Greve da função pública deixa o país a meio gás

Apesar do protesto, especialistas ouvidos pelo PÚBLICO consideram que Governo não vai alterar políticas. Trabalhadores e sindicatos estão “encurralados”.

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O Hospital Santa Maria, em Lisboa, durante o dia de greve Rui Gaudêncio

Consultas e cirurgias adiadas nos hospitais, escolas sem aulas, repartições de finanças fechadas, julgamentos adiados, autarquias paralisadas. A greve desta sexta-feira da função pública, que uniu CGTP e UGT contra os cortes nos salários e nas pensões, e o aumento do horário de trabalho, levou os sindicatos a revindicarem vitória nos números. Uma adesão entre os 70% e os 100% na recolha de lixo e os 50% a 100% nas escolas e hospitais. Do Governo, não houve balanços.

No sector da Saúde, a manhã foi de confusão em hospitais e centros de saúde um pouco por todo o país, com adiamentos de consultas, tratamentos, exames e cirurgias. Tanto o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, como a Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública falaram numa adesão a rondar os 70% a 80%. No Centro de Saúde Norton de Matos, um dos maiores de Coimbra, uma auxiliar explicava àqueles que iam aparecendo que alguns médicos estavam a trabalhar, mas que a falta de funcionários administrativos impedia as consultas.

Rosário Silva, que trocou folgas para levar o filho a uma consulta, não deu o dia como perdido. Trabalha em dois sítios e vai aproveitar a greve dos outros para estar com Eduardo, de seis anos. “Nunca tenho tempo para ele, por isso vamos fazer deste um dia especial, vamos almoçar fora.”

No sector da Educação, e apesar de ser difícil contabilizar as escolas que estiveram fechadas, aquelas que encerraram por greve do pessoal auxiliar ou dos docentes, a Federação Nacional da Educação falou numa greve com “proporções superiores” a outras do sector. Por seu lado, a Fenprof realçou uma “muito significativa adesão de docentes”.

Os dados fornecidos pela Fenprof davam como encerradas 116 escolas no Norte e 157 na Grande Lisboa. No Sul, houve 106 escolas sem aulas e a adesão rondou, no distrito de Évora, os 90%. No Centro, 193 estiveram fechadas, destacando-se o distrito de Aveiro com uma adesão de 100%. Nos Açores a adesão foi de 70%. A Fenprof promete agora reunir o secretariado nacional a 14 e 15 deste mês para alinhar novas acções.

O PÚBLICO visitou esta sexta-feira de manhã a Escola Secundária Vergílio Ferreira, em Lisboa, onde a falta de funcionários impediu as actividades lectivas. Ao turno da manhã, que começa às 8h, só compareceu uma funcionária “contratada”, apesar de apenas 25% dos professores terem aderido à greve, segundo dados fornecidos pela directora do agrupamento, Maria Manuela Esperança. Nas escolas de 2.º e 3.º ciclo de Telheiras também não houve aulas, mas de manhã não foram desmarcadas as cinco visitas de estudo previstas. Os alunos saíram acompanhados pelos professores em direcção ao Aquário Vasco da Gama e à praia de São João do Estoril.

A greve obrigou também ao adiamento de inúmeros julgamentos, com vários tribunais fechados por todo o país. Entre outros, os tribunais de Ponte de Lima, Viana do Castelo, Faro e Lourinhã, registaram adesões de 100%. Apesar de estarem fechados ao público, asseguraram serviços urgentes, como interrogatórios de arguidos detidos e processos que envolvem menores em risco.

Em sintonia estiveram os líderes das duas maiores centrais sindicais. Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP, considerou que a greve se traduziu numa “resposta à altura” dos trabalhadores às políticas do Governo. “As coisas estão a correr bem e vão continuar. Estes trabalhadores estão todos os dias a ser mal tratados, disse o líder sindical. Arménio Carlos insistiu que a única solução é a demissão do Executivo e a mudança de políticas.

O secretário-geral da UGT, Carlos Silva, não foi tão longe, e preferiu salientar a “fortíssima mobilização” perante a “carga pesadíssima” que recai sobre os trabalhadores do Estado. “Isto significa que as pessoas da Administração Pública compreenderam a mensagem, aderiram”, disse Carlos Silva. Sem querer entrar em guerras de números, salientou que mais importante do que as percentagens é “a noção de que há na sociedade portuguesa uma fortíssima sensibilidade para matérias que atacam todos, mas penalizam mais uns do que outros”.

Do lado dos partidos, Jerónimo de Sousa (PCP), elogiou a “grande resposta” dos trabalhadores. António José Seguro (PS) manifestou “solidariedade” com os motivos da greve e João Semedo (BE) disse que o que está em causa nesta greve são “serviços públicos do interesse de todos”.

“Governo não vive de opinião”

Ouvido pelo PÚBLICO, o politólogo José Adelino Maltez não antecipa qualquer mudança de estratégia no Governo. Com o Orçamento do Estado para 2014 e a reforma do Estado como guiões do Governo nos próximos meses, o politólogo analisa que “este é um Governo que não vive de opinião ou vive apenas da opinião dos líderes europeus, do Presidente da República e do que vai fazer o PS”. O professor catedrático do ISCSP olha para a greve como “um exercício de disciplina das próprias estruturas sindicais, que não vão fazer uma revolução”.

Também Alan Stoleroff, investigador do ISCTE que acompanha temas sindicais e também ele sindicalista, não espera que a greve provoque grandes mudanças. “O que tenho observado é que este Governo é muito teimoso relativamente ao seu programa. Face a greves deste tipo, a tendência tem sido de, no dia seguinte, manter o rumo”, realça. “Não sei se a estratégia de greves de protesto terá a eficácia pretendida. Os trabalhadores e os sindicatos estão encurralados perante a agressividade do Governo e a incapacidade de mobilização mais forte, devido à precariedade dos vínculos e dos próprios salários”, alerta o sociólogo”, alerta o sociólogo. com Raquel Martins, Alexandra Campos, Graça Barbosa Ribeiro, Pedro Sales Dias, Ana Cristina Pereira, Ana Henriques, Natália Vilarinho e Romana Borja-Santos
 
 
 
 
 
 

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