Trabalhadores terão 30 dias para decidir se querem mesmo antecipar a reforma

Reforma antecipada passa a depender do "sim" dos trabalhadores depois de conhecerem o valor da pensão. Se nada disserem, o processo será arquivado, ao contrário do que acontece actualmente.

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Vieira da Silva durante um debate na Assembleia da República Rui Gaudêncio/Arquivo

O Governo vai alterar o processo de atribuição das reformas antecipadas, transferindo para o trabalhador a responsabilidade de informar a Segurança Social se, depois de conhecer o valor da pensão a que terá direito, quer avançar ou não com o processo.

Actualmente, quem pede a antecipação da reforma recebe, passado um tempo, uma carta da Segurança Social a dar conta do valor da pensão, à qual têm de responder no prazo de dez dias. Se não houver resposta, a reforma é processada.

Com as novas regras, o Governo pretende inverter a fase final do processo. Fonte oficial do Ministério da Segurança Social explicou ao PÚBLICO que, depois de receber a notificação, a pessoa terá 30 dias para validar o pedido. Na prática, a pessoa tem de dizer se mantém ou não a intenção de antecipar a sua reforma. Se não o fizer no prazo estipulado, o processo será arquivado.

De acordo com um comunicado do Ministério, este procedimento já está a ocorrer desde o início de Janeiro e aplica-se também aos funcionários públicos que descontam para a Caixa Geral de Aposentações.

As notificações enviadas a quem pede a pensão antecipada passam a ter uma nova formulação: “Para que o requerimento de pensão seja deferido deve, no prazo de 30 dias a contar da data de recepção desta notificação, informar os serviços de Segurança Social se pretende manter a decisão de aceder à pensão antecipada de velhice e a data em que cessou ou vai cessar a actividade”. No caso dos membros de órgão estatutário de uma empresa, a Segurança Social pede ainda uma certidão de renúncia à gerência ou administração da empresa.

Além disso, deixa-se claro para todos os trabalhadores que “o requerimento da pensão será arquivado”, caso não haja resposta no prazo.

A medida, refere o Ministério no comunicado, “enquadra-se numa estratégia de maior transparência, melhor informação e mais previsibilidade, salvaguardando uma maior igualdade de rendimentos dos trabalhadores e famílias portuguesas”.

A alteração foi anunciada na quarta-feira à noite pelo ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. “Ao contrário do que se passava até agora, em que quando a pessoa pedia a reforma e lhe era atribuída, a pessoa tinha de se reformar. Agora o Estado vai sempre informar a pessoa: ‘Olhe a sua pensão é esta. Quer meter o pedido de reforma?’”, disse Vieira da Silva, em declarações na quarta-feira à noite na SIC Notícias.

“No caso das pensões antecipadas, [queremos] dar à pessoa a oportunidade de pensar duas vezes antes de embarcar numa solução que pode parecer interessante do ponto de vista do curto prazo mas que tem atrás de si cortes que podem chegar aos 50% do valor da pensão a que a pessoa poderia ter direito se permanecesse um pouco mais de tempo no mercado de trabalho”, acrescentou o ministro.

A pensão antecipada pode ser pedida pelos trabalhadores que aos 55 anos de idade têm “30 anos civis de registo de remunerações relevantes para cálculo da pensão”. Há outras situações em que a antecipação da reforma é permitida, como é o caso dos desempregados de longa duração ou profissões específicas (mineiros, controladores de tráfego aéreo, entre outros).

Quem pede a reforma antecipada este ano terá de contar com um corte de 13,34% no valor da sua pensão, resultado do aumento da esperança média de vida (o chamado factor de sustentabilidade). Este corte será permanente e é agravado com uma penalização de 0,5% por cada mês que falte para se atingir a idade legal que, em 2016, é de 66 anos e dois meses. Há depois atenuantes para quem tem longas carreiras contributivas.

Entre 2012 e 2014, a reforma antecipada esteve suspensa para os trabalhadores do sector privado, mantendo-se apenas para os desempregados de longa duração e para profissões específicas. Em 2015, o acesso foi parcialmente descongelado, mas apenas para quem tinha 60 anos ou mais de idade e 40 anos ou mais de descontos. Só em 2016, o acesso à antecipação da reforma foi retomado na sua totalidade.

Beneficiar carreiras mais longas
Vieira da Silva lembrou também a intenção de mudar as regras das reformas antecipadas dos trabalhadores com mais tempo de trabalho, tal como prevê o programa do Governo. “Vamos reformular o sistema, por forma a que as pessoas com carreiras contributivas muito longas, e há pessoas em Portugal com carreiras contributivas que se aproximam dos 50 anos”, não sejam “obrigadas a trabalhar até aos 66 anos”.

O ministro admitiu que a lei já prevê esta situação, mas argumentou que “está em prática num modelo que é extremamente penalizador para as pessoas”. O diploma para alterar a lei em vigor está a ser finalizado.

UGT e CGTP aplaudem, mas deixam alertas
As centrais sindicais aplaudiram a medida, mas alertam para é importante garantir meios para que a Segurança Social possa responder aos pedidos de forma "célere e efectiva”, e alterar um modelo “altamente penalizador”, por causa do factor de sustentabilidade.

A UGT considera que a prestação de informação prévia sobre os valores das pensões antecipadas "reforça a transparência e a confiança" no sistema, mas sublinha ser importante garantir meios adequados para uma resposta "célere e efectiva".

De acordo com o secretário-geral da UGT, Carlos Silva, "a prestação de informação sobre os mesmos e a possibilidade do trabalhador poder reverter o pedido realizado são procedimentos positivos e necessários".

"Importará que, em simultâneo, sejam garantidos os meios adequados para que haja uma resposta célere e efectiva por parte da Segurança Social, assegurando que os procedimentos a instituir não venham a originar atrasos na concessão das pensões", acrescentou em declarações à Lusa.

Carlos Silva lembrou que as mudanças introduzidas nos últimos anos alteraram profundamente o regime acordado em sede de concertação social em 2006, partilhando a UGT do entendimento, transmitido por Vieira da Silva também na entrevista, de que o regime actual é "extremamente penalizador".

Para a CGTP, a iniciativa anunciada pelo Governo é "importante" para os trabalhadores porque desta forma "acautelam-se de surpresas à posteriori", disse à Lusa José Augusto Oliveira, membro da comissão executiva da central e responsável pela área das Políticas Sociais.

O dirigente acrescenta que “o factor de sustentabilidade não tem razão para existir, porque serve apenas para aumentar a idade da reforma e cortar a pensão".

A central sindical considera que os trabalhadores têm direito a que o valor das pensões seja o mais próximo possível do seu salário e que "a pretexto da sustentabilidade" os cortes introduzidos pelo factor de sustentabilidade "já deram provas que o único efeito que têm é a perda de direitos dos trabalhadores".

A CGTP está disponível para analisar com o Governo formas alternativas de financiamento da Segurança Social que salvaguardem os direitos dos trabalhadores.

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