Incentivo ao pedido de facturas aumenta, mas o impacto na receita é incerto

Conselho Económico e Social avisa que o resultado do combate à evasão fiscal sobre as receitas é difícil de quantificar. Novo modelo de deduções do IRS incentiva contribuintes a pedir facturas com NIF.

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Finanças estimam que, em 2013, 20% do aumento da receita fiscal resultou do combate à fraude e à economia paralela Daniel Rocha

Pressionado a aumentar a entrada de receitas para os cofres do Estado quando a carga fiscal está já em níveis recorde, o combate à evasão fiscal e à economia paralela apareceu em força no discurso do Governo com o Orçamento do Estado para 2015 e, agora, com a reforma do IRS, diploma que deu entrada no Parlamento na última quinta-feira.

A reforma fiscal traz várias mudanças na forma como o contribuinte se relaciona com o imposto. E as várias alterações introduzidas nas deduções à colecta e no abatimento de despesas com educação confluem no mesmo sentido: incentivar os contribuintes a pedir facturas com Número de Identificação Fiscal (NIF). Ao mesmo tempo, no orçamento prevê-se que o aumento da receita do IRS e IVA que ficar acima do previsto será alocado à devolução (total ou parcial) da sobretaxa extraordinária de IRS de 3,5%, que em 2015 continua a ser paga todos os meses pelos contribuintes.

Este ano, a receita continua em alta: os dados da execução orçamental até Setembro confirmam a tendência de crescimento, a um ritmo de 7,3%.

Mas como se pode medir o impacto do combate à economia paralela no desempenho da receita? O Conselho Económico e Social (CES) já veio avisar que a informação sobre o combate à fraude e à evasão fiscal é escassa e considera que as projecções de arrecadação da receita podem estar sobreavaliada. Numa versão preliminar do parecer sobre o OE, que a Lusa cita, o conselho presidido por José Albino da Silva Peneda coloca reticências sobre o cenário económico previsto pelo Governo, que considera ser incerto, e alerta para o facto de o reforço da receita assentar em parte dos ganhos esperados no combate à economia paralela.

O CES reconhece “os esforços e os resultados obtidos” com as medidas contra a evasão fiscal, avisando, no entanto, que a projecção “dos efeitos deste combate sobre as receitas é extremamente difícil de quantificar e que, portanto, contar com um aumento significativo das receitas baseado neste facto pode revelar-se desajustado”.

No IRS, as novas regras das deduções vêm lançar novos incentivos ao pedido de factura com NIF. Mantém-se as deduções de gastos de saúde (15%, com um limite de mil euros), havendo ainda despesas de educação a abater ao rendimento líquido (até 1100 euros por filho ou dependente, com um tecto máximo de 2250 euros por declaração de rendimento).

Para as deduções, deixa de ser preciso apresentar ao fisco as despesas no momento em que o contribuinte faz a declaração de rendimentos, mas para ter direito à dedução é preciso que a factura tenha sido emitida com NIF e que a empresa tenha comunicado os dados à Autoridade Tributária e Aduaneira, o que já é obrigatório.

O mesmo acontece com as “despesas gerais familiares”, em que todo o tipo de despesas do dia-a-dia contam para o IRS. Sejam gastos de supermercado, um café, roupa ou as facturas do gás, qualquer despesa tem uma dedução de 40%, com um limite de 300 euros por sujeito passivo.

Neste sistema, incentiva-se a necessidade de pedir facturas. Mas para ter direito ao valor máximo da dedução, basta ao contribuinte realizar despesas no valor de 750 euros anuais (factura com NIF). Como o patamar é globalmente atingível para a grande maioria, o modelo aproxima-se do sistema de deduções fixas que foi sugerido pela comissão para a reforma do IRS, mas que não vingou tal e qual o grupo de peritos fiscais propôs.

Elasticidade da receita
Não é só ao CES que a forma de aferir o peso do combate à economia paralela no crescimento das receitas causa dúvidas. No relatório anual sobre combate à fraude relativo a 2013, o Ministério das Finanças estimava que “20% do aumento da receita face a 2012” tinha resultado “directamente do combate à fraude e à economia paralela”, mas não explicava como tinha chegado a este valor. Um dos argumentos do Governo é que, tendo em conta a aplicação de “elasticidades” e das variáveis macroeconómicas que influenciam o comportamento da receita, a melhoria na receita resulta do combate à fraude.

É em parte a contar com estes ganhos que o Governo está a prever um aumento das receitas em todos os impostos para 2015. Ao todo, projecta um encaixe de 38.873 milhões de euros, dos quais 27.658 milhões resultam da cobrança de IVA e IRS.

No mesmo dia em que foram conhecidas as dúvidas do CES, o Ministério das Finanças veio salientar o facto de Portugal ser o sexto país da União Europeia com nível mais baixo de desvio de IVA. Os dados, relativos a 2012, são da Comissão Europeia, que neste estudo teve em conta 26 Estados-membros (Chipre e Croácia ficaram de fora).

O Ministério das Finanças refere-se a esta classificação como sendo a sexta mais baixa relativamente à evasão fiscal em sede de IVA. No entanto, como refere a Comissão Europeia, os desvios do IVA resultam da diferença entre as previsões das receitas e o valor efectivamente cobrado, pelo que estes desvios “não são imputáveis apenas à fraude”, ainda que isso contribua de forma decisiva. “O não pagamento de IVA resulta também, nomeadamente, de falências e insolvências, de erros estatísticos, de pagamentos em atraso e da evasão lícita”, acentua a Comissão Europeia.

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