Louçã, amigo, eu estou (quase) consigo

O Francisco acredita que mais Estado pode dar origem a um Portugal melhor, e eu desde os oito anos de idade que não acredito no Pai Natal.

Esta semana, Francisco Louçã e António Bagão Félix dedicaram-me dois textos no blogue de economia Tudo menos Economia. Bagão Félix preferiu falar de mim utilizando aquela técnica patenteada pelo cronista lusitano esquivo e anguloso, que consiste em mandar indirectas a alguém sem nunca pronunciar o seu nome, não sei se por hábito adquirido nos tempos da Outra Senhora, se pelo prazer de me ver enfiar a carapuça. É uma coisa infantil, mas estranhamente popular entre os articulistas nacionais.

Já Francisco Louçã, justiça lhe seja feita, preferiu chamar os bois pelos nomes. É sempre melhor assim, mesmo que no caso em apreço o bovino seja eu. A sua prosa intitulava-se “Uma palavra de consolo para João Miguel Tavares, que bem precisa”, e procurava rebater as minhas críticas ao manifesto de apelo ao resgate da PT, elaborado pela redacção do Tudo menos Economia, mais onze pessoas. Desde logo, adorei o título paternal, pois a paternidade comove-me sempre. E como é próprio dos bons pais, Francisco Louçã começa por me corrigir, fazendo notar – e bem – que a PT não é, nunca foi, nem nunca será brasileira, francesa ou angolana. A PT é “uma empresa portuguesa, submetida à lei portuguesa porque opera em Portugal, independentemente de quem é o seu accionista”.

A razão assiste totalmente a Francisco Louçã, e eu peço desculpa pela imprecisão. A única coisa que não percebi, mas poderei talvez ser esclarecido, é esta: se a PT foi, é e será sempre portuguesa, qual é então o problema de ela ser comprada por estrangeiros? Atrevo-me mesmo a notar uma incongruência: Francisco Louçã foi líder de um partido que sempre lutou – e bem – contra a xenofobia, defendendo a entrada de imigrantes em Portugal. Então os cidadãos estrangeiros podem vir trabalhar nas obras e nos cafés mas não podem vir comprar empresas? A partir de quantos euros na conta bancária é que podemos ter a liberdade de dizer “estrangeiro não entra!” sem que isso pareça xenófobo? Fica a dúvida.

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Mas Francisco Louçã não se ficou por aqui. A certa altura, eu manifestei a minha solidão liberal neste país estatista, e Louçã consolou-me: “Não está sozinho.” Infelizmente, era galhofa. Os companheiros liberais que me atribuiu são Passos Coelho, Carlos Moedas e Bruno Maçães, todos eles parte (passada ou presente) de um governo que eu sempre disse ter tanto liberalismo no corpo como Sara Sampaio tem gordura. Louçã sabe isso (do liberalismo, não de Sara Sampaio), porque é ele próprio quem responde a um leitor nos comentários:  “JMT tem escrito que gostava que o governo fosse mais liberal.” É verdade. JMT gostava definitivamente disso – e se Francisco sabe, porque é que disfarça?

Louçã, amigo, não implique, que num tema eu estou consigo: ambos lutamos por um Estado menos clientelar e por um mundo empresarial que valha pelos seus méritos, e não pelo seu talento em parasitar o Terreiro do Paço. Quando a pirâmide social se aproxima do cume e os ricos entram em campo, até eu me começo a sentir um homem de esquerda. Infelizmente, divergimos nas soluções: o Francisco acredita que mais Estado pode dar origem a um Portugal melhor, e eu desde os oito anos de idade que não acredito no Pai Natal. As nossas diferenças são essas. É só por isso que prescindo do seu generoso consolo: já tenho 900 anos de História e de dependência do Estado a consolar excelentemente as minhas convicções. O Francisco quer o homem novo no sistema velho. Eu prefiro o homem velho num sistema novo.

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