Mais de 29 mil famílias em dificuldades pediram ajuda à Deco no ano passado

Apesar do aumento de 26% nos contactos, a associação abriu menos 1400 processos de acompanhamento porque muitos dos casos já não são recuperáveis. Principal preocupação para 2014 são os reformados.

Foto
Famílias em dificuldades têm em média cinco empréstimos, com maior destaque para o crédito pessoal PÚBLICO/Arquivo

Surgem cada vez mais no limite, sem oxigénio financeiro para voltar a respirar. Muitos vivem sozinhos e apenas do seu rendimento, tendo por vezes a cargo menores de idade. No ano passado, a Deco recebeu 29 mil pedidos de ajuda de famílias em dificuldades financeiras, o que significou um aumento de 26% face a 2012. No entanto, o número de processos de acompanhamento abertos pela associação caiu drasticamente. É que, em muitos casos, já não há recuperação possível.

Dados cedidos ao PÚBLICO pela Deco mostram que, entre Janeiro e Dezembro de 2013, 29.214 pessoas contactaram a associação para resolver desequilíbrios financeiros que continuam a ser motivados, em grande parte, por situações de desemprego. A perda de emprego foi mencionada como causa das dificuldades por 32% das famílias. Seguem-se os cortes salariais, com 30,6%, e a doença (8,1%). O rastilho tem-se mantido praticamente o mesmo nos últimos anos, mas voltou a registar-se uma subida substancial nos pedidos de auxílio, já que em 2012 houve 23.183 contactos. Face a 2010, o número praticamente triplicou.

Natália Nunes, coordenadora do Gabinete de Apoio ao Sobreendividado (GAS) explicou que este novo acréscimo no ano passado se deve ao facto de “as famílias terem visto a sua situação financeira agravada, fruto do aumento do desemprego e dos cortes salariais”. O agravamento foi de tal forma que “muitas das situações que surgiram já não tinham margem para recuperação”. E, por isso, o número de processos de acompanhamento abertos pela Deco em 2013 desceu face ao ano anterior.

Entre Janeiro e Dezembro, foram criados 4034 processos, quase menos 1400 do que em 2012. A associação só acompanha famílias que ainda se encontrem numa situação de dificuldades financeiras passível de ser invertida. Não trata, por exemplo, de casos em que existem já processos de execução ou de insolvência, nem interfere na renegociação de dívidas de natureza fiscal. Muitos dos casos que lhe bateram à porta poderiam não ter seguido ainda a via judicial, mas “estavam já num limite de inviabilidade da recuperação”, referiu Natália Nunes.

A coordenadora do GAS acrescentou que muitos desses casos são protagonizados por famílias monoparentais, em que apenas uma pessoa contribui para o orçamento. “Até 2012, pediam ajuda maioritariamente famílias compostas por três elementos, em que havia um casal a suportar os encargos. Agora, em 30% dos casos há apenas um elemento no agregado, que é solteiro ou divorciado”, explicou. Nestas situações, a almofada financeira é muito mais curta, o que precipita os desequilíbrios e também impede, por vezes, a recuperação.

Em termos de dispersão geográfica, o Porto liderou em 2013 o número de pedidos de ajuda à Deco, representando 27,8% do total e ultrapassando Lisboa, que surge em segundo, com uma incidência de 24,4%. Natália Nunes afirmou que tal alteração se ficou a dever ao facto de “o aumento da taxa de desemprego ter sido mais expressivo na região Norte”, já que a ausência de trabalho continua a ser principal causa para as dificuldades financeiras.

Mas houve outra mudança importante em 2013: nos processos abertos pela associação, a grande maioria das famílias já estava em incumprimento, enquanto no ano anterior 54% tinha os créditos regularizados. Em 23% dos casos, havia prestações em mora há mais de seis meses e, em média, cada processo tinha associado cinco empréstimos. De entre os créditos habitualmente contraídos, o pessoal continua a destacar-se, com uma média de 1,7 por família. Nos cartões, a incidência é de 1,4 créditos e, na habitação, de 0,8.

Quando contactam a Deco, estão sobretudo interessados em pedir ajuda na reestruturação destes contratos – um objectivo que é comum a 73% dos processos. Outros 14% pretendem reestruturar o incumprimento, seguindo-se 8% que querem negociar um período de carência do pagamento das prestações.

Do perfil traçado pela associação, conclui-se que 38% das pessoas com dificuldades financeiras acompanhadas pelo GAS têm rendimentos mensais entre 485 e 950 euros, sendo que a taxa média de esforço mensal com despesas subiu de 96 para 98% em 2013. A maioria está casada e 40% tem entre 40 e 54 anos. Há uma fatia mais expressiva de 36% que trabalha no sector privado, tendo 35% o segundo ou terceiro ciclos de ensino.

Para 2014, a principal preocupação da Deco são os reformados, que têm sido um dos alvos das medidas de austeridade, como a que foi clarificada quinta-feira pelo Governo, que significará a aplicação da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) sobre as pensões acima dos mil euros brutos mensais. “Além dos cortes a que já estão sujeitos, são muitas vezes estas pessoas que assumem os encargos dos filhos e dos netos e, por isso, estão a ser duplamente penalizados”, explicou Natália Nunes.

A coordenadora do GAS afirmou que “apesar de a taxa de desemprego estar a cair, continua em níveis muito elevados”, considerando que “este ano deverá haver uma nova subida” nos pedidos de ajuda. Outra franja da população que continuará a contribuir para esse aumento são “os desempregados com mais de 40 anos, que terão muita dificuldade em voltar ao mercado de trabalho”. Os próximos meses serão de “ainda maiores desequilíbrios nas finanças pessoais”, acredita. 
 
 
 

Sugerir correcção
Comentar