Impasse político reforça incerteza orçamental

Que medidas de austeridade continuam em vigor a partir de 1 de Janeiro? Os resultados orçamentais de 2016 dependem da resposta a esta questão e também do tempo que durará em Portugal um governo de gestão.

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Maria Luís Albuquerque afirmou no Parlamento, a 25 de Junho, que nada foi referido sobre swaps na transição governamental de 2011 Enric Vives-Rubio

Ainda nem se sabe se o défice público cai mesmo abaixo de 3% este ano, mas a incerteza orçamental em Portugal já está centrada naquilo que irá acontecer em 2016, especialmente durante os primeiros meses.

Com Pedro Passos Coelho encarregue de formar um Governo que pode cair assim que o seu programa for entregue no parlamento, já é neste momento certo que o ano de 2016 irá iniciar-se sem que um novo orçamento do Estado seja aprovado. Mas as certezas ficam por aqui. Não se sabe por quanto tempo irá viver o país sem orçamento em 2016 e subsistem as dúvidas em relação às medidas do orçamento de 2015 que vão continuar a ser aplicadas a partir de 1 de Janeiro. Perante isto, fazer previsões em relação ao défice público que se irá registar em 2016, que o Governo queria que fosse de 1,8%, é uma tarefa no mínimo arriscada.

A primeira dúvida que se coloca é a de saber qual será o impacto de uma execução orçamental feita em regime de duodécimos. O que isto significa é que, iniciando-se o ano de 2016 sem orçamento, cada um dos serviços do Estado fica apenas autorizado a gastar durante um mês o valor correspondente ao orçamento anual do ano passado dividido por 12. Isto, só por si, não significa que haja uma derrapagem orçamental.

Olhando para o Programa de Estabilidade apresentado pelo Governo, a despesa pública projectada para 2016 num cenário de redução do défice para 1,8% até seria, em termos nominais, superior em cerca de 400 milhões de euros ao valor de 2015. Deste modo, tal como aconteceu no passado, limitar os serviços públicos a gastarem exactamente o mesmo que no ano passado até poderia representar uma contenção da despesa.

O problema coloca-se sobretudo nas medidas de corte da despesa e de reforço da receita que foram aplicadas em 2015 e que agora não é certo que se continuassem a aplicar, num regime de duodécimos.

Não havendo novo orçamento no início do ano, o que acontece é a prorrogação da lei do OE do ano anterior. Mas a sua aplicação não acontece com todas as medidas. De fora ficam, de acordo com a Lei de Enquadramento Orçamental, aquelas que já estava definido que apenas vigorariam no ano a que diz respeito o orçamento.

Podem estar em causa várias medidas. Em primeiro, os cortes salariais na função pública. Estes não constam do OE, tendo sido postos em prática através de uma lei autónoma que afirma que vigoram “no ano 2014 a partir da data da entrada em vigor da presente lei e no ano seguinte”, não havendo referência a 2016. A diferença entre aquilo que o Governo previa de despesa e um cenário de desaparecimento dos cortes é de 459 milhões de euros.

Depois há a sobretaxa do IRS, prevista no OE, sem que seja feita referência explícita a 2016. Neste caso, a diferença entre o cenário de reversão progressiva do Governo e o da anulação da medida é de uma redução da receita de 570 milhões de euros.

Ameaçada está ainda o congelamento do valor da actualização do valor nominal das pensões, que tem vindo a ser renovada sucessivamente em cada novo orçamento. O impacto neste caso é de 400 milhões de euros.

Há ainda outras medidas de menor dimensão, como a Contribuição Extraordinária de Solidariedade, em que se coloca a dúvida sobre a continuação da vigência.

As opiniões dividem-se em relação ao que pode acontecer a todas estas medidas, quando se chegar a 2016. O ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, Luís Marques Guedes, referiu-se recentemente a esta matéria, reconhecendo que o princípio da prorrogação das medidas do OE tem excepções, mas afirmando, que esse “não é necessariamente o caso da sobretaxa”.

Guilherme Waldemar d’Oliveira Martins, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa que coordenou o grupo de trabalho para a revisão da Lei de Enquadramento Orçamental, defendeu no Jornal de Negócios que medidas como a sobretaxa ou o congelamento das pensões devem ser consideradas como excepção. “Todas as medidas destinadas a vigorar apenas num determinado ano económico, que têm natureza transitória, caducam".

Nuno Cunha Rodrigues, outro professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, tem menos certezas. “É uma questão de interpretação da lei e ambas as leituras fazem sentido”, diz, antecipando que aquilo que pode vir a acontecer é “o Governo fazer a sua interpretação da lei e, depois, no limite, a questão será decidida pelo Tribunal Constitucional".

No caso de anulação de todas estas medidas, o impacto orçamental imediato pode ser significativo, dependendo é claro do número de meses em que o país venha a viver sem novo orçamento e dos efeitos indirectos positivos que se possam estimar por causa do aumento do rendimento disponível dos portugueses. De acordo com as projecções do Conselho das Finanças Públicas, num cenário de políticas inalteradas, sem que novas medidas fossem adoptadas e as medidas de 2015 como o corte salarial, a sobretaxa, o congelamento das pensões e a CES caíssem, o aumento da despesa pública face a este ano seria em 2016 de 2595 milhões de euros, o que contribuiria para que o défice ficassem em 3,2%.

E um governo de gestão não poderia fazer nada em relação a isso? Também aqui as certezas não são muitas, mas parece existir um certo espaço de manobra para agir. “Um governo em gestão não é um governo paralisado. É um governo limitado, mas tem também alguns poderes orçamentais”, afirma Nuno Cunha Rodrigues. O professor de Direito assinala que, um cenário em que é preciso executar mais despesa do que aquela que está prevista no orçamento, poderia ser possível a um executivo desse tipo avançar com alterações orçamentais. Não poderiam ser medidas novas, tinham de ser medidas que caíssem dentro do objectivo de cumprir a lei do orçamento que tinha sido prorrogada.

E depois, há sempre a possibilidade de o parlamento, por proposta de uma força partidária, aprovar novas medidas com impacto na despesa e na receita. Marques Guedes fez questão de assinalar este facto, afirmando que a Assembleia da República "tem iniciativa legislativa em todos os domínios fiscais com impacto orçamental".

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