Governo não cumpriu todas as recomendações do TC para controlar obras públicas

Das 27 sugestões feitas pela instituição na sequência de auditorias a cinco projectos, menos de metade foram acolhidas.

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Obras do Túnel do Rossio foram alvo de auditoria do TC Enric Vives-Rubio

O Governo não cumpriu todas as recomendações feitas pelo Tribunal de Contas (TC) relativamente ao controlo das obras públicas. Na sequência de auditorias feitas, em 2008 e 2009, a cinco grandes projectos, a instituição liderada por Guilherme d’Oliveira Martins tinha deixado 27 sugestões, mas menos de metade foram acolhidas.

Num relatório divulgado nesta quarta-feira, o TC escreve que “das 27 recomendações formuladas, 13 estão acolhidas (48%), sendo que, destas, oito foram totalmente acolhidas (30%) e cinco tiveram um acolhimento parcial (19%)”, acrescentando que “13 recomendações não foram acolhidas (48%) e que não existe informação sobre o acolhimento de uma recomendação (4%)”.

As sugestões feitas pelo TC passavam, por exemplo, pela obrigatoriedade de haver avaliações de custo-benefício, pela exigência de programações ao nível dos custos e dos prazos para a conclusão das obras ou pelo alargamento das consultas ao mercado a mais de uma entidade.

Estas recomendações surgiram depois de uma série de auditorias terem detectado falhas graves na contratação de grandes projectos de infra-estruturas. Em 2008 e 2009, o TC divulgou relatórios sobre as obras do Túnel do Rossio, do Túnel do Terreiro do Paço, da Casa da Música, do Aeroporto Sá Carneiro e da Ponte Europa, tendo concluído que “a execução financeira dos contratos havia ultrapassado os valores contratuais entre 25% e 295% e que os prazos de execução das obras haviam sido excedidos em 1,4 a 4,6 anos”.

Para que o controlo sobre a contratação de obras públicas fosse reforçado, formulou as 27 recomendações, que fez saber nesta quarta-feira não terem sido cumpridas na totalidade. De entre as 13 sugestões que o TC assegura não terem sido acolhidas estão “a preparação e divulgação de um modelo de avaliação do custo-benefício dos investimentos em obras públicas”. A instituição liderada por Guilherme d’Oliveira Martins escreve que “ainda que o Governo tenha feito referência da intenção de criar um modelo de avaliação de custo-benefício de projectos de valor mais elevado”, não se verificou ainda a sua existência.

Outra recomendação falhada dizia respeito à “constituição de uma base de dados sobre as estatísticas de cada obra”. O TC explica que o Observatório das Obras Públicas “tem publicado no seu portal, na internet, dados relativos aos procedimentos contratuais”, mas “não se localizaram estatísticas das obras, em termos de custos por unidade de obra e tendo por base mapas de medição tipo, nem dados que permitam comparar as estruturas de custos dos empreendimentos da mesma natureza”.

Além disso, e apesar de estar previsto desde 2005 o desenvolvimento de uma ferramenta informática que poderia responder às preocupações do TC, a mesma não está ainda em funcionamento, lê-se no relatório. A terceira recomendação que ficou por acolher dizia precisamente respeito a este Protocolo para a Normalização da Informação Técnica na Construção, cuja implementação o Governo assumiu que “ainda não [está] operacionalizada”.

Outra sugestão do TC ia no sentido de “vincular as entidades gestoras de empreendimentos de obras públicas à apresentação da previsão de custos globais e de prazos de conclusão, de molde a introduzir rigor e credibilidade nas estimativas apresentadas”. No entanto, os passos dados até aqui não são considerados suficientes pela instituição.

Havia ainda a recomendação de que fosse imposta “a avaliação, a posteriori, dos empreendimentos de obras públicas, de modo a obter-se uma certificação do respectivo estado, através de entidade pública ou privada de reconhecido mérito”. Porém, “não se apurou a existência de regras de avaliação a serem seguidas pelo dono da obra que visem assegurar a certificação do estado da obra”, escreve o TC.

Outra exigência que não foi cumprida passava pelo “cumprimento das disposições sobre a elaboração de projectos”, que constam de uma portaria datada de 2008. O TC pedia ainda, sem sucesso, que o Governo promovesse “os mecanismos necessários para que as entidades gestoras dos empreendimentos de obras públicas adoptem, em regra, a nomeação de um gestor por empreendimento” e que procedesse “à definição legal da figura de gestor de empreendimento”.

Ainda nesta área, a instituição recomendava que a intervenção do gestor de empreendimento fosse “iniciada com a preparação do programa preliminar e a elaboração dos estudos sobre os terrenos e termine após a entrada em exploração da obra produzida”. A figura, no entanto, nunca chegou a ser criada legalmente.

O TC recomendava ainda que todas as entidades públicas privilegiassem “a consulta ao mercado, fomentando, assim, a transparência e tirando vantagem dos mercados concorrenciais”. Mas a instituição concluiu que continuam a dominar, sem travão, os ajustes directos nas obras públicas.

A instituição exigia “ainda que os donos da obra invistam na melhoria da qualidade dos projectos” e que todas as entidades do Estado introduzissem “a máxima precisão e rigor no clausulado contratual, por forma a salvaguardar o interesse público e a boa gestão dos dinheiros públicos”. E que fosse promovida “a publicação de legislação sobre as condições objectivas para a contratação dos seguros de projecto”.

Por fim, também não foi cumprida a recomendação em que o TC exigia que se assegurasse a estabilidade ao nível dos responsáveis pela gestão de empreendimentos de obras públicas “sob pena de se potenciar a desresponsabilização e o adiamento de decisões, com impactos negativos nos custos e no cumprimento dos prazos”.

Das 27 recomendações, aquela para a qual a instituição liderada por Guilherme d’Oliveira Martins não encontrou informação dizia respeito à necessidade de evitar “o lançamento de concursos para a contratação de empreitadas sob a modalidade de concepção/construção”, incitando ao “lançamento de concurso com projecto de execução”. No relatório divulgado nesta quarta-feira, o TC admite que “o apuramento do cumprimento desta recomendação só é passível de verificação através de uma acção de fiscalização”.

As recomendações cumpridas
No que diz respeito às recomendações acolhidas integralmente pelo Governo, destacam-se o dever se “emanar e mandar publicitar (…) linhas de orientação sobre as boas práticas” na contratação de obras públicas, bem como “a recolha e tratamento estatístico da informação sobre adjudicações” e a criação de um Observatório das Obras Públicas que permitisse o “registo e acompanhamento dos empreendimentos”.

O TC também considera que o executivo cumpriu a recomendação de o dono da obra obter os licenciamentos e as autorizações necessárias “previamente ao lançamento de um concurso” e de evitar “o recurso à criação de regimes jurídicos de excepção, a não ser em casos devidamente justificados”.

Quanto à adjudicação dos contratos, a instituição entende que o Governo seguiu a sugestão de que “sejam formalizados na base quer do preço mais baixo, quer da proposta economicamente mais vantajosa” e de que estejam “assegurados os fundos necessários à boa execução dos investimentos programados”. E, por fim, o TC considerou cumprido o objectivo de criação ou de melhoria dos sistemas de informação para a gestão das entidades gestoras de empreendimentos de obras públicas”.

Quanto às recomendações acolhidas parcialmente, o relatório explica que incluem a obrigatoriedade de todos os investimentos em infra-estruturas serem “precedidos de estudos prévios”, assim como de, aquando da avaliação de determinado projecto, se ter em conta “o custo global relativo ao seu clico de vida”.

Além disso, considerou cumpridas as sugestões de haver “critérios objectivos de avaliação de propostas, com particular enfoque no preço” e de cada pedido para alteração do prazo contratual da execução de uma empreitada seja “acompanhado com o novo plano de trabalhos e o correspondente cronograma financeiro da obra”.

No final do relatório, o TC explica que o Governo, através dos ministros das Finanças e da Economia, a quem foram enviadas as recomendações, têm 60 dias para transmitir que medidas vão adoptar para dar cumprimento às recomendações que ficaram por cumprir. E têm 180 dias para mostrar as medidas adoptadas e os resultados obtidos.

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