Governo usou 90% das receitas com as privatizações para pagar dívida pública

Os 4043 milhões arrecadados com a EDP, ANA e REN representam apenas cerca de 2% do dinheiro que o Estado português deve aos credores.

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CTT devem gerar um encaixe de cerca de 500 milhões Bruno Almeida

As operações de privatização que o Governo desenvolveu desde que tomou posse, em Junho de 2011, renderam 4492 milhões de euros, em termos líquidos. Deste valor, 90% foi aplicado na amortização de dívida pública, de acordo com informações prestadas ao PÚBLICO pelo Ministério das Finanças.

Os restantes 10%, que correspondem a 449 milhões, tiveram como destino a amortização de dívida da Parpública, a holding estatal onde estão diversos activos do Estado, como a TAP e os CTT, agora em processo de privatização. De acordo com a lei em vigor, a percentagem mínima a aplicar na redução da dívida pública é de 40%, uma obrigação que o Governo cumpriu a dobrar.

O executivo liderado por Pedro Passos Coelho fez apenas três operações de privatização, todas incluídas no programa acordado com a troika. No entanto, estas foram emblemáticas, e geraram um forte encaixe financeiro. Em pouco mais de dois anos, o Estado saiu da EDP (com a venda de 21,35% da empresa aos chineses da China Three Gorges), passou a deter uma posição residual na REN (ao alienar 25% à State Grid e 15% à Oman Oil) e desfez-se de 100% da gestora aeroportuária ANA, comprada pelos franceses da Vinci.

Ao utilizar a quase totalidade das receitas das privatizações, o Governo evita pedir ou utilizar mais dinheiro emprestado para reembolsar a dívida que contraiu junto dos investidores. No entanto, apesar do elevado montante arrecadado, e que ultrapassou os objectivos acordados com a troika até ao fim do programa de assistência financeira, este é residual face ao total da dívida acumulada. Os 4043 milhões aplicados representam apenas cerca de 2% do dinheiro que o Estado português deve aos seus credores, e que este ano deverá chegar aos 211.357 milhões de euros.

Dos 4492 milhões de euros arrecadados até agora, a maior fatia coube à EDP (2700 milhões de euros). Já a venda de 40% da REN rendeu 592 milhões de euros. E, por fim, a alienação da ANA gerou receitas de 1200 milhões de euros. A este valor acrescem outros 1200 milhões relativos à concessão dos aeroportos nacionais por um período de 50 anos ao grupo Vinci e ainda 700 milhões de dívida da gestora aeroportuária que o novo dono assumiu. No entanto, estes dois últimos montantes (num total de 1900 milhões) não contam como encaixe da privatização.

Ainda este ano, as receitas vão passar a barreira dos 5000 milhões, graças à venda dos CTT, que também foi acordada com as autoridades externas. Tendo em conta o preço médio por acção definido pelo Governo (4,81 euros), a operação de alienação de 70% do capital da empresa em bolsa vai gerar um encaixe de 500,2 milhões. No entanto, é expectável que ultrapasse este valor, dado o entusiasmo por parte dos pequenos e dos grandes investidores. Ontem terminou a fase para efectuar ordens de compra e, tendo em conta os dados divulgados durante a semana passada, a procura no retalho supera largamente a oferta. Quinta-feira é o dia da estreia dos correios em bolsa.

Mais 500 milhões
Em 2014, o Governo prevê encaixar mais 500 milhões com a venda de activos. Neste valor poderá estar incluída a alienação da fatia que o Estado vai manter nos CTT (30%). Na operação em curso, ficou definido que esta participação terá de ser mantida até Agosto de 2014, mas se a intenção do Governo se concretizar, a sua venda poderá render cerca de 220 milhões de euros, tendo em conta o preço médio por acção.

Ainda no próximo ano, está prevista a alienação da EGF, a empresa de resíduos do grupo Águas de Portugal, e do capital que o Estado ainda detém na REN. Neste momento, é dono de 11,1% da empresa de transporte de energia, dos quais 9,9% através da Parpública e 1,2% por via da CGD. Actualmente, os perto de 10% da Parpública valem cerca de 120 milhões de euros. Está ainda prevista a privatização da CP Carga, que tem vindo a ser adiada desde 2012, e não há ainda uma decisão relativamente à privatização da TAP, que fracassou após a rejeição da oferta do único candidato, Gérman Efromovich. Mesmo que utilize a totalidade do encaixe previsto com a venda de mais activos (500 milhões), a amortização da dívida será de apenas 0,23% do total do dinheiro devido aos credores.

O PÚBLICO questionou o Ministério das Finanças sobre qual a razão de amortizar dívida da Parpública com recurso a parte das receitas das privatizações, mas não obteve resposta em tempo útil. A holding que gere as participações do Estado em empresas encontrava-se numa situação financeira delicada, já que foi obrigada a reembolsar antecipadamente, em Dezembro de 2012, mais de 1000 milhões de euros relativos ao empréstimo permutável em acções da EDP, contraído cinco anos antes. Na altura, o reembolso foi refinanciado parcialmente com recurso a empréstimos de curto prazo. Parte do problema foi resolvido, no início deste ano, com a transferência de um pacote de financiamento, no valor de 600 milhões, que antes pertencia ao consórcio Elos, ao qual tinha sido adjudicada a construção do abandonado projecto do TGV.

A utilização das receitas obtidas com a venda de empresas detidas pelo Estado para amortizar dívida pública é uma medida comum desde que se iniciou o plano de privatizações, no final dos anos 80 (ver caixa). Quando surgiu a lei-quadro das privatizações, em 1990, a redução do peso da dívida pública na economia era um dos sete principais objectivos, sendo que a amortização de dívida pública e de empresas estatais é um dos destinos previstos no diploma para as receitas obtidas.

Em 2011, quando a lei foi alterada por iniciativa dos partidos da maioria, os objectivos passaram a ser apenas três, mantendo-se a questão da dívida pública, além da promoção da redução do peso do Estado na economia e da necessidade de “modernizar as actividades económicas”. De fora ficaram, com o acordo do PS, objectivos como o “reforço da capacidade empresarial nacional”, “contribuir para o desenvolvimento do mercado de capitais”, “possibilitar uma ampla participação dos cidadãos portugueses na titularidade do capital das empresas” e “preservar os interesses patrimoniais do Estado e valorizar os outros interesses nacionais”.

Na semana passada, o Governo aprovou em Conselho de Ministros uma proposta de lei que visa criar um regime de salvaguarda de activos estratégicos nas operações de privatização. Estão abrangidas as áreas da energia, transportes e comunicações. Na quinta-feira, o PÚBLICO questionou o Ministério Economia sobre os detalhes do diploma, mas não obteve resposta.
 
 
 
 

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