Krugman pede a BCE que aponte a inflação mais alta para evitar destino do Japão

Economista americano diz que meta de inflação de 4% na zona euro tornaria ajustamento de países como Portugal mais fácil.

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Nobel da Economia é um dos oradores no Fórum do BCE

Numa sala recheada dos mais altos responsáveis do Banco Central Europeu (BCE), incluindo Mario Draghi, Paul Krugman atacou nesta terça feira, em Sintra, uma das regras base da política da autoridade monetária: a de que a inflação deve a médio prazo ficar abaixo, mas próximo, de 2%. E, ao fazer isto, o economista norte-americano acusou o BCE de estar a ser demasiado complacente com as actuais taxas de inflação baixas, colocando a economia europeia no caminho de uma depressão prolongada, semelhante à do Japão.

Na apresentação feita no Fórum do BCE por Krugman, conhecido pela sua defesa de políticas Keynesianas e pelo prémio Nobel que recebeu em 2008, foi defendido que uma meta de inflação de 2%, como a usada pelo BCE e pela Reserva Federal norte-americana, não é a adequada para que a política monetária contribua para o crescimento económico, algo que tende a agravar-se no futuro, com a economia a entrar numa fase de estagnação secular devido a tendências demográficas negativas. "O futuro não vai ser como o passado. Mesmo que 2% fosse adequado no passado, algo em que não acredito, não será certamente no futuro", afirmou Paul Krugman.

O economista explicou que, quando a meta de 2% foi adoptada, se pensava que um cenário em que as taxas de juro nominais cairiam para muito próximo de zero era bastante improvável. Esperava-se igualmente que uma taxa de inflação de 2% seria suficiente para evitar que a rigidez nominal dos salários impedisse o ajustamento de economias como problemas de competitividade. De acordo com Krugman, nenhuma destas condições se revelou verdadeira: os bancos centrais enfrentam actualmente um cenário de taxas de juro próximas de zero, que lhes retiram instrumentos para agir, e a experiência da crise na zona euro mostra que os salários nominais desceram pouco, mesmo num cenário de desemprego muito alto.

Este último factor é particularmente importante para os países periféricos, já que, com a taxa de inflação muito baixa em toda a Europa, tentar ganhar competitividade através de um ajustamento real dos salários torna-se particularmente difícil. Paul Krugman defende que uma meta de inflação próxima de 4% seria mais adequada e que, em particular, "tal tornaria mais fácil o ajustamento da periferia".

O que leva os bancos centrais a não proceder a esta mudança de metas é, segundo Krugman, o facto de a inflação quase nunca registar quedas abruptas com impactos imediatos mais nítidos. "Geralmente, não se chega mesmo à deflação, fica-se só com inflação baixa. E é fácil convencer-nos de que não há problema nenhum. Isto conduz à complacência", afirmou Krugman, lembrando os discursos de Mario Draghi em que este salientava que os preços ainda não estavam a cair, justificando assim o facto de não agir imediatamente para fazer subir a inflação. 

"É muito fácil que economias deprimidas e com inflação muito baixa ou deflação comecem a ser aceites como o novo normal", lamentou o economista, lembrando o caso do Japão, que tenta agora aumentar o seu objectivo explícito de inflação. "No Japão, decidiram seguir o nosso conselho de fazer alguma coisa... 15 anos depois", disse Paul Krugman num evidente recado ao BCE.

Do lado do BCE, não se ouviram respostas à proposta de Krugman. O mais próximo que  houve foram as críticas de Otmar Issing, o economista-chefe do BCE no momento da sua fundação e uma referência muito importante para o pensamento do Bundesbank ao longo dos últimos anos. Issing mostrou a sua preocupação em relação à forma como um processo de subida das metas de inflação seria gerido, afirmando que "as expectativas de evolução da inflação deixariam de estar ancoradas", o que "colocaria em causa a credibilidade dos bancos centrais". Otmar Issing assinalou ainda que, mesmo com níveis relativamente baixos de variação de preços, como 2%, "os custos  para o bem estar da inflação são substanciais".

Em reposta a Issing, Krugman colocou em causa o papel que a credibilidade dos bancos centrais realmente desempenha na evolução dos preços. "Ancorar as expectativas de inflação desempenha um grande papel na ideologia dos bancos centrais, mas desempenhará um papel assim tão grande na realidade? Não existem provas disso", afirmou.

Outros intervenientes na discussão assinalaram os efeitos que uma inflação mais elevada pode ter principalmente nos rendimentos mais baixos. Paul krugman não respondeu a essa crítica.

A questão de qual deve ser a posição dos bancos centrais em relação à taxa de inflação é, neste momento, fundamental para o BCE. Com os preços na zona euro a registarem variações homólogas anuais de 0,7% e alguns países da periferia, como Portugal, com taxas de inflação negativas, o banco central tem hesitado em adoptar medidas expansionistas mais agressivas. Com as taxas de juro já quase em zero, espera-se que medidas não convencionais como a compra de activos possam ser tomadas, talvez até na próxima reunião agendada para 5 de Junho. Se o objectivo de inflação fosse colocado acima dos 2%, a adopção dessas medidas seria certamente mais rápida e decisiva.

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