Guerra de números deixa economia escocesa sem trajectória clara

Com as reservas de petróleo, a Escócia vale 9,2% do PIB do Reino Unido. Às potencialidades da indústria e da banca somam-se incertezas sobre a demografia.

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REUTERS/Cathal McNaughton

Charlie Galli está a queimar lixo dentro de um velho barril de petróleo, Brian Gardner e Ben Cormack em cima de um telhado a montar um painel solar. A Reuters fotografou-os na ilha de Eigg, conhecida pela produção de energias renováveis na Escócia. E Eigg ilustra bem, por estes dias, a guerra de números em que se transformou o debate sobre quanto vale a economia escocesa dentro ou fora do Reino Unido. No extremar de posições a favor e contra a independência, somam-se números contraditórios em relação ao impacto da eventual cisão em sectores importantes da economia – das energias renováveis à indústria têxtil, do sector financeiro ao petróleo do Mar do Norte.

Há projecções opostas a ponto de Edimburgo prever um “dividendo” de mil libras per capita por ano (1255 euros) com a saída do Reino Unido e Londres estimar uma vantagem de 1400 libras per capita (1750 euros) para a economia escocesa caso o país se mantenha no Reino Unido. Com sobrevive a economia da “nova” Escócia caso vença o “sim” no referendo de quinta-feira? E como fica um Reino Unido sem uma fatia de 9,2% do PIB? A resposta é difícil de dar, desde logo porque os impactos dependerão do resultado das negociações que Londres e Edimburgo venham a ter pela frente. Há questões determinantes ainda em aberto – como dividir as reservas de petróleo, como partir a dívida pública, como garantir a mudança sem sobressaltos na banca, como assegurar a estabilidade dos preços.

As duas são economias umbilicalmente ligadas, desde o sector financeiro (entre a praça de Edimburgo e a City londrina) às relações comerciais. Sessenta por cento das exportações da Escócia têm o Reino Unido como destino. Uns defendem que a economia escocesa tem pujança suficiente em sectores relevantes do comércio internacional, não estando dependente do Reino Unido nas exportações de petróleo e gás, whisky, químicos e outros produtos industriais. O receio de que os preços aumentem e que as exportações de whisky se ressintam deixam o sector das bebidas nervoso.

Analistas notam como a Escócia tem sabido explorar potencialidades na indústria alimentar e das bebidas, na biomedicina ou na indústria aeroespacial. Mas, por outro lado, os custos da desindustrialização ainda estão por sarar. Larry Elliott, editor de economia do Guardian, vinca que “a Escócia, como o País de Gales e muitas regiões do norte de Inglaterra, ainda está a curar as feridas da desindustrialização dos anos 80”.

O primeiro-ministro escocês, Axel Salmond, reclama 90% das reservas de petróleo e gás natural do Mar do Norte. Estima que as receitas representem 4,1% do PIB; Londres calcula que não vão além de 1,7%. No caso de o “sim” vencer, as receitas serão determinantes para as finanças públicas. Mas tudo dependerá do que cada uma das partes reclamar para si. Os analistas antecipam negociações complexas, que envolvem o futuro das licenças de exploração petrolíferas já emitidas pelo Governo britânico a empresas privadas.

A Escócia tem um PIB per capita superior ao do Reino Unido se as receitas petrolíferas e de gás forem consideradas: 26.424 libras (33.204 euros) per capita da Escócia, contra 22.336 libras (28.067 euros) do Reino Unido. Mas se o petróleo não contar para avaliar o PIB, já não é assim. O PIB do Reino Unido fica avaliado em 20.873 libras por habitante e o da Escócia em 20.571.

A evolução da economia vai também depender do factor moeda. O Partido Nacionalista quer manter a libra, o que implica que o Banco de Inglaterra continue a ser a autoridade monetária que fixa as taxas de juro de referência. Conservadores, trabalhistas e liberais-democratas britânicos encontram aqui uma contradição, argumentando que sem união política é impossível partilhar a moeda.

Outra dificuldade tem a ver com a pressão dos grandes grupos económicos, em particular na banca onde podem surgir movimentações determinantes. A banca e os seguros são o quinto maior sector de actividade, representando 7,1% do Valor Acrescentado Bruto (VAB) da Escócia (no topo estão a administração pública/educação/saúde, a indústria, o comércio e o imobiliário).

O Royal Bank of Scotland (RBS) já veio ameaçar fixar a sua sede na City londrina. A Standard Life fez o mesmo, admitindo transferir pensões e outras poupanças de clientes britânicos para fora da Escócia. O facto de o RBS e o Lloyds, dois gigantes da banca escocesa, terem sido resgatados com o dinheiro dos contribuintes britânicos abre outra frente de incerteza. “Há consequências económicas da mudança, mas é difícil quantificá-las”, escreveu Robert Peston, editor de economia da BBC.

Embora a crise tenha feito cair o peso da banca e dos seguros na economia escocesa, a trajectória das duas últimas décadas é ascendente. Os bancos detêm 466 mil milhões de libras (585 mil milhões de euros) em depósitos de empresas e particulares, cerca de um quarto de todos os depósitos dos bancos britânicos. Só 46 mil milhões de libras (57.800 milhões de euros) são de depositantes nacionais. E é nas mãos de investidores britânicos não escoceses que está a esmagadora maioria dos produtos financeiros vendidos por empresas escocesas.

À parte dos gastos imediatos associados aos custos intermédios de pôr a máquina do Estado a funcionar de forma independente, outra incerteza no médio-longo prazo tem a ver com o envelhecimento da população, num país em que 20% dos 5,3 milhões de habitantes está na idade da reforma.
 
Três questões em suspenso:

Com que moeda fica a Escócia se vencer o “sim”?
A campanha pela independência defende a libra, mas Londres diz que não há união monetária sem união política. Larry Elliot, jornalista do Guardian, traçou outros cenários: uso da libra num modelo semelhante ao da circulação do dólar no Panamá; adesão ao euro; criação de uma moeda própria.

Os preços vão subir?
Representantes do comércio vieram acenar com esta possibilidade, mas algumas cadeias de distribuição refrearam os ânimos. A Tesco falou em “especulação”, o Lidl diz que é cedo para fazer previsões e a Aldi garante que nada mudará em relação à operação na Escócia.

Quem fica com as reservas petrolíferas do Mar do Norte?
Caso vença o “sim”, as receitas deverão ser partilhadas. É um dos tabus da negociação. A Escócia reclama 90%.

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