Guerra na família Espírito Santo afunda acções do banco

A indicação do nome de Paulo Mota Pinto para presidente não executivo do BES terá partido de uma sugestão do advogado Daniel Proença de Carvalho

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José Maria Ricciardi, presidente do BESI, do grupo BES. Daniel Rocha

A poucas semanas de deixar o BES, Ricardo Salgado enfrentou ontem aquele que poderá ter sido um dos seus piores dias como banqueiro, com a instituição a sofrer uma desvalorização de 10%, num contexto em que o grupo enfrenta problemas económicos e financeiros com uma expressão pública: a luta de poder dentro do núcleo duro da família.

 Um quadro que gerou um clima de dúvida e de incerteza no sector que não pode deixar de preocupar as autoridades e que coincidiu com o facto de o BCP ter demorado mais do que era expectável a comunicar que vai avançar com novo aumento de capital de 2250 milhões de euros.

Durante a tarde, o primeiro-ministro Passos Coelho veio demarcar-se dos problemas do GES: “É conhecido, porque já foi dito [Ricardo Salgado], que o GES tem problemas que precisam de ser resolvidos, estará a trabalhar nesse sentido, teve ocasião de nos comunicar as ideias que tem quanto à solução desses problemas. Mas eu não quero fazer comentários sobre essas questões, porque elas respeitam a um grupo privado que tem os seus interesses legítimos e normais, mas que não cabem na alçada directa nem do Governo nem neste caso do supervisor.” Uma intervenção que se segue a notícias de que Passos não autorizou a CGD e o BCP (ambos sob intervenção estatal) a financiarem em 2500 milhões empresas do GES (com exposição ao BES).

Apesar dos esforços de não associação do Governo ao dossier GES/BES, o tema entrou já na esfera partidária, com o convite feito ao deputado Paulo Mota Pinto, um jurista com peso político e cujo nome não tem aparecido envolvido em polémicas. A escolha para ser presidente não executivo do BES partiu de uma sugestão de Proença de Carvalho, de quem é próximo, e que tem aconselhado Ricardo Salgado na reestruturação do grupo. Há informações que apontam ainda para uma orientação do Banco de Portugal (BdP) para que o novo chairman do BES seja um jurista, precisamente para se poder responsabilizar, entre outras coisas, pelo cumprimento das boas regras de governação. Apesar de ser jurista, Mota Pinto não tem experiência de banca. 

A aceleração dos acontecimentos em torno do segundo maior banco português, que tem sido alvo de várias inspecções por parte do supervisor, começou no dia 16 de Junho ao início da manhã com uma convocação de Ricardo Salgado ao BdP. Carlos Costa terá então avisado que, concluído o aumento de capital, chegara a altura de o BES mudar de gestão. Ou seja: Salgado teria de sair. Na quarta-feira seguinte, o banqueiro e Morais Pires partiram para Luanda e regressaram a Lisboa na quinta-feira. Um dia muito importante. Depois do conselho superior do GES, onde estão os cinco ramos da família, ter reunido, o governador convocou os seus representantes ao BdP.  

O encontro serviu para Carlos Costa deixar claro, nomeadamente perante Ricciardi, que se apresentou como candidato da família a CEO, de que nenhum membro Espírito Santo ficaria nos órgãos sociais do BES, executivos ou não executivos. Isto para evitar conflitos de interesses e proteger a instituição das lutas internas. A reunião foi tensa com o governador a vincar bem a sua posição perante a insistência do presidente do BESI.

A posição firme justificou-se, em especial, pelo resultado das inspecções feitas ao grupo, que detectaram uma confusão nas relações comerciais e creditícias entre o banco e as holdings familiares. Ou seja: o BES financia partes relacionadas. Para além de um buraco no BESA de 5000 milhões (que por enquanto está garantido pelo Estado angolano). Após a clarificação feita por Costa (afastamento da família dos órgãos sociais), Ricardo Salgado avançou com uma nova alternativa para CEO:  a do administrador financeiro do BES. Amílcar Morais Pires garantiu o último aumento de capital de mil milhões e terá o apoio de outros accionistas para além de Salgado. Carlos Costa não terá então emitido qualquer opinião sobre a escolha. Mas a expectativa entre alguns quadros do supervisor era outra: Joaquim Goes.

Antes de dar por terminado o encontro com o Conselho Superior, o governador terá pedido reserva sobre os temas abordados, mas também calma (suspensão da guerra entre primos) até à próxima assembleia geral que vai votar a nova gestão para assegurar o equilíbrio possível à volta da instituição.

No dia seguinte, sexta-feira, a ESFG (e não o CS), que é o maior accionista do BES com 25%, foi chamada por Salgado a aprovar a lista para a gestão que concluirá o actual mandato: Amílcar Morais Pires como presidente executivo e Paulo Mota Pinto como chairman. Horas depois, o Banco de Portugal colocou em linha uma nota a esclarecer que apenas se pronunciará a seguir à assembleia-geral de 31 de Julho (que os aprovará), como, aliás, impõe a lei. Mas o esclarecimento abriu espaço à especulação.

Apesar do pacto de silêncio acordado com o BdP,  José Maria Ricciardi fez sair uma nota a informar que pretende colocar o BESI fora da órbita do BES (ainda que o BES o domine) e notou que lhe tinha sido dado pelo supervisor o registo de idoneidade (Ricciardi, tal como Morais Pires, é arguido em processos de mercado). Já esta segunda-feira, Ricciardi regressou com nova acção pública, esta a clarificar que tinha sido ele (e não Morais Pires) a primeira escolha do núcleo duro da família (apoiado por três ramos) para substituir Ricardo Salgado, mas a falta de unanimidade fê-lo recuar.

Disse ainda que tinha sido por sua decisão que não ia integrar os órgãos sociais (ontem renunciou à ESFG, mas continua vice-presidente do BES), e não por imposição de Carlos Costa. Uma das alternativas que o grupo vai levar a votos à AG é a criação de um conselho estratégico (sem poderes) onde os vários ramos Espírito Santo se farão representar. Resta saber se o BdP viabiliza esta solução.  

A aceleração dos factos envolvendo o BES teve uma consequência: as acções caíram 10%. E as especulações à volta da instituição e da resolução dos problemas financeiros do grupo a ganharem alento. A possibilidade de a situação poder  escapar ao controlo das autoridades está a preocupar Carlos Costa, que tem aliás, como é necessário, tratado o tema GES/BES com pinças: está em causa uma instituição complexa, com grande influência no tecido empresarial; existem riscos sistémicos e qualquer pequeno incidente pode repercutir-se no sistema financeiro português. Recorde-se que o aumento de capital do BCP ontem anunciado vai exigir um sector estabilizado.

 

 


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