com o Governo

Salvaguarda de direitos na venda está a provocar uma corrida aos sindicatos que aceitaram negociar. Caderno de encargos foi aprovado ontem em Conselho de Ministros, obrigando comprador a ficar pelo menos cinco anos na empresa.

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Nove sindicatos que assinaram acordo têm cerca de 3000 associados Daniel Rocha

O acordo a que o Governo chegou com nove sindicatos da TAP para salvaguardar direitos na privatização do grupo deixa de fora mais de 70% dos trabalhadores. Apenas os associados daquelas estruturas sindicais ficam salvaguardados, mas nos últimos dias tem-se assistido a uma vaga de sindicalização e de transferências, que poderá aumentar significativamente o número de funcionários abrangidos.

De acordo com dados a que o PÚBLICO teve acesso, os nove sindicatos que aceitaram sentar-se à mesa com o executivo para negociar este acordo têm cerca de 3000 associados. O número é praticamente igual ao dos três sindicatos que recusaram estar nas negociações, mantendo a contestação à venda da TAP. E, dentro do grupo (que tem mais de dez mil trabalhadores em Portugal), há ainda outras quatro mil pessoas que não são sindicalizadas.

Feitas as contas, neste momento o acordo protege menos de 30% dos funcionários da TAP. No entanto, desde que os trabalhadores se começaram a aperceber do conteúdo do entendimento com o Governo, além dos novos pedidos de primeira sindicalização, há registo de funcionários que tentam trocar de sindicato, passando daqueles três que não aceitaram negociar -  Sintac (trabalhadores da aviação civil), Sitava (trabalhadoras da aviação e aeroportos) e SNPVAC (pessoal de voo) - para os nove que estão abrangidos pelo acordo.
Estas movimentações não poderão, porém, durar muito mais tempo. Aliás, é previsível que muito em breve a lista de pessoas abrangidas fique fechada, embora não se saiba ainda a data a partir da qual já não será possível aderir ao acordo.

Tal como o PÚBLICO avançou, um dos pontos deste entendimento impede que o comprador da TAP avance com despedimentos colectivos enquanto o Estado for accionista do grupo. Um estatuto que poderá conservar por um período de dois anos, já que este é o prazo em que o Governo pretende que o grupo deixe de contar com capitais públicos, depois de alienar, numa primeira fase, 66% da TAP.

Ontem, no briefing que se seguiu ao Conselho de Ministros onde foi aprovado o caderno de encargos da privatização, que dá o tiro de partida à segunda tentativa de venda da TAP, o secretário de Estado dos Transportes, Sérgio Monteiro, acrescentou que esta proibição está limitada a 30 meses. Ou seja, se o Estado ainda estiver no capital ao fim desse período, é levantado o impedimento de despedir.

Mas o acordo impõe mais requisitos, nomeadamente a criação de um órgão onde os representantes dos trabalhadores terão assento e que participará e será envolvido em todas as decisões de impacto relevante na vida e futuro da TAP. O entendimento permite ainda a protecção, para além do limite legal, dos acordos de empresa e inclui mecanismos de salvaguarda das antiguidades, das carreiras profissionais e das responsabilidades com pensões e seguros de saúde e de vida. Neste último caso, a decisão vai no sentido da criação de uma entidade externa ao grupo que passe a gerir estas responsabilidades.

As negociações permitiram ainda que seja limitado o recurso ao outsourcing e a trabalho externo, nomeadamente aquele que é contratado quando são fretados aviões e as respectivas tripulações. E ficou totalmente salvaguardada a proibição de transferência do estabelecimento e da base operacional, havendo ainda regras claras sobre a manutenção de voos de e para território nacional, sob a insígnia TAP. Outro ponto importante diz respeito à capitalização do grupo, tendo ficado estabelecidos pressupostos que obrigam o comprador a injectar dinheiro fresco na empresa nos primeiros dois anos.

O incumprimento de algumas destas regras dará lugar à anulação do contrato de venda, sem que o investidor que o Governo escolheu para ficar com a TAP tenha direito a qualquer indemnização.

Questionado sobre se este acordo, que foi alcançado com os nove sindicatos depois de estes terem desconvocado uma greve entre o Natal e o Ano Novo, poderá desvalorizar a empresa, diminuindo o encaixe para o Estado, o secretário de Estado afastou esse cenário. “Todas as condições que constam no caderno de encargos têm impacto no valor”, começou por afirmar. Mas logo a seguir assegurou que “a paz social é uma mais-valia, tem um valor intrínseco”. Sérgio Monteiro disse ainda que “a companhia ficará melhor se este processo for concluído num caminho de paz social”.

O governante fez questões de sublinhar que os impactos deste acordo foram analisados pela administração da TAP e pelo assessor financeiro que está a apoiar o Estado nesta privatização, o Citigroup. A conclusão foi que “a paz social traz valor estratégico, financeiro e patrimonial”. A paz social será, porém, difícil de assegurar se três sindicatos se mantiverem fora do acordo, até porque um deles representa os tripulantes, cujos protestos conseguem causar fortes perturbações na operação da TAP.

No caderno de encargos aprovado ontem ficaram também definidas regras semelhantes às do processo de 2012, como a obrigatoriedade de garantia de execução do projecto estratégico ou da promoção do crescimento e da autonomia da TAP. E ficou definido que o comprador terá de manter-se na empresa durante pelo menos cinco anos.

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