IRS ainda não assegura que solteiros sem filhos não são penalizados

Governo garante que os contribuintes sem filhos não serão prejudicados com a reforma do IRS “em circunstância alguma”. Mas só com uma salvaguarda na proposta de lei deverá ser evitado que alguns solteiros sem filhos paguem mais em 2015.

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Maria Luís Albuquerque Daniel Rocha

Quando apresentou a reforma do IRS, na última quinta-feira, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, assegurou que as mudanças desenhadas para “proteger as famílias” não vão penalizar os contribuintes sem filhos. Para que isso aconteça, a proposta de lei a chegar ao Parlamento terá de garantir essa salvaguarda, já que, de acordo com as informações conhecidas até agora, nem todos os contribuintes ficam a ganhar com as mudanças no IRS.

Segundo simulações da consultora PwC, há casos em que contribuintes solteiros sem filhos beneficiam de uma descida do IRS, mas há também situações em que o imposto a pagar pode aumentar no próximo ano. Tudo depende de variáveis como o rendimento em causa e as despesas realizadas (e o próprio tipo de despesa em causa). É preciso ter em conta estas particularidades do agregado familiar para se perceber se cada um vai pagar mais ou menos.

Tendo o Governo assegurado que os contribuintes sem filhos não vão sair prejudicados, isso implica que haja uma solução para “compensar” ou evitar as situações em que os contribuintes se arriscam a pagar mais IRS em 2015. Um cenário poderá passar, em determinados casos, por haver “vales” excluídos de tributação de IRS, em que as empresas pagam parte do vencimento através destes títulos, apurou o PÚBLICO.

A questão coloca-se, porque a reforma do IRS prevê várias alterações de fundo na forma como os contribuintes se relacionam com o imposto. O Governo encontrou uma solução técnica para atender aos agregados familiares com filhos (e ascendentes a cargo), propondo a introdução de um quociente familiar para se determinar qual é o rendimento colectável (e assim calcular a taxa do imposto).

Neste sistema, o rendimento é dividido pelo número de membros do agregado familiar, sendo atribuído um “peso” de 0,3 a cada filho e a cada ascendente. Como os filhos são considerados no cálculo do rendimento colectável, a medida aproveita, por si só, às famílias com dependentes, não tendo impacto no caso dos solteiros sem filhos.

Já quando se olha para o impacto global da reforma, é preciso considerar a mudança no modelo das deduções à colecta do IRS, que não assegura — para já — que todos os contribuintes solteiros sem filhos tenham um desagravamento do imposto.
No novo modelo de deduções, passará a haver aquilo a que o Governo chama “despesas gerais familiares”. Conta para dedução todo o tipo de despesas em que a factura foi emitida com número de identificação fiscal (NIF), sejam gastos de educação, imóveis, vestuário ou compras de supermercado. São deduzidos 40% dos gastos, mas há um tecto de 600 euros por casal.

Só os encargos de saúde são considerados em separado ao grupo das “despesas gerais familiares”, com uma dedução de 10% e um tecto de mil euros. Para além disso, continuará a haver deduções fixas por filho (325 euros) e por ascendente a cargo da família (300 euros).

Cenários diferentes
Vejam-se as simulações feitas pela consultora PwC. No caso de um solteiro sem filhos com um rendimento mensal bruto de 2500 euros (35.000 euros por ano), assumiu-se, para 2014, que o contribuinte declarava 400 euros de despesas de saúde, 2000 euros em despesas de educação, mais 750 euros com encargos com imóveis. Para 2015, assumiu-se que o valor total das despesas era o mesmo, mas distribuído de forma diferente, já que há mudanças no modelo de deduções à colecta. O contribuinte teria 400 euros de gastos de saúde, às quais se somam as “despesas gerais familiares”, onde se incluem 2000 euros de gastos de educação e 750 euros de outras despesas (como vestuário ou compras do supermercado).

Neste cenário, a PwC calcula que o imposto final a pagar é de 8628,98 euros este ano, enquanto no próximo passa para 9225,43 euros. É uma diferença de 596,45 euros no rendimento líquido, já que o rendimento líquido baixa de 26.371,02 euros para 25.774,57 euros.

Não quer isto dizer que assim acontece para todas as situações de solteiros sem filhos. Se for simulado o mesmo perfil mas com outros rendimentos ou até com despesas de outro valor, há situações em que o imposto desce. É o caso, por exemplo, de um contribuinte com um salário de 600 euros mensais (8400 euros anuais). Se em 2014 não há lugar a despesas declaradas no IRS, para 2015 assume-se que o contribuinte tinha 750 euros de gastos por via do novo regime de “despesas gerais familiares”. Neste caso, o rendimento líquido em 2014 é de 7990,83 euros, enquanto em 2015 sobe para 8077,08 euros. Há um benefício de 86,25 euros.

O PÚBLICO questionou o Ministério das Finanças sobre o facto de haver situações em que se verifica um agravamento do IRS — e referiu o perfil do agregado em causa, o rendimento e as despesas assumidas nesta simulação —, mas não obteve resposta. Isto, porque durante a apresentação da reforma o secretário de Estados dos Assuntos Fiscais assegurou que as medidas “não determinarão em circunstância alguma uma penalização das famílias sem filhos”.

José Pedroso de Melo, advogado do departamento fiscal da SRS Advogados, entende que o modelo encontrado pelo Governo para as deduções, ao introduzir um tecto global de 600 euros por casal, foi uma forma de contornar “as críticas ao sistema de deduções fixas” sugerido pela comissão de reforma do IRS, harmonizando este modelo com a comunicação ao fisco das facturas emitidas com NIF.

Leonardo Marques dos Santos — fiscalista da PLMJ e ex-adjunto do ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, Luís Marques Guedes — frisa que a reforma traz “alterações há muito reclamadas”, nomeadamente as medidas de simplificação e da tributação separada. Por outro lado, “não há uma percepção pública de que a reforma tenha trazido mais rendimento líquido”, vinca, frisando, no todavia, que a descida do imposto não era o objectivo da reforma, antes sim a simplificação, a protecção da família e valorização do trabalho.

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