Irá a Europa repetir o erro do Japão dos anos 90?

Uma economia saída de uma crise financeira, com os bancos em situação frágil e o consumo e o investimento muito abaixo da oferta. É assim a zona euro de hoje e era assim o Japão dos anos 90 do século passado, antes de cair na armadilha da deflação.

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Ao fim de quase duas décadas, os japoneses mantêm-se extremamente prudentes na hora de consumir TORU HANAI/REUTERS
O presidente do BCE tem garantido que a situação da Europa é muito diferente da que se viveu no Japão
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O presidente do BCE tem garantido que a situação da Europa é muito diferente da que se viveu no Japão AFP PHOTO / JOHANNES EISELE

“De momento não há qualquer razão para esperar que os preços caiam drasticamente e exerçam uma pressão deflacionista em toda a economia”. A frase poderia ter sido dita por Mario Draghi, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), em qualquer um dos vários discursos em que tem tentado assegurar que a zona euro não irá cair em deflação. Mas não, quem disse esta frase foi Yasuo Matsushita, o governador do Banco do Japão nos primeiros dias de 1998, poucos meses antes de o seu país cair, de forma irremediável e pelo menos pelos 15 anos seguintes, na armadilha da deflação.

A deflação – definida como um período longo e persistente de inflação negativa – é o maior terror que um banqueiro central pode enfrentar. Porque, quando se instala, auto-alimenta-se, o que a torna extremamente difícil de combater. Foi isso que aconteceu nos Estados Unidos durante a Grande Depressão dos anos 30 e no Japão desde os anos 90. Anos consecutivos de inflação negativa empurraram estas economias para a estagnação, num ciclo vicioso que as diversas estratégias orçamentais e monetárias tiveram dificuldades em quebrar.

É verdade que, à primeira vista, uma constante descida dos preços até pode parecer uma vantagem. E, na realidade, a inflação negativa é positiva para os consumidores que consigam manter os seus níveis de rendimento porque, com o mesmo dinheiro, passam a poder comprar mais bens. O problema é que, a partir do momento em que se instala nas pessoas a expectativa de futuras descidas de preços, o comportamento dos consumidores e das empresas altera-se de uma forma que acaba por prejudicar gravemente a actividade económica, gerando novas descidas de preços e prolongando a deflação.

Foi isso que aconteceu no Japão a partir de meados dos anos 90 e é isso que a zona euro tenta evitar agora. Mas será que aquilo que se viveu no Japão há duas décadas é, de facto, igual ao que está agora a acontecer na zona euro?

No Japão, depois do rebentamento de bolhas no mercado bolsista e imobiliário, o país ficou com um sistema financeiro extremamente debilitado e incapaz de conceder crédito, a economia registou uma recessão prolongada e a confiança das empresas e das pessoas em relação ao futuro deteriorou-se de forma acentuada. Os japoneses, perante a perspectiva de reduções salariais e antecipando novas descidas de preços, passaram a ser consumidores muito prudentes. As empresas deixaram de investir num futuro de preços e margens curtas. O resultado foi uma quebra persistente do consumo e do investimento que empurrou o país para a recessão.

Ao fim de quase duas décadas, muitos destes sinais permanecem. Apesar de, graças à política muito agressiva de expansão monetária lançada no ano passado, os preços terem voltado a subir e a economia ter recuperado ligeiramente, os japoneses mantêm um espírito extremamente prudente na hora de consumir.

Sites de comparação de preços são extremamente populares e as empresas e lojas são permanentemente forçadas a baixar preços e fazer promoções para conseguir atrair os clientes. Com os salários ainda sem subir e a população a envelhecer, o regresso a taxas de inflação positivas e, principalmente, a taxas de crescimento económico elevadas continua a ser uma tarefa por cumprir.

Na zona euro, depois da crise financeira internacional iniciada em 2007, a economia tem revelado grandes dificuldades em crescer e a inflação tem vindo a cair progressivamente, estando neste momento em apenas 0,4%. Em países da periferia europeia, a recessão foi mais marcada e há casos, como o português, em que a taxa de inflação está já há algum tempo em território negativo.

O reduzido nível de concessão do crédito, inicialmente provocado pelas dificuldades financeiras dos bancos, parece acontecer também porque as famílias e empresas europeias não querem mais empréstimos para consumir e investir. A prudência em relação ao futuro parece ser agora também uma característica europeia.

O presidente do BCE garantiu em diversas ocasiões durante este ano que a zona euro não está na mesma situação que o Japão. “No BCE, perguntamo-nos: estamos próximos de um cenário como o do Japão? E a resposta a que chegamos é não, não estamos. Por uma série de razões”, afirmou Mario Draghi no final do ano passado.

As razões dadas pelo líder do banco central eram as seguintes: o BCE actuou mais cedo do que o Banco do Japão, os bancos europeus estão em melhores condições do que estavam os japoneses e a inflação negativa nos países da periferia serve para ganhar competitividade externa e fazer recuperar a economia.

Além disso, garantia Draghi na altura, a expectativa de uma evolução negativa dos preços ainda não está instalada entre os europeus. “Se olharmos para a forma como as expectativas de inflação de longo prazo se portaram naquela altura no Japão, vemos que não estavam ancoradas de forma firme. É por isso que é tão importante que as nossas expectativas de inflação se mantenham firmemente ancoradas, porque dizem às pessoas que dentro de um determinado período de tempo, no médio prazo, a inflação vai voltar ao nosso objectivo de perto, mas abaixo de 2%”, afirmou o presidente do BCE.

Muitos analistas não são tão optimistas em relação a esta capacidade do banco central em evitar que as pessoas comecem a pensar que os preços (e os seus salários) vão continuar a descer por muito tempo.

Os técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI) estão entre eles. Em relatórios em que alertam para o risco de deflação na zona euro, assinalam que as expectativas de inflação actuais dos europeus estão muito próximas das que se registavam no Japão nas vésperas de entrada em deflação. O FMI defende também que, em termos de descida das taxas de juro e, principalmente, na tomada de medidas de carácter excepcional, o BCE está a ter um comportamento em tudo semelhante ao do Banco do Japão dos anos 90.

E as semelhanças entre o Japão dos anos 90 e a zona euro de agora são assustadoras: são duas economias saídas de choques financeiros graves, têm um sistema financeiro em crise, sem capacidade para emprestar dinheiro à economia, assistem a tendências demográficas negativas e sentiram o impacto de taxas de câmbio demasiado altas.

É verdade que, nos últimos meses, os sinais de alarme parecem ter tocado em Frankfurt e o BCE prepara-se para iniciar a compra de activos como forma de lutar contra a deflação. Primeiro serão compras de títulos associados a créditos bancários, depois provavelmente passar-se-á para a aquisição de dívida pública.

No entanto, tal como aconteceu no Japão, a tarefa do BCE parece difícil. Etsuro Honda, conselheiro económico de Shinzo Abe e um dos mentores da política agressiva de combate à deflação adoptada pelo primeiro-ministro japonês a partir do final de 2012 (conhecida como Abenomics), não tem dúvidas de que “a zona euro infelizmente está em deflação” e avisa que “a situação na zona euro é mesmo mais complicada do que a do Japão”.

“Na zona euro, é muito difícil com 17 países. Os vários países precisam de diferentes políticas monetárias, mas com o euro só há uma mesma política para todos”, assinala.

Para Honda, contudo, a zona euro tem uma vantagem: o exemplo do Japão. “Se o Japão for bem-sucedido, pode ser um bom modelo para outros países que caiam no problema da deflação. Espero que a Europa siga uma política monetária expansionista muito mais ambiciosa”, afirma.

O jornalista viajou a convite do Foreign Press Center Japan e do Ministério dos Negócios Estrangeiros japonês

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