“Hoje a legislação laboral não é factor constrangedor da actividade económica”

António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), diz que está a esgotar-se o tempo para fazer a reforma do Estado e garante que há abertura para um acordo sobre o salário mínimo.

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Miguel Manso

António Saraiva, eleito para um segundo mandato à frente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), defende que o que melhor protege os interesses de Portugal é um programa cautelar, mas antecipa que esse não será o caminho escolhido pelo Governo. A CIP está disponível para um acordo a três ou quatro anos do salário mínimo, desde que em paralelo se discutam os pontos do acordo de concertação de 2012 que não foram cumpridos. Alerta ainda para a “dimensão enorme” do impacto nas empresas do aumento do custo do trabalho extra a partir de Agosto e “tem legítimas expectativas” de que alguma coisa seja feita para contornar esse problema.

Tem defendido a necessidade de um consenso político em torno de várias matérias, nomeadamente a justiça, a reforma da administração pública ou a redução da burocracia. O que tem impedido esse consenso? É uma questão de táctica eleitoralista?
Não se tem obtido esse consenso por tácticas eleitoralistas. Os partidos quando estão na oposição têm um discurso e, lamentavelmente, quando chegam ao poder alteram esse discurso e têm outra praxis. Depois inverte-se a situação. Andamos há 40 anos nestes ciclos de alternância. Por que razão não temos hoje consenso sobre determinadas matérias, nomeadamente sobre a reforma da administração pública? Porque se quer chegar ao próximo acto eleitoral e contar as espingardas para se saber que força se tem à mesa das negociações. Este ciclo de tacticismos eleitorais tem de ser alterado.

Acredita que esse consenso ainda é possível?
É possível. O homem quando não muda por inteligência, muda por necessidade. A necessidade já chegou, estamos em emergência de acção. Vamos mudar por necessidade. Não creio que das próximas eleições [para o Parlamento Europeu] saia uma expressiva votação neste ou naquele partido, que lhe dê acrescida margem de manobra para liderar os consensos. Vamos levar isto até às legislativas e, nessa altura, os partidos vão ter de se sentar à mesa. Vamos chegar a um ponto em que os consensos vão ser obtidos. Não por inteligência, mas por necessidade.

Numa altura em que temos de decidir a saída da troika esse consenso não deveria existir já?
Mesmo sem demonstrar internamente consenso, não acredito que o PS não tenha dado sinais de vontade de cumprir o que o programa de ajustamento nos tem imposto. E que dê credibilidade a uma saída, seja limpa ou cautelar. Costumo dizer que, independentemente do nome que lhe chamarmos, temos de ter muitas cautelas na saída, porque o regresso aos mercados se não for muito acautelado, pode fazer perigar a nossa situação.

O que considera que será mais útil a Portugal? Uma saída limpa ou um programa cautelar?
Defendo que um programa cautelar nos acautelaria mais da instabilidade dos mercados e das variáveis que não controlamos. Por outro lado, Portugal tem hoje pouca margem para pedir um cautelar, até porque estamos à beira de eleições europeias, e as instâncias comunitárias não estão tão disponíveis para tratar do caso português se for necessário. Portugal dificilmente fará um cautelar, porque tem feito tudo e já indiciou que faria uma saída limpa à irlandesa.
 
Na reunião que tiveram com o primeiro-ministro foi dada alguma indicação sobre qual é a posição do Governo?
O primeiro-ministro disse que até 5 de Maio tomaria uma posição. Entregou-nos um power point onde refere os indicadores de melhoria da economia portuguesa e um documento demonstrativo da burocracia processual de um cautelar. Não tomou nenhuma posição.

Subscreveu o Manifesto dos 70 porque defende a reestruturação da dívida?
Subscrevi porque enquanto cidadão estou preocupado com o futuro do país. Para gerarmos crescimentos de 3% ou 4% temos uma magnitude de problemas por ultrapassar e dinâmicas empresariais para criar e os resultados não serão imediatos. Quando é que vamos gerar crescimento para ultrapassarmos os nossos problemas? Não vai ser nos próximos três ou quatro anos. Vai demorar no mínimo uma década. Quando fui desperto para o manifesto, achei que tinha uma virtude: pôr os portugueses a reflectir sobre este problema. Depois, ele ganhou uma dinâmica própria e uma dimensão política. Sobre esta petição à Assembleia da República já ninguém me consultou. Os próprios subscritores foram ultrapassados nas decisões que alguém dirigiu e a partir desse momento, como não posso despir-me da pele de presidente da CIP, entendi dizer que hoje não o assinaria, porque desvirtuou-se a intenção inicial.

Sentiu-se instrumentalizado?
Não diria instrumentalizado. A reacção do Governo ao documento acabou por politizar as questões.

O que justifica essa reacção do Governo?
Penso que alguns nomes do documento incomodaram o Governo. Pessoas próximas do Presidente da República, Manuela Ferreira Leite, Bagão Félix, dois conselheiros da presidência. Houve uma correlação de factos.

De quem partiu o desafio para assinar o documento?
O meu contacto veio do professor Ricardo Bayão Horta.

Ainda vamos a tempo de fazer a reforma do Estado?
O tempo vai-se esgotando. Já estamos em tempo de necessidade. Não vamos ter muito mais tempo para promover essa reforma. O Estado vai ter de ser repensado, a administração pública vai ter de se redimensionar, porque nós não geramos riqueza para manter este estado de coisas.

Mas quanto mais se adia pior se faz…
Esse tem sido o erro. Vão-se fazendo cortes transversais, mas a ideia que transparece é que não são feitos segundo um pensamento estratégico sobre o Estado que queremos e podemos ter. Vão-se atalhando caminhos sem definir a estrada. Os partidos políticos têm consciência desta necessidade, mas mais uma vez por tacticismos não se avança. Há um conjunto de medidas que devem ser corajosamente assumidas. Seja a Constituição, as rendas excessivas ou as PPP.

As medidas anunciadas pelo Governo, de corte na despesa dos ministérios, para atingir um défice de 2,5% em 2015 são exequíveis?
Penso que sim. Espero que haja capacidade de execução dessas medidas. Mas há ainda que contar com as decisões que estão pendentes no Tribunal Constitucional.

Como vê a nova taxa sobre produtos nocivos anunciada na semana passada e que o Ministério da Saúde está a estudar?
Acho surpreendente que se aumentem os impostos para pagar as dívidas da saúde. Era desejável que o Governo fundamentasse os critérios que estiveram na base desta opção. Se o Governo está preocupado com questões de saúde pública então deve promover uma correcta pedagogia sobre os hábitos de consumo.  Lançar novas taxas pode representar quebras de consumo, reduções de produção, deslocalizações e, no fim da linha, desemprego.

O Governo desafiou recentemente os parceiros sociais a assinar um acordo. Qual o sentido de falar em novos acordos quando o de 2012 não foi cumprido?
Faz sempre sentido. Só obteremos resultados através de um acordo. O acordo de 2012 não foi cumprido em muitos aspectos, mas cumpriu o que lhe estava subjacente: dar credibilidade externa e estabilidade social ao país. O acordo tinha duas bases, a reforma da legislação laboral, que estava em grande parte prevista no memorando, e um conjunto de normas para promover o crescimento e o emprego. Foi essa segunda parte que ficou por cumprir porque a austeridade impôs-se ao crescimento. O licenciamento, a burocracia, a justiça, os custos energéticos, tudo isso está por fazer.
 
E isso não justificaria um protesto mais contundente dos patrões?
Os patrões não vão para a rua fazer greves e manifestações. Não é que, às vezes, nos falte a vontade de o fazer. As confederações patronais já fizeram várias acções conjuntas e mantemos também um diálogo construtivo com a UGT e a CGTP. Criou-se a imagem de que a concertação social é a mãe e a resolução de todas as matérias, mas não é.
 
Nos sectores representados pela CIP, o aumento do salário mínimo nacional (SMN) teria grande impacto?
Temos uma franja no têxtil, nomeadamente a confecção. Aqui qualquer alteração afasta as encomendas e este é o cuidado que temos de ter nestes sectores e, dentro deles, em algumas empresas. Sempre estivemos disponíveis para a melhoria do SMN com algumas regras. O acordo de 2006 do SMN previa a criação uma comissão de acompanhamento que nunca funcionou, deveriam acautelar-se determinadas regiões e sectores e nunca se fez essa avaliação. Se vários pressupostos se verificassem, então havia o objectivo de atingir 500 euros em 2011. O acordo está totalmente cumprido, as tais subjectividades é que não foram cumpridas. Vamos definir um horizonte temporal para um acordo a três ou quatro anos para a evolução do SMN, assente em determinados pressupostos objectivos e mensuráveis pelas partes. Quais? Aqueles que as partes entenderem que são objectivos e que acautelem a competitividade externa das empresas portuguesas. É aí que o Governo tem de intervir porque vem aí um novo quadro de apoios europeus. Não queremos subsídios, mas uma diferenciação positiva em determinada região ou subsector.

Qual o ponto de partida do acordo. Os 500 euros?
Os 500 euros. Até porque muitos de nós já trabalhamos com esse valor ou acima dele. Estamos disponíveis para discutir uma melhoria do salário mínimo, desde que seja assente em critérios objectivos e acautelada a competitividade das nossas empresas.

E defendem um acordo isolado ou integrado num conjunto de outras questões, nomeadamente o pagamento do trabalho extra?
Acho que podem correr em paralelo. Dizer “só estamos disponíveis para aumentar o SMN se”,  penso que é errado. Estamos disponíveis para fazer correr em paralelo, não faço depender uma da outra. O acordo de Janeiro de 2012 está desequilibrado por causa do acórdão do Tribunal Constitucional (TC) no pagamento do trabalho suplementar, descanso compensatório e na majoração dos três dias de férias.

Querem manter a suspensão do trabalho suplementar por quanto tempo?
Temos pedido mais dois anos, mas devo reconhecer que é uma posição de partida. À mesa das negociações estamos disponíveis para a flexibilizar.

Qual o impacto da reposição do pagamento do trabalho para os valores previstos nas convenções e que estão suspensos até Agosto?
Não posso quantificar, mas é de uma dimensão enorme.

O banco de horas não veio reduzir o recurso ao trabalho extraordinário?
Não. Nas empresas de laboração contínua não é suficiente e as horas extras têm um peso importante importantíssimo.

Vê do lado do Governo abertura para estender a suspensão?
Temos falado regularmente com o ministro Mota Soares sobre a matéria. Tenho legítimas expectativas de que alguma coisa seja feita [nas horas extras].

A redução das compensações por despedimento ilícito é fundamental para a CIP?
Há casos em que facilitaria. Mas em termos de dimensão, estamos a falar em 12%  a 13% dos processos em Tribunal do Trabalho e metade têm sido resolvidos por comum acordo. Se tivesse de fazer uma opção, deixaria cair este tema. Há aspectos mais importantes do que este.

No discurso da sua tomada de posse disse que havia aspectos da legislação laboral a melhorar. A que se estava a referir?
Aos desequilíbrios criados pelo acórdão do TC. Hoje, a legislação laboral não é factor constrangedor da actividade económica. O que já temos hoje disponível é suficiente para as empresas desenvolverem a sua actividade. Pode ser melhorada, mas não impede o investimento. O que se passa é que as empresas, pela sua dimensão, não conhecem os instrumentos que têm ao seu dispor. Para essas empresas é muito complexo. Veja a fórmula de cálculo das compensações por despedimento, por exemplo.

Um dos temas que a CIP tem colocado em cima da mesa é o financiamento das empresas. Têm discutido com o Governo medidas de recapitalização?
É um tema que tem estado presente no Conselho Estratégico para a Internacionalização da Economia, presidido pelo primeiro-ministro e do qual fazemos parte. A recapitalização das empresas é fundamental para a nossa internacionalização. Internacionalizar tem custos substanciais: a dimensão das nossas empresas e o músculo financeiro de que necessitam está desadequado. Deveríamos ter programas de fusões e concentrações empresariais. Houve uma verba no programa de ajustamento para a recapitalização da banca e não está totalmente utilizada. Esse capital poderia ser utilizado para outros fins, nomeadamente para o Estado pagar os três mil milhões que deve às empresas. Se essa verba servisse para amortizar essa dívida já daria às empresas um fôlego de tesouraria extraordinário.

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