Lucro dos 1000 maiores bancos do mundo cresceu 23% no ano passado

Se ainda há regiões do globo que estão a recuperar dos efeitos de uma crise que começou no final de 2008, nos Estados Unidos, e teve extensão na Europa na entrada da presente década, para os 1000 maiores bancos do mundo é o tempo de recuperar das perdas sofridas. Os lucros antes de impostos cresceram 23% em 2013, para o nível mais elevado desde que a revista The Banker começou a compilar dados. E os rácios de solvabilidade aumentaram a bom ritmo. Subsistem bolsas de risco, principalmente na periferia da zona euro.

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O ICBC chinês lucrou 55 mil milhões de dólares antes de impostos

Para a grande banca internacional, o exercício do ano passado veio confirmar que “a crise… já era”. Os lucros antes de impostos apurados pelos 1000 maiores bancos do mundo cresceram 23% face a 2012 e atingiram o valor mais elevado desde que, no início da década de 1970, a revista The Banker começou a elaborar os rankings do sistema financeiro mundial. E o que é mais curioso é que cerca de um terço do total apurado tem origem no sistema bancário chinês.

O sistema financeiro do gigante asiático, que é muitas vezes dado como desequilibrado e propenso a crises que decorrem do seu alinhamento com as políticas do estado em detrimento de estratégicas puramente comerciais, mostrou no ano passado uma capacidade de geração de lucros que é perfeitamente incomum. Do total dos 920 mil milhões de dólares que os mil maiores conseguiram em lucros brutos, quase 300 mil milhões tiveram origem na banca chinesa, com o Banco do Comércio e Indústria da China a liderar os ganhos, através de um registo que ultrapassou ligeiramente os 55 mil milhões de dólares.

Trata-se de um resultado que bate, com evidente clareza, o do mais lucrativo banco dos Estados Unidos, que o mundo se habitou a ver como a pátria da alta finança. Neste caso, o Wells Fargo, a instituição financeira norte-americana que garantiu o melhor desempenho, ficou-se por uns honrosos 33 mil milhões de dólares, enquanto, globalmente, os bancos da maior economia do mundo que contam para o ranking da The Banker totalizaram 183 mil milhões de dólares em resultados antes de impostos.

Por si só, a banca chinesa foi responsável por cerca de 32% do lucro bruto do sistema financeiro mundial em 2013, enquanto a banca norte-americana arrebatou cerca de 20% do total.  O Japão, com um resultado agregado de 64 mil milhões de dólares, consegue ficar com 7% do bolo mundial, seguindo-se o Canadá, com um peso no total de 4,3%, equivalentes a quase 40 mil milhões de dólares.

Mas como nem tudo são rosas no mundo do dinheiro, e os lucros da banca parecem ilustrar na perfeição o estado das economias em que se inserem, a zona euro surge neste trabalho como o patinho feito, com um resultado agregado antes de impostos no sistema financeiro que não chegou a 20 mil milhões de euros (menos de metade do conseguido apenas pelo mais dinâmico banco chinês). O resultado obtido tem um peso de uns marginais 3% face ao total mundial, mas o que é mais chocante é que este este nível compara com os 25% que a banca dos países da moeda única pesava antes da crise económica e financeira de 2008 – quando o norte-americano Lehman Brothers faliu, em consequência da derrocada do castelo de cartas que o subprime (crédito de altíssimo risco) determinou.

O drama europeu
Como não há milagres na economia e também não os há no sistema financeiro, a banca da eurolândia continuou, em 2013, a pagar os erros cometidos e a factura da chamada crise da dívida ou do euro, que entre outras coisas obrigou a resgates mais ou menos explícitos em cinco países (o caso espanhol foi menos intenso porque se ficou pela disponibilização de uma linha de financiamento para evitar que a banca se esfumasse).

Mas o trabalho da revista não deixa margem para dúvidas, especialmente no quadro em que junta os 25 bancos com maiores prejuízos a nível mundial. São todos de países europeus e, entre os cinco primeiros, quatro são italianos. No ano passado, só transalpino UniCredit apurou um resultado líquido negativo antes de impostos de 22 mil milhões de dólares. O segundo pior foi o britânico Royal Bank of Scotland, que está sob intervenção estatal e viu as contas fecharem-se com um prejuízo de cerca de 15 mil milhões de dólares. Seguem-se, na lista, mais três italianos (o Intesa Sanpaolo, o Banca Carig e o Monte dei Paschi di Sienna) com um agregado de prejuízos próximo dos 13 mil milhões de dólares.

Também com um ano negro, a banca portuguesa está em peso nesta lista. Caixa Geral de Depósitos, Millennium BCP, Banco Espírito Santo e Banif estão entre os 25 com maiores prejuízos, lado a lado com instituições espanholas, gregas, cipriotas, irlandesas e, mesmo, alemãs, austríacas e holandesas.

Rácios melhoram
Num quadro em que os resultados antes de impostos dispararam de 786 mil milhões de dólares em 2012 para 920 mil milhões um ano depois, a The Banker questiona até que ponto será possível manter este nível de rentabilidade, mas reconhece, igualmente, que os bancos estão agora muito mais sólidos do que estavam antes – mesmo descontando os problemas específicos de algumas geografias, como a dos países periféricos do euro.

A par da evolução dos lucros, o trabalho da revista mostra também o que o sistema financeiro tem feito para estar mais preparado para eventuais novos choques. E o nível de desenvolvimento dos rácios de solvabilidade mostra que a banca tem vindo a reforçar as suas estruturas de capital de uma forma sustentada.

No caso do rácio core tier 1, que mede o nível de capital existente para responder aos riscos da actividade bancária (risco de crédito, por exemplo), o que se verifica é que no espaço de uma década e para os 1000 bancos analisados, cresceu cerca de 1,32 pontos percentuais. Passou de um nível de 4,54%, em 2004, para 5,86% em 2013. É um aumento de cerca de um terço face ao valor de origem.

A revista nota que esta evolução, que torna a banca mais preparada para enfrentar novas crises, tem muito a ver com o aperto das regras por parte das autoridades dos diversos países e regiões. No caso europeu, os avanços têm a ver com os mecanismos ligados à futura união bancária, que colocaram no Banco Central Europeu novas competências na definição das regras de solvabilidade e na monitorização da estrutura de capitais do sistema financeiro, com evidentes resultados. Mas as novas regras de capitalização aprovadas nos Estados Unidos e as determinações do Comité de Basileia deram também um importante contributo para reforçar a sustentabilidade da banca.

E o que se verifica, actualmente, segundo os dados da revista The Banker, é que os bancos mais lucrativos são também os que têm rácios core tier 1 mais elevados. O mais robusto a este nível é o Banco do Comércio e Indústria da China, que lidera também a tabela dos resultados antes de impostos. No ano passado, o BCIC fechou o exercício com um rácio de solvabilidade calculado em 207,6 mil milhões de dólares, do Banco da Construção da China (174 mil milhões de dólares). Seguem-se, neste registo, os norte-americanos JP Morgan Chase e o Bank of America, com um tire 1 acima dos 160 mil milhões de dólares. Na quinta posição surge o britânico HSBC.

Portugal preocupa
Apesar do reforço global dos níveis de capital da banca, o trabalho da revista The Banker lembra que continuam a existir riscos no sector financeiro que não podem ser descurados. Desde logo na China, onde coexistem bancos que ocupam o top mundial e uma rede “fantasma” de companhias que oferecem crédito e vendem produtos de investimento sem qualquer supervisão.

Outra fonte de preocupação é a situação da banca na periferia da Europa, principalmente devido à dimensão das imparidades (perdas associadas a créditos e activos de risco). Mas mesmo aqui há diferenças de país para país. “Enquanto em Espanha, Grécia e Irlanda registaram-se fortes recuos das imparidades assumidas em 2013, em Portugal continuam a subir. Outra situação igualmente preocupante é a de Itália, onde este tipo de perdas continua a subir, dois anos depois de ter sido atingido o pico na crise da dívida soberana europeia”.

A Bulgária é outro país na rota mais elevada de riscos. A análise da The Banker sustenta que os bancos locais têm bases muito reduzidas de capital e têm reportado imparidades que chegam a atingir 55% do produto bancário de um ano de actividade. Nos últimos dias, gerou-se uma onda de pânico no país, a partir de rumores que davam conta das fragilidades de alguns bancos. Após uma espécie de corrida aos balcões, o First Investment ficou sem liquidez e a União Europeia foi chamada a libertar uma linha de financiamento (1600 milhões de euros) para evitar que o sistema colapse.
 

   

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